Lista de Fachin: seguindo média do STF, julgamentos só viriam no fim de 2022

12 abr 2017 - 10h36
(atualizado às 10h42)

A decisão do ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), de abrir inquérito contra 76 figuras do mundo político, entre as quais ministros e parlamentares, levou a operação Lava Jato a um novo patamar.

A Lava Jato deverá gerar o maior julgamento por corrupção da história do Supremo
A Lava Jato deverá gerar o maior julgamento por corrupção da história do Supremo
Foto: LULA MARQUES/AGPT / BBC News Brasil

São, ao todo, oito ministros, 24 senadores, 39 deputados e três governadores que serão, a partir de agora, investigados pela Procuradoria-Geral da República (PGR).

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Fachin decidiu dar sinal verde às investigações cerca de um mês depois de o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviar 83 pedidos de abertura de inquérito ao STF.

Sete deles foram arquivados por Fachin, responsável pela relatoria da Lava Jato no Supremo.

Os inquéritos foram abertos com base na "delação do fim do mundo" - como ficaram conhecidos os acordos de delação premiada da empreiteira Odebrecht, alvo da operação Lava Jato, iniciada a partir da investigação de um amplo esquema de corrupção na Petrobras.

Fachin também enviou dezenas de outros inquéritos - totalizando mais de 200 nomes, incluindo os de quatro ex-presidentes - a outros tribunais porque os envolvidos não têm prerrogativa de foro no STF.

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Entre eles, estão, por exemplo, governadores de Estado que têm de ser julgados pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), além de ex-presidentes, como Dilma Rousseff, Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso.

Embora tenha sido citado, o presidente Michel Temer não será alvo de inquérito, uma vez que a lei proíbe que o presidente seja investigado por fatos anteriores ao seu mandato.

Se ao fim do inquérito houver indícios de que os investigados tiverem cometido crime, a PGR pode apresentar denúncia ao STF. Durante essa etapa de coleta de provas, o órgão pode, por exemplo, pedir a quebra do sigilo telefônico ou bancário e a prisão preventiva dos investigados, com autorização prévia de Fachin.

Só a partir do momento em que o STF aceita a denúncia, o denunciado passa à condição de réu e começa a responder ao processo judicial.

Neste sentido, a Lava Jato deverá gerar o maior julgamento por corrupção da história do Supremo.

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O desfecho do caso, porém, ainda está bem distante - e há temores de que mudanças legislativas ponham em xeque a punição de parte dos crimes cometidos.

Longa duração

"É inevitável algum grau de frustração popular com o tempo (da tramitação da Lava Jato no STF), porque ainda não se percebeu com clareza que o tempo do Judiciário seja tão diferente da ansiedade ou da pauta política do país", diz à BBC Brasil Rubens Glezer, professor de Direito Constitucional da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo.

Em 2014, pesquisadores da FGV do Rio de Janeiro analisaram a duração de processos no STF entre 1988 e 2013.

Segundo o estudo, ações que envolviam direito penal - caso de grande parte das denúncias apuradas na Lava Jato - levaram em média 5,5 anos para serem julgadas.

Se seguirem essa média, os julgamentos dos políticos na "nova lista de Janot" que se tornarem réus chegariam a uma conclusão no final de 2022.

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Um marco na história do STF, o julgamento do mensalão foi concluído quase nove anos após a abertura dos inquéritos.

Só entre a apresentação das denúncias (quando os investigados se tornam réus) e o início do julgamento se passaram seis anos.

Glezer diz que após o mensalão o Supremo mudou o procedimento para julgar casos semelhantes.

Com a morte de Zavascki, em janeiro, a relatoria do caso passou para o ministro Edson Fachin
Foto: STF / BBC News Brasil

O mensalão foi julgado por todos os ministros do STF, em sessões televisionadas.

Agora julgamentos desse tipo não são transmitidos e ficam a cargo de uma das duas turmas do STF, que contam com cinco ministros cada.

Segundo Glezer, o número menor de ministros e a menor exposição das sessões tendem a acelerar os processos.

