Condenado no julgamento do mensalão, Valdemar Costa Neto (PR-SP) enviou à Câmara dos Deputados carta em que renuncia ao mandato de deputado federal. O parlamentar deixa o cargo após o Supremo Tribunal Federal (STF) determinar sua prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
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“Ainda que a Constituição garanta a este parlamentar o direito ao exercício do mandato até o fim do processo de cassação, não cogito impor ao parlamento a oportunidade de mais um constrangimento”, disse o deputado na carta, lida no plenário da Câmara pelo deputado Luciano Castro (PR-RR).
É a segunda vez que Costa Neto renuncia ao mandato de deputado federal por causa do mensalão. Em 2005, anunciou a renúncia em discurso no plenário ao admitir ter recebido recursos do PT. Ele disse, no entanto, que a verba seria destinada a financiamento de campanha, e não para pagar mesadas a deputados de seu partido.
Valdemar Costa Neto foi condenado a 7 anos e 10 meses e deve ser preso ainda hoje. Ele era presidente do PL (atual PR) na época do mensalão e foi acusado de receber mais de R$ 8 milhões do esquema em troca de apoio do partido ao Congresso. Costa Neto foi eleito novamente para a Câmara em 2006 e reeleito em 2010.
Na carta, endereçada ao presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), Costa Neto critica a impossibilidade de ser submetido a duas instâncias na Justiça pelo fato de ser parlamentar e afirma que foi condenado por crimes que não cometeu. "Certo de que pagarei pelas faltas que já reconheci, reitero que fui condenado por crimes que não cometi. Serenamente, passo a cumprir a sentença de culpa, flagrantemente destituída do sagrado direito ao duplo grau de jurisdição", disse.
Leia a carta na íntegra:
Senhor presidente,
Venho por meio desta comunicar à mesa diretora da Câmara dos Deputados irrevogável decisão, relacionada ao exercício do meu mandato de deputado federal, delegado pela inexpugnável vontade popular, no curso das eleições de 2010.
Tomo a iniciativa desta carta, senhor presidente, orientado pelo respeito que devo ao Poder Legislativo brasileiro, enfraquecido por um vazio jurídico que impõe ao parlamentar a impossibilidade de dois julgamentos, garantidos a todos brasileiros sem mandato eletivo.
Ainda que a Constituição garanta a este parlamentar o direito ao exercício do mandato até o fim de eventual processo de cassação na Câmara dos Deputados, não cogito impor ao parlamento a oportunidade de mais um constrangimento institucional.
Este gesto, entretanto, senhor presidente, não desobriga o Congresso Nacional do devido propósito que restaure a autoridade que lhe é conferida pela Constituição Federal. O Poder Legislativo tem o dever de providências energéticas, sobretudo quando sua autonomia é questionada por circunstâncias de patrocínio inconfessável.
A restauração da força e da imagem do parlamento brasileiro, senhor presidente, reivindica coragem e espírito público. Coragem para enfrentar déspotas poderosos e seus aliados. Espírito púbico para não se deixar abalar pelos ataques que alimentam a ingenuidade dos que opinam sem conhecimento de causa.
Certo de que pagarei pelas faltas que já reconheci, reitero que fui condenado por crimes que não cometi. Serenamente, passo a cumprir uma sentença de culpa, flagrantemente destituída do sagrado direito ao duplo grau de jurisdição.
Inspirado pelo respeito aos eleitores que me delegaram a representação que traz uma extensa folha de serviços prestados, renuncio ao meu mandato de deputado federal da República Federativa do Brasil.
Valdemar Costa Neto
O mensalão do PT
Em 2007, o STF aceitou denúncia contra os 40 suspeitos de envolvimento no suposto esquema denunciado em 2005 pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB) e que ficou conhecido como mensalão. Segundo ele, parlamentares da base aliada recebiam pagamentos periódicos para votar de acordo com os interesses do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Após o escândalo, o deputado federal José Dirceu deixou o cargo de chefe da Casa Civil e retornou à Câmara. Acabou sendo cassado pelos colegas e perdeu o direito de concorrer a cargos públicos até 2015.
