O líder sem-terra José Rainha Júnior afirmou nesta quarta-feira, após visitar o deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP), que o ministro Joaquim Barbosa nega sua raça e história ao agir de forma "injusta e arbitrária" contra os condenados do mensalão. Fazendo referência ao tempo da escravidão no Brasil, Rainha disse que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) age como um senhor de engenho.
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"O dia em que o negro entrou na Casa Grande e se encantou com os anéis, ele é tão reacionário quanto o dono de engenho. E o dia em que o negro nega a sua raça, seu sangue e sua história, ele é tão branco como o dono de engenho. O que se está fazendo com o Judiciário é uma vergonha", disse. "Este País mudou de casa grande e senzala? O que ele mudou? Nada. É um dono de engenho!", afirmou.
Rainha almoçou nesta quarta-feira com João Paulo, que pode ir para a prisão a qualquer momento. Na segunda-feira, Barbosa determinou o cumprimento imediato da pena, mas saiu de férias sem assinar o mandado de prisão. A ordem pode ser emitida pela ministra Cármen Lúcia, que preside interinamente o STF durante o recesso até o dia 20 de janeiro. Rainha disse que "João Paulo não está com medo, enfrantando a situação com ânimo e coragem".
Para o líder sem-terra, a condenação de João Paulo representa o preconceito que o partido e os movimentos sociais sofrem no País. "Os trabalhadores, negros, miseráveis e sem-terra não têm voz e vez. Aqueles que ocupam cargo que representariam sua classe de origem se negam a ela para defender exatamente os donos de engenho de olhos azuis", disse o líder, que considera o deputado um preso político.
Amigo de João Paulo há 30 anos, José Rainha contabiliza já ter sido preso 13 vezes, recebendo visita do petista em todas as ocasiões, inclusive quando o parlamentar era presidente da Câmara dos Deputados, em 2003. Questionado se explicou para o amigo como era a vida na prisão, Rainha disse ter "trocado experiências".
Sem entrar em detalhes, Rainha disse que tinha críticas sobre a postura do PT com os condenados do mensalão, mas não entrou em detalhes. "Eu tenho minha crítica, mas acho que o PT deveria fazer ela. O partido tem responsabilidade pelos seus quadros (...) A solidariedade tem de ser princípio", disse.
Almoço
Durante o almoço com José Rainha e amigos, João Paulo conversou sobre eleições e o panorama político, pela conversa que pôde ser ouvida do térreo do prédio em que reside na Asa Sul, em Brasília. Entre outros assuntos, o deputado falou das eleições presidenciais do ano que vem, comentou o desempenho da presidente Dilma Rousseff nas pesquisas eleitorais e fez comentários sobre o senador Aécio Neves (PSDB) e o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB).
Procurado pelo Terra, o ministro Joaquim Barbosa disse que não vai comentar as declarações de José Rainha.
O mensalão do PT
Em 2007, o STF aceitou denúncia contra os 40 suspeitos de envolvimento no suposto esquema denunciado em 2005 pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB) e que ficou conhecido como mensalão. Segundo ele, parlamentares da base aliada recebiam pagamentos periódicos para votar de acordo com os interesses do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Após o escândalo, o deputado federal José Dirceu deixou o cargo de chefe da Casa Civil e retornou à Câmara. Acabou sendo cassado pelos colegas e perdeu o direito de concorrer a cargos públicos até 2015.
No relatório da denúncia, a Procuradoria-Geral da República apontou como operadores do núcleo central do esquema José Dirceu, o ex-deputado e ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares e o ex- secretário-geral Silvio Pereira. Todos foram denunciados por formação de quadrilha. Dirceu, Genoino e Delúbio responderam ainda por corrupção ativa.
O relator apontou também que o núcleo publicitário-financeiro do suposto esquema era composto pelo empresário Marcos Valério e seus sócios (Ramon Cardoso, Cristiano Paz e Rogério Tolentino), além das funcionárias da agência SMP&B Simone Vasconcelos e Geiza Dias. Eles responderam por pelo menos três crimes: formação de quadrilha, corrupção ativa e lavagem de dinheiro. A então presidente do Banco Rural, Kátia Rabello, e os diretores José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório foram denunciados por formação de quadrilha, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro. O publicitário Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes, respondem a ações penais por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. O ex-ministro da Secretaria de Comunicação (Secom) Luiz Gushiken é processado por peculato. O ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato foi denunciado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.Em 2008, Sílvio Pereira assinou acordo com a Procuradoria-Geral da República para não ser mais processado no inquérito sobre o caso. Com isso, ele teria que fazer 750 horas de serviço comunitário em até três anos e deixou de ser um dos 40 réus. José Janene, ex-deputado do PP, morreu em 2010 e também deixou de figurar na denúncia.
O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) respondeu processo por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A denúncia incluía ainda parlamentares do PP, PR(ex-PL), PTB e PMDB. Entre eles o próprio delator, Roberto Jefferson. Em julho de 2011, a Procuradoria-Geral da República, nas alegações finais do processo, pediu que o STF condenasse 36 dos 38 réus restantes. Ficaram de fora o ex-ministro da Comunicação Social Luiz Gushiken e o irmão do ex-tesoureiro do Partido Liberal (PL) Jacinto Lamas, Antônio Lamas, ambos por falta de provas.
A ação penal começou a ser julgada em 2 de agosto de 2012. A primeira decisão tomada pelos ministros foi anular o processo contra o ex-empresário argentino Carlos Alberto Quaglia, acusado de utilizar a corretora Natimar para lavar dinheiro do mensalão. Durante três anos, o Supremo notificou os advogados errados de Quaglia e, por isso, o defensor público que representou o réu pediu a nulidade por cerceamento de defesa. Agora, ele vai responder na Justiça Federal de Santa Catarina, Estado onde mora. Assim, restaram 37 réus no processo.
No dia 17 de dezembro de 2012, após mais de quatro meses de trabalho, os ministros do STF encerraram o julgamento do mensalão. Dos 37 réus, 25 foram condenados, entre eles Marcos Valério (40 anos e 2 meses), José Dirceu (10 anos e 10 meses), José Genoino (6 anos e 11 meses) e Delúbio Soares (8 anos e 11 meses).
Após a Suprema Corte publicar o acórdão do processo, em 2013, os advogados entraram com os recursos. Os primeiros a serem analisados foram os embargos de declaração, que têm como função questionar contradições e obscuridades no acórdão, sem entrar no mérito das condenações. Em seguida, o STF decidiu, por seis votos a cinco, que as defesas também poderiam apresentar os embargos infringentes, que possibilitariam um novo julgamento para réus que foram condenados por um placar dividido – esses recursos devem ser julgados em 2014.
Em 15 de novembro de 2013, o ministro Joaquim Barbosa decretou as primeiras 12 prisões de condenados, após decisão dos ministros de executar apenas as sentenças dos crimes que não foram objeto de embargos infringentes. Os réus nesta situação eram: José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares, Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Kátia Rabello, José Roberto Salgado, Henrique Pizzolato, Simone Vasconcelos, Romeu Queiroz e Jacinto Lamas. Todos eles se apresentaram à Polícia Federal, menos Pizzolato, que fugiu para a Itália.