Ele afirma que o STF tem tratado a Lava Jato como prioridade.

Prazos

Em março de 2015, o então relator da Lava Jato no Supremo, Teori Zavascki, autorizou a abertura de 25 inquéritos para investigar 50 políticos na Lava Jato. Nessa fase, coletam-se provas contra os suspeitos.

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Hoje, cinco desses políticos respondem como réus. A PGR já apresentou outras cinco denúncias e aguarda a posição do Supremo sobre os casos. A última denúncia acolhida, contra o deputado federal Vander Louber (PT-MS), levou um ano e três meses para ser apreciada.

Com a morte de Zavascki, em janeiro, a relatoria do caso passou para o ministro Edson Fachin.

Glezer diz que o intervalo entre a abertura do inquérito e a apresentação da denúncia pode ser longo, mas que isso não é necessariamente um problema. No caso dos novos inquéritos da Lava Jato, ele estima que a fase possa se estender por um ou até dois anos.

"O trabalho tem que ser bem feito para que se ofereça uma denúncia sólida, que seja recebida e leve à condenação dos denunciados. Senão, há o risco de que o Supremo a rejeite", afirma.

O ritmo da tramitação do processo no STF destoa da velocidade com que a Lava Jato é julgada na primeira instância, onde são analisadas as denúncias contra pessoas sem foro privilegiado.

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Em quase três anos de operação, o juiz Sérgio Moro já proferiu mais de 100 condenações.

Muitos juristas e até mesmo ministros do Supremo costumam dizer que a corte não tem vocação para julgar casos de grande dimensão e que envolvam crimes complexos.

No Superior Tribunal de Justiça (STJ), a última instância da Justiça brasileira para as causas infraconstitucionais (não relacionadas diretamente à Constituição Federal), em comparação, há mais ministros que no STF (atualmente são 33) e turmas especializadas em temas jurídicos distintos, o que costuma agilizar os casos.

Segundo relatos na imprensa, o STJ deve ficar encarregado de analisar casos de governadores citados nos depoimentos da Odebrecht.

Dúvidas

Apesar da maior lentidão do STF, Glezer afirma que apenas 3% dos casos julgados pelo tribunal prescrevem (quando o prazo para a punição expira e os réus ficam livres de cumprir pena). Ele diz acreditar que a corte cuidará para que isso não ocorra com a Lava Jato, dada a visibilidade do caso.

Outro temor de defensores da operação é que congressistas mudem leis para se livrar de punições.

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Vários partidos querem a aprovação de uma lei que anistie casos de caixa dois (quando candidatos recebem recursos não declarados à Justiça Eleitoral) ocorridos no passado, criminalizando apenas casos futuros.

A pressão pela aprovação da lei aumentou após a Odebrecht negociar um acordo de cooperação com a Procuradoria Geral da República para atenuar as penas de executivos condenados na Lava Jato. Muitos políticos temem ter sido delatados com base nas leis atuais.

Há ainda dúvidas sobre como o STF agirá nos casos em que políticos investigados que hoje têm foro privilegiado (governantes, ministros e legisladores) percam esse status, caso não se reelejam ou percam os cargos em trocas de governo.

Um marco na história do STF, o julgamento do mensalão foi concluído quase nove anos após a abertura dos inquéritos.
Foto: AGBR / BBC News Brasil

Segundo Glezer, o Supremo não tem critérios claros para definir quando políticos que perdem o foro privilegiado devem responder em instâncias inferiores.

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Na Lava Jato, a corte já adotou posições tidas como conflitantes.

No fim de fevereiro, o tribunal definiu que o ex-presidente José Sarney - que hoje não exerce cargo público e, em tese, não tem foro privilegiado - deveria ter seu caso julgado pelo STF.

Já o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve seu caso enviado à Justiça Federal em Curitiba, na primeira instância, após perder o cargo de ministro com o impeachment de Dilma Rousseff.

Para Glezer, as mudanças de foro podem gerar "uma ciranda processual, que com certeza prejudica o andamento dos casos e eleva o risco de prescrição".

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