Com os votos de mais dois ministros dados nesta quinta-feira, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou a condenação pelo crime de formação de quadrilha aplicada a oito réus do processo do mensalão. Teori Zavascki e Rosa Weber se juntaram aos votos já proferidos ontem, de Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski, e tiraram então condenados como o ex-ministro José Dirceu e o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares do regime fechado.
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Zavascki iniciou seu voto defendendo que os ministros não precisavam se ater ao que foi decidido na condenação por quadrilha em 2012. Segundo o ministro, trata-se de um novo julgamento. "Em face da ampla devolutibilidade e propiciada pelos embargos infringentes, nada impede que o tribunal promova novo juízo sobre pena aplicada ou reforme o acórdão recorrido", disse Zavascki.
O ministro citou, em seguida, jurisprudência em que, quando os magistrados decidem pela prescrição de uma punição, esse debate é preliminar e não é preciso nem levar adiante a discussão sobre o mérito do caso. Foi essa a ideia defendida por Luís Roberto Barroso ontem. Para os ministros, então, a discussão não seria sobre absolvição ou não, mas sobre o não mais cabimento da condenação por conta da prescrição do crime.
Ontem, provocado por Barroso, Joaquim Barbosa chegou a admitir que aumentara a pena pelo crime de quadrilha justamente para que os condenados não escapassem da punição, o que contraria o princípio da proporcionalidade da pena. Barbosa chegou a argumentar que não haveria qualquer impeditivo a isso no Código Penal, mas a admissão caiu como uma bomba entre ministros e advogados presentes ao julgamento.
A diferença basilar entre os votos de Zavascki e de outros ministros que absolveram os réus foi justamente que o primeiro defendeu que o crime estaria prescrito, até mesmo pela demora no julgamento da ação. Isso, segundo Zavascki, fica ainda mais latente na “discrepância” na pena-base fixada para o crime de formação de quadrilha e os outros.
Segundo o ministro, "não haveria razão plausível para multiplicar" a pena para quadrilha, considerado crime menos grave do que peculato (desvio de dinheiro público) e corrupção ativa, crimes pelos quais alguns dos réus também foram condenados. "Com todo o respeito, o STF também é falível. Por harmonia interna, proporcionalidade e tratamento isonômico, ele próprio reviu penas exacerbadas", disse. "É uma crítica ao acórdão embargado, mas respeitosa”.
Para Zavascki, não se pode confundir o crime de quadrilha com o concurso de agentes, a chamada coautoria. E para embasar o seu voto, o ministro listou os requisitos na lei para configurar o crime de quadrilha, como haver a criação de uma entidade autônoma com fins para praticar crime e atuação de forma estável. Para ele, "não está demonstrada a presença do dolo específico" entre os condenados por quadrilha no caso do mensalão.
“É difícil afirmar que Dirceu e Genoino tivessem se unido a outros agentes com o objetivo e interesse comum de praticar crimes contra o sistema financeiro nacional ou de lavagem de dinheiro. Da mesma forma não parece verossível que Kátia Rabello José Roberto Salgado tenham conscientemente se unido àqueles dirigentes partidários e políticos com o objetivo único de cometer crimes como corrupção ativa”, disse.
Zavascki argumentou ainda que, na opinião dele, o diagnóstico correto seria o já analisado pela ministra Cármen Lúcia, de que o que houve foi uma reunião de práticas criminosas diferenciadas que tinham como objetivo a obtenção de vantagens indevidas para interesses específicos dos envolvidos, e não perturbar a paz pública.
Logo após Zavascki, em um voto curto e em linha ao que já proferia na primeira fase do julgamento, a ministra Rosa Weber destacou não ter havido dolo (intenção) específico, ou seja, não houve formação de quadrilha com o objetivo de cometer crimes, mas que instituições já existentes foram usadas para praticar os delitos. "Não basta para configuração deste delito que mais de 3 pessoas pratiquem delitos. É necessário que esta união se faça para a específica prática de crimes", disse Weber.
Com o placar atual, José Dirceu e Delúbio Soares escapam do cumprimento de suas penas em regime fechado. Dirceu terá sua pena final estabelecida em sete anos e 11 meses, em regime semiaberto, e Delúbio em seis anos e oito meses, também no semiaberto. Ainda faltam os votos dos ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Joaquim Barbosa.
