Quando todos esperavam que a notícia do dia fosse ser o anúncio de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiria um ministério no governo Dilma Rousseff – o que ainda pode ocorrer a qualquer momento –, outra bomba caiu sobre Brasília: a homologação da delação premiada do senador Delcídio do Amaral (PT-MS).
Em seu depoimento à força tarefa da Operação Lava Jato, o petista disparou para todos os lados.
Além das antecipadas citações a Dilma, acusada de tentar interferir nos processos por meio de integrantes do STF e com a indicação de um novo ministro para o STJ (Superior Tribunal de Justiça), Delcídio aprofundou acusações contra Lula e outros nomes importantes da política nacional, como os presidentes da Câmara e do Senado, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Renan Calheiros (PMDB-AL), o vice-presidente Michel Temer (PMDB-SP) e o senador Aécio Neves (PSDB-MG), principal porta-voz da oposição.
O parlamentar – e agora delator – também implicou o atual ministro da Educação, Aloizio Mercadante. Segundo ele, o colega de PT, homem de confiança de Dilma, lhe ofereceu ajuda financeira e interceder por ele junto a ministros do STF em troca de que Delcídio não fechasse o acordo com o Ministério Público Federal, no qual se comprometeu a colaborar com as investigações em troca de uma pena menor.
As afirmações de Delcídio ainda precisam ser comprovadas para serem consideradas judicialmente.
Em entrevista coletiva concedida logo após o vazamento da delação, Mercadante negou que as acusações. Em nota, Dilma diz repudiar "com veemência e indignação a tentativa de envolvimento do seu nome na iniciativa pessoal" do ministro. A presidente tem negado qualquer ingerência na Lava Jato.
Aécio Neves, acusado de receber propina da usina hidrelétrica de Furnas, de ser beneficiário de uma fundação criada em um paraíso fiscal e de fazer "maquiagem" em dados que lhe comprometiam da CPI dos Correios, afirmou em nota tratar-se de "citações mentirosas", que "não se sustentam na realidade e se referem apenas a 'ouvir dizer' de terceiros". Lula, Temer, Renan e Cunha também negam envolvimento no escândalo.
A BBC Brasil conversou com especialistas para entender os impactos da delação de Delcídio no governo e na política brasileira em geral. Confira:
'Impeachment ganha força'
Os analistas políticos são unânimes: se a situação já estava ruim para o governo Dilma Rousseff, deve ficar pior.
"O que o Delcídio está dizendo, basicamente, é que Dilma e Lula tentaram interferir no andamento da Lava Jato. E isso é muito grave", afirma Ricardo Ismael, cientista político da PUC-RJ.
"A probabilidade de um impeachment está maior agora, e a impressão que se tem é de que Dilma está mais desesperada, não tem mais ideia do que fazer para impedi-lo. Essa proposta de dar um ministério a Lula, por exemplo, parece ser um reflexo dessa falta de opção."
O cientista político Milton Lahuerta, professor da Unesp, afirma que a possível entrada oficial de Lula no governo estaria longe de ser uma solução.
"É muito provável que seu nome vá surgir em outros momentos e delações. A despeito disso, ele vai levar para dentro do governo o seu problema pessoal", diz.
"O risco de o Lula mais atrapalhar a Dilma do que ajudar é muito alto. E isso não por vontade dele de ajudar ou até de competência, mas porque vai ficando cada vez mais claro que ela, como presidente da República, não existe", acrescenta. "Na prática, seria como um autogolpe do ponto de vista institucional."
Para Ismael um dos desdobramentos das acusações de Delcídio pode ser que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot tenha de abrir uma investigação sobre a presidente – e seu antecessor, caso Lula aceite o ministério e, com isso, passe a ter foro privilegiado.
"O governo vai tentar desqualificar a delação dizendo que se trata de vingança, mas a gravação de Mercadante é um problema adicional para ele e para a presidente – porque afinal ele era seu homem de confiança", acrescenta, citando o registro de uma conversa entre o ministro e um assessor de Delcídio, entregue ao STF.
Embora as acusações ainda precisem ser comprovadas, "a realidade é que a verdade dos fatos pouco importa nesse momento", avalia o cientista político Renato Perissinotto, da UFPR (Universidade Federal do Paraná).
"Dilma já está muito enfraquecida pela crise política, pelas manifestações de domingo. Essa delação é mais uma bomba em uma sequência de explosões."
Oposição
Os analistas avaliam que, caso confirmado, o possível envolvimento de nomes importantes do governo e da oposição no escândalo aumentará o descrédito da população em relação à política.
"Essas declarações do Delcídio colocam mais ingredientes para criar ou reforçar essa sensação de que estamos em um mar de lama, de que ninguém presta", diz Lauherta, da Unesp.
"Se prosseguirmos nessa linha de que hoje aparece um problema com o governo, depois com a oposição e com isso vai caindo, cai o rei de copas, cai o rei de paus, vamos chegar à falência do sistema político."
Perissinotto, da UFPR, faz um prognóstico sombrio:
"Ao que tudo indica, essa investigação vai pegar todo mundo. Em última instância, ela está colocando em xeque o próprio sistema político, que sempre funcionou com base em caixa 2. Mas o problema é que não sabemos o que vai surgir com o colapso do sistema. Pode não ser algo melhor. Podemos ter a ascensão de um líder radical. Enfim, tudo é possível."
Crise longa
Segundo o cientista político Rafael Cortez, da consultoria Tendências, os últimos acontecimentos indicam que essa crise ainda levará um bom tempo para se dissipar.
"É curioso, porque tem claramente um enfraquecimento (de Dilma). A agenda negativa, a despeito de toda a variação, sempre foi prejudicial ao governo. Mas, por outro lado, sugere-se que ainda vai haver muita luta para a definição desse quadro."
Cortez cita a eventual nomeação de Lula para um ministério, "mostrando que o PT vai lutar pelo mandato", e a necessidade de se buscar provas para as acusações da delação de Delcídio como fatores para que esse cenário se alongue.
"A oposição e o governo estão sinalizando que apostam na solução do confronto", diz o especialista. "Esse processo não vai ser resolvido da noite para o dia."