O Supremo Tribunal Federal (STF) corrigiu nesta quarta-feira um erro na aplicação da multa ao empresário Marcos Valério, condenado no julgamento do mensalão, e fixou o valor em R$ 3,062 milhões. Um impasse sobre o cálculo havia suspendido a análise do recurso do operador do mensalão na última quinta-feira. A pena de 40 anos, quatro meses e seis dias foi mantida para o réu, considerado o operador do esquema de corrupção.
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Empresário sócio das empresas DNA Propaganda e SMP&B comunicação, Marcos Valério foi condenado pelos crimes de formação de quadrilha, corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro e evasão de divisas por criar um esquema que financiou o PT e outros partidos governistas, com desvio de recursos obtidos com contratos de publicidade firmados com o Banco do Brasil e a Câmara dos Deputados. A origem do dinheiro era disfarçada por meio de empréstimos fraudulentos. Valério foi condenado por todos os crimes a que foi condenado: corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e evasão de divisas.
Durante a definição das penas, no ano passado, o revisor do mensalão, Ricardo Lewandowski, foi acompanhado pela maioria dos ministros ao fixar multas referentes a dois crimes cometidos por Valério. Em um dos casos, por uma condenação de corrupção ativa, Lewandowski sugeriu que fossem aplicados 30 dias-multa de 15 salários mínimos. Sobre o crime de lavagem de dinheiro, o revisor havia imputado 20 dias-multa no valor de 15 salários.
Na época, a multa total de Marcos Valério havia sido estimada em R$ 2,78 milhões. Para padronizar as penas pecuniárias, Lewadowski disse em outra sessão, no entanto, que consideraria 10 salários mínimos como base de cálculo e fez um ajuste em sua decisão, aplicando 93 dias-multa para cada crime.
O acórdão, texto que resume a decisão do julgamento, deixou registrado um cálculo de multa errado: 93 dias-multa de 15 salários mínimos, o que elevaria a pena para R$ 3,29 milhões. Lewandowski esclareceu hoje que, com base nos áudios das sessões do julgamento, ficou decidido que o número de dias-multas estava correto, mas a base de cálculo ficaria em 10 salários.
Na última quinta-feira, os ministros Celso de Mello e Luís Roberto Barroso chegaram a afirmar que o Supremo deveria analisar a possibilidade de manter a pena menor, a de R$ 2,78 milhões, já que o Ministério Público não recorreu da contradição no acórdão. Hoje, os ministros entenderam que houve um erro material da confecção do acórdão, que não registrou uma fala de Ricardo Lewandowski ao mudar o critério da pena de multa, e acompanhou o revisor na correção.
Crime de quadrilha
Outro pedido de Marcos Valério que gerou discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) foi sobre uma suposta contradição na definição da pena de formação de quadrilha em dois anos e 11 meses. O revisor do mensalão, Ricardo Lewandowski, acolheu o pedido da defesa, ao entender que o Supremo se excedeu ao aplicar a pena, cujo máximo é três anos.
“Como se verifica, dos dois anos de aumento possível, a corte caminhou 75%, quase dobrou a pena. Para os outros delitos, a pena foi muito menor”, disse Lewandowski, que não foi acompanhado por nenhum ministro. Se a pena de quadrilha fosse reduzida para um patamar de dois anos, seria considerada prescrita.
Para tentar convencer os demais ministros - entre eles Barroso e Teori Zavascki, que não participaram do julgamento do mensalão no ano passado -, o relator Joaquim Barbosa disse que Lewandowski tentava alterar o mérito de uma dosimetria que não participou (o revisor absolveu todos os réus do crime de quadrilha).
“Quem é esse réu? Era simplesmente o pivô de todas as tramas. Era o elo de união entre os chamados núcleos, entre os núcleos financeiro, político... Ele transitava, tinha relações íntimas e não republicanas com quase todos os réus dessa ação penal. Agora, dizer que aplicação de 2 anos e 11 é um absurdo, data vênia, não é”, disse Barbosa, defendendo a possibilidade de se aplicar a pena perto do limite legal.
Outros pedidos
Entre outros pedidos rejeitados pelos ministros, Valério reivindicava ser considerado “réu colaborador”, por ter auxiliado nas investigações com fornecimento de listas de recebedores de recursos do mensalão. “Ao contrário do que se tem sustentado, esse réu buscou criar muito mais obstáculos à investigação do que proporcionar informações”, disse Barbosa. O status de réu colaborador foi concedido ao ex-presidente do PTB Roberto Jefferson, considerado “delator” por denunciar o esquema em uma entrevista ao jornal Folha de S.Paulo.
