Lava Jato reforça caráter 'apartidário' com lista de Fachin, dizem cientistas políticos

13 abr 2017 - 17h02
(atualizado às 17h23)

A determinação da abertura de inquéritos envolvendo uma parcela significativa da classe política brasileira, incluindo o alto escalão do governo, reforça o caráter apartidário da operação Lava Jato, mas não elimina por completo o risco de perda de apoio popular.

Decisão de Fachin causou terremoto em Brasília, mas processo pode durar anos
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Foto: Lula Marques/AGPT

A opinião é de cientistas políticos ouvidos pela BBC Brasil.

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Na terça-feira, o ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), deu sinal verde a investigações contra 76 nomes importantes do mundo político, incluindo oito ministros, 24 senadores, 39 deputados e três governadores.

A decisão foi tomada com base nos depoimentos de 77 ex-executivos da empreiteira Odebrecht, naquela que ficou conhecida como a "delação do fim do mundo".

Individualmente, o PT tem o maior número de investigados (20), seguido por PMDB (16), PSDB (13) e PP (9). Onze partidos completam a lista.

Do total de nomes citados, 65% fazem parte de siglas que congregam a base aliada do governo.

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Segundo os especialistas, a presença de nomes das mais diversas colorações políticas na lista fortalece a credibilidade da Lava Jato, em meio a críticas por parte de alguns setores da sociedade de que a operação mirava o PT e deixava de lado outros partidos.

O senador tucano Aécio Neves (PSDB-MG), por exemplo, é um dos campeões de inquéritos, ao lado do líder do governo no Senado, o senador Romero Jucá (PDMB-RR). Cada um é alvo de cinco investigações diferentes.

Todos os citados negam ter cometido irregularidades.

Credibilidade

"Com a divulgação da lista de Fachin, a operação Lava Jato ganha credibilidade, pois, ao mirar políticos de diferentes partidos, reforça o caráter apartidário", diz à BBC Brasil, Ricardo Ismael, cientista político da PUC-Rio.

"O conteúdo das delações revelou a relação promíscua da maior construtora do país com o universo político, independentemente dos partidos, e como funciona o financiamento eleitoral no Brasil", acrescenta ele.

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Ismael lembra que, quando a Lava Jato teve início, em março de 2014, os principais envolvidos eram diretores da Petrobras ligados ao PT e ao PMDB, que compunham, então, a coalizão de governo.

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Neste sentido, diz ele, "compreensivelmente, quando surgiram as primeiras delações, foram citados nomes ligados a esses partidos", o que gerou "uma acusação falsa de partidarização".

Na avaliação de Maria Teresa Kerbauy, professora do Departamento de Ciência Política da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Araraquara, o argumento de que a Lava Jato seria "parcial" "cai por terra" com a lista de Fachin.

"O argumento repetido à exaustão pelo próprio PT e reverberado por setores ligados à esquerda de que a Lava Jato só mirava integrantes do partido cai por terra a partir do momento em que a lista de Fachin atinge parte importância da classe política nacional", opina.

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"Vários partidos estão envolvidos. A lista inclui nomes das principais lideranças brasileiras. Não se trata apenas de um problema envolvendo partidos, mas a forma como o nosso sistema político está organizado", completa.

'Defunto em sepulto'

O sociólogo e cientista político Paulo Baía, professor da UFRJ (Federal do Rio), concorda. Segundo ele, a Lava Jato mostrou a "falência do modelo político brasileiro", que descreveu como "defunto em sepulto".

"A Lava Jato descortinou esse defunto em sepulto que se tornou o modelo político brasileiro. Essa é a grande inovação da operação", argumenta.

"Em outras palavras, não se trata apenas de um processo criminal e penal. A Lava Jato nos mostrou que o modelo político que temos hoje morreu, expondo os vícios, ilícitos e crimes ligados a ele."

Para o cientista político Rafael Cortez, da consultoria Tendências, a "composição multipartidária" da lista de Fachin enfraquece ainda o discurso de "politização" das investigações.

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Relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin autorizou 76 pedidos de abertura de inquérito
Foto: Reuters

O argumento, diz, faz parte da estratégia do PT de lançar a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República em 2018.

Cortez pondera, contudo, que a operação usou a figura do ex-presidente para angariar apoio da sociedade e possibilitar o andamento das investigações.

"Um dos principais trunfos para a continuidade da Lava Jato é o amparo da sociedade. Indiscutivelmente, as autoridades transformaram Lula em símbolo da operação e capitalizaram em torno de sua crescente rejeição popular", ressalva.

"Neste sentido, a citação à figura do ex-presidente serviu de instrumento de mobilização e, portanto, permitiu a continuidade das investigações com o devido apoio popular", acrescenta.

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"Isso não significa dizer, contudo, que a Lava Jato é partidarizada, ou seja, que só mira o PT", ressalva.

Apatia?

Por outro lado, embora concordem que a Lava Jato tenha ganhado novo fôlego com a lista de Fachin, os especialistas dizem que riscos ainda cercam a continuidade da operação.

Segundo eles, disso vão depender as conclusões das investigações.

"O problema não é mobilizar a sociedade, é mantê-la mobilizada. Se não houver resultados práticos, ou seja, se o processo demorar muito tempo ou se ninguém for preso, pode ser que a Lava Jato perca força", prevê Cortez, da Tendências.

"Ou seja, nesse caso, a dimensão emocional terá um papel importante", acrescenta.

Em curto prazo, Cortez destaca que as eleições de 2018 podem representar um risco para a continuidade da Lava Jato.

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"Se esses investigados se candidatarem às eleições do ano que vem e forem eleitos, a tendência é de que a sociedade fique mais apática, e um sentimento de desesperança tome conta de todos."

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