No relatório da denúncia, a Procuradoria-Geral da República apontou como operadores do núcleo central do esquema José Dirceu, o ex-deputado e ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares e o ex- secretário-geral Silvio Pereira. Todos foram denunciados por formação de quadrilha. Dirceu, Genoino e Delúbio responderam ainda por corrupção ativa.
O relator apontou também que o núcleo publicitário-financeiro do suposto esquema era composto pelo empresário Marcos Valério e seus sócios (Ramon Cardoso, Cristiano Paz e Rogério Tolentino), além das funcionárias da agência SMP&B Simone Vasconcelos e Geiza Dias. Eles responderam por pelo menos três crimes: formação de quadrilha, corrupção ativa e lavagem de dinheiro. A então presidente do Banco Rural, Kátia Rabello, e os diretores José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório foram denunciados por formação de quadrilha, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro. O publicitário Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes, respondem a ações penais por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. O ex-ministro da Secretaria de Comunicação (Secom) Luiz Gushiken é processado por peculato. O ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato foi denunciado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.Em 2008, Sílvio Pereira assinou acordo com a Procuradoria-Geral da República para não ser mais processado no inquérito sobre o caso. Com isso, ele teria que fazer 750 horas de serviço comunitário em até três anos e deixou de ser um dos 40 réus. José Janene, ex-deputado do PP, morreu em 2010 e também deixou de figurar na denúncia.
O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) respondeu processo por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A denúncia incluía ainda parlamentares do PP, PR(ex-PL), PTB e PMDB. Entre eles o próprio delator, Roberto Jefferson. Em julho de 2011, a Procuradoria-Geral da República, nas alegações finais do processo, pediu que o STF condenasse 36 dos 38 réus restantes. Ficaram de fora o ex-ministro da Comunicação Social Luiz Gushiken e o irmão do ex-tesoureiro do Partido Liberal (PL) Jacinto Lamas, Antônio Lamas, ambos por falta de provas.
A ação penal começou a ser julgada em 2 de agosto de 2012. A primeira decisão tomada pelos ministros foi anular o processo contra o ex-empresário argentino Carlos Alberto Quaglia, acusado de utilizar a corretora Natimar para lavar dinheiro do mensalão. Durante três anos, o Supremo notificou os advogados errados de Quaglia e, por isso, o defensor público que representou o réu pediu a nulidade por cerceamento de defesa. Agora, ele vai responder na Justiça Federal de Santa Catarina, Estado onde mora. Assim, restaram 37 réus no processo.
No dia 17 de dezembro de 2012, após mais de quatro meses de trabalho, os ministros do STF encerraram o julgamento do mensalão. Dos 37 réus, 25 foram condenados, entre eles Marcos Valério (40 anos e 2 meses), José Dirceu (10 anos e 10 meses), José Genoino (6 anos e 11 meses) e Delúbio Soares (8 anos e 11 meses).
Após a Suprema Corte publicar o acórdão do processo, em 2013, os advogados entraram com os recursos. Os primeiros a serem analisados foram os embargos de declaração, que têm como função questionar contradições e obscuridades no acórdão, sem entrar no mérito das condenações. Em seguida, o STF decidiu, por seis votos a cinco, que as defesas também poderiam apresentar os embargos infringentes, que possibilitariam um novo julgamento para réus que foram condenados por um placar dividido – esses recursos devem ser julgados em 2014.
Em 15 de novembro de 2013, o ministro Joaquim Barbosa decretou as primeiras 12 prisões de condenados, após decisão dos ministros de executar apenas as sentenças dos crimes que não foram objeto de embargos infringentes. Os réus nesta situação eram: José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares, Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Kátia Rabello, José Roberto Salgado, Henrique Pizzolato, Simone Vasconcelos, Romeu Queiroz e Jacinto Lamas. Todos eles se apresentaram à Polícia Federal, menos Pizzolato, que fugiu para a Itália.