Kassio Marques diz a senadores ser 'juiz que respeita decisão do Parlamento'

6 out 2020 - 15h20
(atualizado às 15h35)

O escolhido do presidente Jair Bolsonaro para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), desembargador Kassio Marques, afirmou a senadores nesta terça-feira, 6, que é um "juiz daqueles que respeitam as decisões do Parlamento". A afirmação foi feita durante uma audiência virtual reservada com sete senadores, diante de um questionamento sobre se é a favor da prisão em segunda instância.

Marques disse que, sim, admite a possibilidade da prisão em segunda instância, mediante decisão fundamentada, mas que, independentemente da sua visão como juiz, vai respeitar a decisão que o Congresso sobre o momento da execução da pena.

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"Esta matéria está agora na competência do Congresso Nacional. Então, para manter coerência com o que eu disse no início, eu sou de uma natureza de juiz daqueles que respeitam a decisão do Parlamento. Então, o que o Parlamento brasileiro decidir será o que será aplicado", afirmou Kassio Marques.

A sinalização de que deve respeitar as posições do Congresso, não apenas nesse caso, é algo que agrada aos críticos do chamado "ativismo judicial", como o presidente Jair Bolsonaro. No ano passado, por exemplo, o Supremo decidiu criminalizar a homofobia, sem que o Congresso tivesse criado tal crime. Bolsonaro reclamava dessa decisão da Corte.

O indicado do presidente para a vaga do decano Celso de Mello, que se aposenta no dia 13, também procurou reforçar a posição de combate à corrupção. Em tom político, disse que esse é um desejo de todas as autoridades em Brasília.

Na semana passada, quando a indicação de Kassio Marques veio a público, o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro chegou a publicar uma mensagem no Twitter sobre a indicação de Bolsonaro: "Simples assim, se o PR @jairbolsonaro não indicar alguém ao STF comprometido com o combate à corrupção ou com a execução da condenação criminal em segunda instância, todos já saberão a sua verdadeira natureza (muitos já sabem)", escreveu. A publicação, depois, foi apagada por Moro.

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Kassio Marques disse nesta terça que "ficaria perplexo se fosse indicado qualquer cidadão brasileiro, seja ele advogado, magistrado, ou outro cidadão, pois a Constituição não exige que seja sequer bacharel em Direito para ser ministro do Supremo Tribunal Federal, que fosse contra o combate à corrupção". "Todos nós, Congresso Nacional, magistrados brasileiros, Ministério Público Federal, todos estamos em uma corrente para transformar o Brasil", disse.

Na conversa, o desembargador pregou, ainda, sobre a necessidade de "aparar os excessos". "Então o que é possível no Brasil, de uma forma democrática, é essa construção de um Brasil novo, aparando os excessos. Eu prezo muito pelo sistema de precedentes. Então, nós devemos julgar sem olhar a capa do processo, porque aquele julgamento vai servir para nossos filhos, nossos netos, e toda a sociedade brasileira", afirmou. "Então respondendo, para não fulanizar, com uma ou outra operação, essas operações, elas midiaticamente dão muita luz à Polícia Federal que as efetivam, mas elas passam, todas elas passam pelo Ministério Público e por uma decisão judicial", completou.

Kassio Marques foi questionado também sobre se está comprometido com o combate à corrupção no País e se foi indicado a Bolsonaro pelo advogado Frederik Wassef, que defendia o presidente e o filho Flávio Bolsonaro (senador pelo Republicanos) até recentemente e que, no momento, é alvo de investigações. Em resposta, negou ter qualquer padrinho.

"O que eu posso asseverar é que essa indicação foi exclusiva do presidente Bolsonaro. Há um ditado antigo em Brasília, que diz que quando a imprensa ultrapassa cinco nomes indicando como padrinhos de indicados, é porque realmente não consegue descobrir", disse.

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Na audiência desta terça-feira, Kassio Marques falou para os senadores Marcos do Val (Podemos-ES), Wellington Fagundes (PL-MT), Elmano Ferrer (PP-PI), Rodrigo Pacheco (MDB-MG), Jaime Campos (DEM-MT) e Maria do Carmo Alves (DEM-SE). O tom foi amistoso e elogioso.

Na conversa, Marques contou aos senadores que tem o certificado de Colecionador, Atirador e Caçador (CAC) e possui uma pistola 380 e uma 9 mm em sua residência, mas não anda armado. Ele disse que a 9 mm foi adquirida no ano passado porque "a violência em Brasília começou a chegar no Lago Sul, que até dez anos atrás era um lugar absolutamente protegido". "Tenho CAC sim, tenho arma. Não ando armado. Uma ou outra vez que portei foi quando fiz viagens pelo interior do Piauí", disse.

