Após acusações, ministro pede demissão: como 'delação-bomba' pode atingir governo

16 jun 2016 - 19h11
(atualizado às 19h36)
Sérgio Machado (abaixo, à dir.) implicou Henrique Alves, Temer e Renan
Sérgio Machado (abaixo, à dir.) implicou Henrique Alves, Temer e Renan
Foto: Ag. Brasil/Lula Marques-AGPT/Ag. Petrobras / BBC News Brasil

A revelação do conteúdo da delação do ex-presidente da Transpetro Sergio Machado confirmou o que analistas políticos já previam: a Operação Lava Jato vai continuar como intenso foco de instabilidade mesmo após o afastamento da presidente Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer ao Palácio do Planalto.

Acusado de receber R$ 1,5 milhão em propinas, o ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves - peemedebista que já presidiu a Câmara - classificou as denúncias de "levianas", mas pediu demissão nesta quinta. Em carta enviada a Temer, divulgada pela imprensa, ele afirmou não querer "criar constrangimentos ou qualquer dificuldade para o governo".

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Antes dele, os então ministros Romero Jucá (Planejamento) e Fabiano Silveira (Transparência, Fiscalização e Controle) já haviam deixado o governo na esteira das revelações de Machado - os dois pediram demissão após virem à tona gravações que sugeriam interferência na Lava Jato.

As acusações do ex-executivo não param, porém, nos auxiliares do presidente interino: o próprio Michel Temer foi implicado nos depoimentos, bem como o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), o senador Aécio Neves (PSDB) e outros nomes importantes da política brasileira.

Entenda, a seguir, as quatro possíveis implicações da delação na visão de analistas consultados pela BBC Brasil:

Temer chamou delação de "criminosa"
Foto: Ag Brasil / BBC News Brasil

1) Temer sofre constrangimento, mas tem economia a seu favor

Citado nominalmente por Machado, Temer pode ser impactado, em primeiro lugar, pela percepção da opinião pública sobre seu governo.

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Mas, ressalta Antonio Lavareda, professor de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), "a denúncia relativa ao presidente, que poderia ser a mais grave, é uma situação na qual ele aparece participando de uma operação de doação triangular. Recursos que não eram diretamente para ele".

A principal acusação é que Temer teria pedido a Machado recursos para a campanha do então candidato do PMDB à Prefeitura de São Paulo em 2012, Gabriel Chalita.

O delator contou que isso teria sido resolvido por meio de uma doação eleitoral da empreiteira Queiroz Galvão, que foi registrada oficialmente, mas tinha como origem recursos ilícitos. Machado diz que Temer sabia disso, o que o presidente interino nega.

Nesta quinta, em pronunciamento, o presidente interino chamou a delação de "mentirosa" e "criminosa".

Para Lavareda, o impacto da delação sobre o governo acaba limitado pelas expectativas sobre uma possível recuperação da economia.

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"Ao mercado, aos agentes econômicos, interessa que haja alguma estabilidade desse novo governo. Há uma percepção entre formadores de opinião de que Temer montou uma equipe econômica consistente."

Sérgio Machado gravou conversas com políticos
Foto: Ag Petrobras / BBC News Brasil

2) Efeitos das acusações dependem de sua eventual comprovação

Ao mesmo tempo em que a delação representa um desgaste para o governo, cientistas políticos acreditam que um impacto mais profundo ainda dependerá da eventual comprovação as acusações de Machado - principalmente aquelas contra figuras-chave, como Temer e Renan.

"A delação eleva a temperatura da crise, torna mais efervescente, mas não muda seu patamar. Ela não cria um fato novo que seja desestabilizador do governo", opina Lavareda.

A acusação contra o presidente interino tem teor semelhante a denúncias que têm atingido o PT. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) analisa, por exemplo, uma ação que pede a cassação da chapa presidencial eleita em 2014 (Dilma-Temer) por ter supostamente recebido como doações legais recursos que teriam sido desviados da Petrobras.

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A grande dificuldade nesse tipo de acusação é comprovar que o dinheiro que saiu do caixa da empresa doadora veio de fato de propina, ou teve origem no faturamento legal da companhia.

Até o ano passado - quando o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucionais doações de empresas a partidos e políticos - esse tipo de financiamento eleitoral era legal.

Reportagem do jornal Folha de S. Paulo, porém, afirmou que planilhas entregues por Machado à Lava Jato indicariam que 76% dos recursos distribuídos a políticos não eram doação eleitoral.