A defesa também levantava outras supostas contradições no acórdão do mensalão (texto que resume o processo), como o agravante de “liderança” na pena definida ao empresário. O advogado de Valério, Marcelo Leonardo, escreveu no embargo que o Supremo sempre disse que as empresas SMP&B e DNA eram dirigidas “a três mãos”, juntamente dos sócios Cristiano Paz e Ramon Hollerbach. Barbosa, no entanto, disse que o réu - considerado operador do esquema -coordenou o chamado “núcleo publicitário” do mensalão.
Repetindo um pedido feito em memoriais entregue no ano passado a ministros, Marcelo Leonardo voltou a reivindicar a continuidade delitiva entre os delitos praticados. Nesse caso, o tribunal não somaria as penas, mas aplicaria a maior e aumentaria em frações pela prática de outros crimes.
O mensalão do PT
Em 2007, o STF aceitou denúncia contra os 40 suspeitos de envolvimento no suposto esquema denunciado em 2005 pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB) e que ficou conhecido como mensalão. Segundo ele, parlamentares da base aliada recebiam pagamentos periódicos para votar de acordo com os interesses do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Após o escândalo, o deputado federal José Dirceu deixou o cargo de chefe da Casa Civil e retornou à Câmara. Acabou sendo cassado pelos colegas e perdeu o direito de concorrer a cargos públicos até 2015.
No relatório da denúncia, a Procuradoria-Geral da República apontou como operadores do núcleo central do esquema José Dirceu, o ex-deputado e ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares e o ex- secretário-geral Silvio Pereira. Todos foram denunciados por formação de quadrilha. Dirceu, Genoino e Delúbio respondem ainda por corrupção ativa.
Em 2008, Sílvio Pereira assinou acordo com a Procuradoria-Geral da República para não ser mais processado no inquérito sobre o caso. Com isso, ele teria que fazer 750 horas de serviço comunitário em até três anos e deixou de ser um dos 40 réus. José Janene, ex-deputado do PP, morreu em 2010 e também deixou de figurar na denúncia.
O relator apontou também que o núcleo publicitário-financeiro do suposto esquema era composto pelo empresário Marcos Valério e seus sócios (Ramon Cardoso, Cristiano Paz e Rogério Tolentino), além das funcionárias da agência SMP&B Simone Vasconcelos e Geiza Dias. Eles respondem por pelo menos três crimes: formação de quadrilha, corrupção ativa e lavagem de dinheiro.
A então presidente do Banco Rural, Kátia Rabello, e os diretores José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório foram denunciados por formação de quadrilha, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro. O publicitário Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes, respondem a ações penais por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. O ex-ministro da Secretaria de Comunicação (Secom) Luiz Gushiken é processado por peculato. O ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato foi denunciado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) responde a processo por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A denúncia inclui ainda parlamentares do PP, PR (ex-PL), PTB e PMDB. Entre eles o próprio delator, Roberto Jefferson. Em julho de 2011, a Procuradoria-Geral da República, nas alegações finais do processo, pediu que o STF condenasse 36 dos 38 réus restantes. Ficaram de fora o ex-ministro da Comunicação Social Luiz Gushiken e o irmão do ex-tesoureiro do Partido Liberal (PL) Jacinto Lamas, Antônio Lamas, ambos por falta de provas. A ação penal começou a ser julgada em 2 de agosto de 2012. A primeira decisão tomada pelos ministros foi anular o processo contra o ex-empresário argentino Carlos Alberto Quaglia, acusado de utilizar a corretora Natimar para lavar dinheiro do mensalão.
Durante três anos, o Supremo notificou os advogados errados de Quaglia e, por isso, o defensor público que representou o réu pediu a nulidade por cerceamento de defesa. Agora, ele vai responder na Justiça Federal de Santa Catarina, Estado onde mora. Assim, restaram 37 réus no processo.
No dia 17 de dezembro de 2012, após mais de quatro meses de trabalho, os ministros do STF encerraram o julgamento do mensalão. Dos 37 réus, 25 foram condenados, entre eles Marcos Valério (40 anos e 2 meses), José Dirceu (10 anos e 10 meses), José Genoino (6 anos e 11 meses) e Delúbio Soares (8 anos e 11 meses). A Suprema Corte ainda precisa publicar o acórdão do processo e julgar os recursos que devem ser impetrados pelas defesas dos réus. Só depois de transitado em julgado os condenados devem ser presos.