Na rodada de apresentação que tem feito a senadores, Kassio Marques tem citado uma frase do ex-ministro da Suprema Corte dos Estados Unidos, Antonin Scalia, conservador, no sentido de que o juiz constitucional deve interpretar a lei pela lei, não deve colocar sua visão pessoal de mundo substituindo a lei.

Com sabatina marcada para o dia 21, Kassio Marques já conversou até agora com ao menos 20 senadores, segundo interlocutores, e pretende falar com todos antes da votação, seja pessoalmente, seja virtualmente. Nesta terça-feira, ele ainda se reúne com o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Amanhã de manhã ele vai estar com a bancada do PSDB.

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Ao mesmo tempo, o desembargador também tem buscado conversas com ministros do Supremo. Segundo um interlocutor próximo, Marques já conversou com o presidente do STF, Luiz Fux, e com a ministra Cármen Lúcia. A um interlocutor, Marques ter ouvido de Fux que será muito bem-vindo à Suprema corte e que terão uma relação harmoniosa.

Leia o que Kassio Marques disse a senadores:

Prisão em segunda instância

"Tem circulado na imprensa uma entrevista que fiz para o anuário da justiça federal. Como à época eu estava na vice-presidência do TRF-1, eles escutam a palavra do presidente, do vice-presidente e da corregedora. Naquele momento fotográfico, nós tínhamos uma decisão do Supremo Tribunal Federal em que autorizava a prisão em segunda instância. E nessa matéria, eu, diante daquela situação, coloquei minha posição favorável à possibilidade de prisão em segunda instância, mas entendendo que, como alguns ministros encaminharam seus votos, esse ato de recolhimento ao cárcere, em razão de uma exigência não só processual, mas da Constituição Federal, ser feita por decisão fundamentada. O que é que eu quis levar à reflexão nas entrelinhas, porque realmente na matéria é muito diminuta e não foi possível expandir. Naquele momento, a minha preocupação era: diante de um caso concreto em que tenhamos um trabalhador, um cidadão, um pai de família, que tenha uma vida pregressa ilibada, não tem absolutamente nenhum antecedente criminal, e venha a cometer algum crime, em razão de um problema de vizinho, em razão de um exagero em um bar próximo à sua residência, ou seja, uma eventualidade, ele não é um criminoso habitual. A minha preocupação seria, diante não só de um cenário de justeza e de procurar a adequação das medidas corretas, porque nós não somos tribunais de direito, nós integramos tribunais de justiça... diante de um caso desse, e de um outro caso, em que tenhamos um criminoso habitual, alguém que tem por profissão delinquir, com atos reiterados contra a sociedade, contra a vida, fazer a aplicação do direito de forma automática para todos aqueles que são condenados em segundo grau. Então a ponderação que fiz é que poderia, através de uma decisão fundamentada, ser suspenso esse recolhimento ao cárcere, em casos em que o colegiado entenda pela desnecessidade de recolhimento imediato, diante da absoluta ausência de risco à sociedade. Então, a ponderação que fiz foi essa. Agora, no atual momento, e essa pergunta certamente voltará à CCJ (Comissão de Constituição e Justiça no Senado). Nós tínhamos uma decisão do Supremo Tribunal Federal em que autorizava a prisão em segunda instância O Supremo Tribunal Federal entendeu de maneira diversa em um momento posterior e esta matéria está agora na competência do Congresso Nacional. Então, para manter coerência com o que eu disse no início, eu sou de uma natureza de juiz daqueles que respeitam a decisão do Parlamento. Então, o que o Parlamento brasileiro decidir será o que será aplicado.