Para o cientista político e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Jairo Nicolau, a comprovação das acusações dependerá da colaboração de pessoas de dentro das empresas doadoras.

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No caso da Odebrecht, por exemplo, a ex-funcionária Maria Lúcia Tavares, fechou acordo de delação prometendo explicar como eram feitos os pagamentos.

"Como distinguir o que vem de propina e o que não vem? A legislação não proibia doações de empresas. Então ele diz que Temer intermediou a doação. Isso não está errado. Disse que sabia que era recurso ilegal, então tem que demonstrar isso", nota Nicolau, agregando que, de qualquer forma, "isso abala a credibilidade do governo", ainda que precise ser apurado em mais detalhes.

3) Cresce pressão sobre Renan - e embate dele com Janot

Caso eventuais desdobramentos atinjam de forma mais grave o presidente do Senado, o Planalto pode ter problemas em votações de seu interesse no Congresso, avalia Nicolau.

Machado contou aos investigadores que, durante os 11 anos que presidiu a Transpetro (2003 a 2014), repassou ao menos R$ 100 milhões em propina para a cúpula do PMDB no Senado. Renan teria levado a maior parte do bolo, R$ 32 milhões - sendo R$ 8,2 milhões em doações eleitorais e R$ 24 milhões em dinheiro vivo.

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Em reação às acusações, Renan elevou o tom contra o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e disse nesta quinta que avaliará pedidos de impeachment apresentados no Senado contra ele.

O chefe do Ministério Público Federal sofreu um revés no início da semana, quando o ministro do STF Teori Zavascki negou os pedidos de prisão contra Renan, o ex-presidente José Sarney e o senador Romero Jucá (PMDB-RR) - o que abriu espaço para os ataques do presidente do Senado.

Esses pedidos estavam baseados justamente na delação de Machado, mas Teori não viu elementos suficientes para decretar a prisão dos três peemedebistas.

Segundo Renan, Janot "extrapolou" no seu pedido. "Quando as pessoas perdem o limite da Constituição, perdem também o limite do ridículo", atacou.

Um dos pontos controversos da delação de Machado é o fato de ele ter gravado Renan, Jucá e Sarney com objetivo proposital de gerar possíveis provas para sua delação - supostamente em combinação com a Procuradoria. Caso o STF considere que as gravações são "prova forjada", elas serão consideradas ilegais.

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Apesar de o episódio apresentar um desgaste para Janot, Lavareda considera "impossível" que Renan de fato dê andamento ao pedido de impeachment - o procurador-geral, diz, "está blindado pelo apoio da população à Lava Jato".

Renan partiu para o ataque contra Janot
Foto: Ag Senado / BBC News Brasil

4) Aécio sofre novo desgaste, mas eventual crime já teria prescrito

A delação de Machado, ligado há décadas a PMDB e PSDB, é ampla: cita repasses para mais de 20 políticos.

Entre os destaques está o caso do senador Aécio Neves (PSDB-MG), acusado de ter arrecadado propina para financiar campanha de dezenas de deputados em 1998, com objetivo de viabilizar sua eleição para presidente da Câmara em 2000, no governo do tucano Fernando Henrique Cardoso.

Machado era líder do PSDB no Senado na época. Ele contou ter abastecido esse esquema com R$ 7 milhões, sendo que R$ 1 milhão ficou com Aécio. O senado nega e diz que, em 1998, "sequer se cogitava" sua candidatura à presidência da Câmara.

A delação, por hora, não traz provas concretas. Além disso, o crime de corrupção passiva prescreve em 16 anos - ou seja, um delito desse tipo cometido em 1998 não poderia mais ser julgado.

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No entanto, o desgaste político para Aécio nesse caso acaba potencializado pelo fato de a nova acusação se somar a outras citações contra ele.

O tucano já é investigado por suposto recebimento de propina desviada de Furnas (estatal do setor elétrico) e também por suspeita de atuar para "maquiar" dados enviados à chamada CPI dos Correios e esconder a relação entre o Banco Rural e o esquema conhecido como "mensalão mineiro".

Em várias ocasiões, o tucano afirmou defender as investigações e que elas provarão sua inocência.

"O desgaste para Aécio decorre menos dos fatos apurados, porque até agora nada foi apurado concretamente, mas mais pela reiteração das denúncias. Pela frequência com que ele tem sido citado, é bastante desgastante, tanto que na última pesquisa da CNT/MAD (sobre intenções de voto para eleição presidencial de 2018) é o único nome que sofre um recuo expressivo", observa Lavareda.

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