O mensalão do PT
Em 2007, o STF aceitou denúncia contra os 40 suspeitos de envolvimento no suposto esquema denunciado em 2005 pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB) e que ficou conhecido como mensalão. Segundo ele, parlamentares da base aliada recebiam pagamentos periódicos para votar de acordo com os interesses do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Após o escândalo, o deputado federal José Dirceu deixou o cargo de chefe da Casa Civil e retornou à Câmara. Acabou sendo cassado pelos colegas e perdeu o direito de concorrer a cargos públicos até 2015.
No relatório da denúncia, a Procuradoria-Geral da República apontou como operadores do núcleo central do esquema José Dirceu, o ex-deputado e ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares e o ex- secretário-geral Silvio Pereira. Todos foram denunciados por formação de quadrilha. Dirceu, Genoino e Delúbio responderam ainda por corrupção ativa.
O relator apontou também que o núcleo publicitário-financeiro do suposto esquema era composto pelo empresário Marcos Valério e seus sócios (Ramon Cardoso, Cristiano Paz e Rogério Tolentino), além das funcionárias da agência SMP&B Simone Vasconcelos e Geiza Dias. Eles responderam por pelo menos três crimes: formação de quadrilha, corrupção ativa e lavagem de dinheiro. A então presidente do Banco Rural, Kátia Rabello, e os diretores José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório foram denunciados por formação de quadrilha, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro.
O publicitário Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes, respondem a ações penais por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. O ex-ministro da Secretaria de Comunicação (Secom) Luiz Gushiken é processado por peculato. O ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato foi denunciado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.Em 2008, Sílvio Pereira assinou acordo com a Procuradoria-Geral da República para não ser mais processado no inquérito sobre o caso. Com isso, ele teria que fazer 750 horas de serviço comunitário em até três anos e deixou de ser um dos 40 réus. José Janene, ex-deputado do PP, morreu em 2010 e também deixou de figurar na denúncia.
O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) respondeu processo por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A denúncia incluía ainda parlamentares do PP, PR(ex-PL), PTB e PMDB. Entre eles o próprio delator, Roberto Jefferson. Em julho de 2011, a Procuradoria-Geral da República, nas alegações finais do processo, pediu que o STF condenasse 36 dos 38 réus restantes. Ficaram de fora o ex-ministro da Comunicação Social Luiz Gushiken e o irmão do ex-tesoureiro do Partido Liberal (PL) Jacinto Lamas, Antônio Lamas, ambos por falta de provas.
A ação penal começou a ser julgada em 2 de agosto de 2012. A primeira decisão tomada pelos ministros foi anular o processo contra o ex-empresário argentino Carlos Alberto Quaglia, acusado de utilizar a corretora Natimar para lavar dinheiro do mensalão. Durante três anos, o Supremo notificou os advogados errados de Quaglia e, por isso, o defensor público que representou o réu pediu a nulidade por cerceamento de defesa. Agora, ele vai responder na Justiça Federal de Santa Catarina, Estado onde mora. Assim, restaram 37 réus no processo.
No dia 17 de dezembro de 2012, após mais de quatro meses de trabalho, os ministros do STF encerraram o julgamento do mensalão. Dos 37 réus, 25 foram condenados, entre eles Marcos Valério (40 anos e 2 meses), José Dirceu (10 anos e 10 meses), José Genoino (6 anos e 11 meses) e Delúbio Soares (8 anos e 11 meses).
Após a Suprema Corte publicar o acórdão do processo, em 2013, os advogados entraram com os recursos. Os primeiros a serem analisados foram os embargos de declaração, que têm como função questionar contradições e obscuridades no acórdão, sem entrar no mérito das condenações. Em seguida, o STF decidiu, por seis votos a cinco, que as defesas também poderiam apresentar os embargos infringentes, que possibilitariam um novo julgamento para réus que foram condenados por um placar dividido – esses recursos devem ser julgados em 2014.
Em 15 de novembro de 2013, o ministro Joaquim Barbosa decretou as primeiras 12 prisões de condenados, após decisão dos ministros de executar apenas as sentenças dos crimes que não foram objeto de embargos infringentes. Os réus nesta situação eram: José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares, Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Kátia Rabello, José Roberto Salgado, Henrique Pizzolato, Simone Vasconcelos, Romeu Queiroz e Jacinto Lamas. Todos eles se apresentaram à Polícia Federal, menos Pizzolato, que fugiu para a Itália.