Forma como foi indicado

"Quanto à questão da indicação, o que eu posso asseverar é que essa indicação foi exclusiva do presidente Bolsonaro. Há um ditado antigo em Brasília, que diz que quando a imprensa ultrapassa cinco nomes indicando como padrinhos de indicados, é porque realmente não consegue descobrir. Eu já detectei mais de oito pela imprensa. Eu não quero nominar, para não desnecessariamente falar de nomes de terceiros, mas eu já contei mais de oito nomes de pessoas que apadrinharam. Então de uma forma que eu possa responder a essa pergunta e a todos os questionamentos... eu cheguei a ver na imprensa uma assertiva de que uma determinada pessoa me levou ao presidente e o diálogo que foi travado. Eu fiquei... assim... em que pese o sofrimento que eu tenho passado esses dias, é um momento hilário do dia, porque eu não sei a que atribuir tamanha criatividade. Foi um caso de um parlamentar que teria me levado. Tudo isso é fruto da criatividade daqueles que tentam trazer um furo de reportagem e buscar. A verdade é que eu conheço o presidente há quase dois anos. Eu conheci o presidente ainda como deputado. Nunca fui amigo do presidente, nunca tive uma proximidade maior. E o que é que me levou a tentar uma aproximação, como tentei com outras pessoas? Eu era candidato a uma vaga que ainda virá do ministro Napoleão Nunes Maia no Superior Tribunal de Justiça, então em razão disso eu busquei alguma aproximação com o presidente, estreitando esse contato, levando um pouco da postura pessoal como juiz, e o resultado é que provavelmente isso tenha agradado o presidente, ou ele tenha entendido que pelo momento que passa o Brasil deveria ter alguém com essas características."

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Combate à corrupção e Lava Jato

"Prosseguindo na resposta da última pergunta ao senador Marcos do Val, eu ficaria, inclusive, perplexo se fosse indicado qualquer cidadão brasileiro, seja ele advogado, magistrado, ou outro cidadão, pois a Constituição não exige que seja sequer bacharel em Direito para ser ministro do Supremo Tribunal Federal, que fosse contra o combate à corrupção. Todos nós, Congresso Nacional, magistrados brasileiros, Ministério Público Federal, todos estamos em uma corrente para transformar o Brasil. Essa é a ideia. O que por vezes se denomina, se ganha ares de alguma espécie de rejeição, pode ser interpretada com um ajuste ou outro que se faça nas nossas decisões judiciais. As minhas decisões judiciais são submetidas em matéria infraconstitucional ao STJ e em matéria constitucional ao Supremo Tribunal Federal. Em parte, elas são mantidas, em parte elas são refeitas, ou parcialmente ajustadas. Então o que é possível no Brasil, de uma forma democrática, é essa construção de um Brasil novo, aparando os excessos. Eu prezo muito pelo sistema de precedentes. Então, nós devemos julgar sem olhar a capa do processo, porque aquele julgamento vai servir para nossos filhos, nossos netos, e toda a sociedade brasileira. Então respondendo, para não fulanizar, com uma ou outra operação, essas operações elas midiaticamente dão muita luz à Polícia Federal que as efetivam, mas elas passam, todas elas passam pelo Ministério Público e por uma decisão judicial. Sempre há o crivo judicial que transforma todo esse arcabouço em uma ação legítima do Estado-juiz, para transformar nosso Brasil. Então, acredito que todos nós estamos irmanados de transformar o Brasil e a Justiça brasileira, Ministério Público Federal, Senado da República, porque são vocês que edificam essas normas. O Judiciário é apenas o aplicador da norma. Então o Congresso Nacional tem um papel extremamente relevante na transformação do Brasil, e o Senado Federal, também."

Mourão diz que peregrinação de Kassio Marques no Congresso faz parte da 'liturgia do cargo'

O vice-presidente Hamilton Mourão afirmou nesta terça-feira que Kassio Marques precisa conversar previamente com aqueles que irão sabatiná-lo no Senado para que possam julgá-lo sem se basear apenas em "opiniões de terceiros". A escolha de Bolsonaro teve o aval do Centrão, mas enfrenta resistência de apoiadores dos núcleos evangélico e militar.

"Ele (Kassio) tem que conversar com ministros, tem que ir ao Senado conversar com os senadores. Faz parte da liturgia e do processo para que essas pessoas o conheçam. Ele tem chegar lá e se apresentar de modo que depois aqueles que vão sabatiná-lo e julgá-lo tenham melhores condições para fazer isso sem se valer, vamos dizer assim, de opiniões de terceiros", declarou.

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Para Mourão, faz parte do processo de indicação o relacionamento de Marques com ministros e senadores, mesmo antes da aposentadoria de Celso de Mello. No sábado, Kassio e Bolsonaro participaram de uma "confraternização" fora da agenda na casa do ministro Dias Toffoli, do STF. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), também estava presente.

"O ministro Celso de Mello já 'is history'. Ele já foi. Já entrou com o pedido dele de aposentadoria. Então, é só uma questão burocrática. O indicado pelo presidente, o desembargador Kassio Marques, está fazendo aquilo que prevê a liturgia do cargo", disse Mourão. (Colaborou Emilly Behnke)

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