A Justiça Federal do Paraná divulgou nesta segunda-feira (14/3) a íntegra do depoimento que o ex-presidente Lula concedeu à Polícia Federal no dia 4 de março, no âmbito da 24ª fase da Operação Lava Jato, quando o petista foi alvo de um mandado de condução coercitiva. No documento, constam as respostas que Lula deu aos agentes quando indagado sobre suas palestras, o escândalo a Petrobras e a sua relação com o sítio em Atibaia e o triplex no Guarujá – ele nega ser proprietário de ambos.
Em diversos momentos, o ex-presidente manifestou irritação e chegou a afirmar que o caso do triplex foi inventado e não passa de uma “sacanagem homérica“. Ainda sobre o triplex, Lula afirmou que o apartamento era pequeno demais: “Um triplex de 215 metros é um triplex `Minha Casa, Minha Vida´, era pequeno.”
O ex-presidente afirmou ainda que o sítio em Atibaia – que teve a reforma bancada por empreiteiras – foi comprado por “companheiros” que desejavam garantir que ele “tivesse um lugar para descansar”.
Confira abaixo alguns trechos do depoimento:
Triplex
Lula afirmou que nunca foi proprietário do imóvel e que disse ao ex-presidente e sócio da OAS Léo Pinheiro – a empreiteira concluiu as obras do prédio e é um dos alvos da Lava Jato – que não estava interessado no apartamento:
"Quando eu fui a primeira vez, eu disse ao Léo que o prédio era inadequado porque além de ser pequeno, um triplex de 215 metros é um triplex “Minha Casa, Minha Vida”, era pequeno. (...) Eu falei: 'Léo, é inadequado, para um velho como eu, é inadequado.' O Léo falou: 'Eu vou tentar pensar um projeto pra cá.' Quando a Marisa voltou lá, não tinha sido feito nada ainda. Aí eu falei pra Marisa: 'Olhe, vou tomar a decisão de não fazer, eu não quero.' Uma das razões é porque eu cheguei à conclusão que seria inútil pra mim um apartamento na praia, eu só poderia frequentar a praia dia de finados, se tivesse chovendo.”
Sítio em Atibaia
Lula afirma que o sítio pertence oficialmente a Fernando Bittar e Jonas Suassuna, e que o objetivo dos proprietários do imóvel era garantir que ele "tivesse um lugar pra descansar, mas também que tivesse alguma coisa pra guardar as tralhas de Brasília”
“Tudo que os companheiros que compraram o sítio fizeram foi tentar garantir que eu tivesse um lugar pra descansar, porque você sabe que eu não tenho. (...) Agora, com a sacanagem da imprensa, eu não tenho nem como ir lá mais, ou seja, que aquilo que era sigiloso, aquilo que era segredo, eu quero saber quem é que vai dar garantia pra minha família.”
Pedalinhos
O ex-presidente também falou sobre pedalinhos do sítio de Atibaia, que têm o nome dos seus netos – o que reforçaria a ligação de Lula com o sítio.
"Certamente que a dona Marisa adoraria ver os netos dela e outras crianças que fossem lá possivelmente passear naquilo (...) Eu fico, acho que não é legal, eu fico constrangido de você me perguntar de pedalinho e de me perguntar de um barco de 3 mil reais, sinceramente eu fico."
Instituto Lula
O ex-presidente disse que nunca pediu pessoalmente doações para empresas porque não desejava ficar em uma posição vulnerável.
"Não faz parte da minha vida política, ou seja, eu desde que estava no sindicato eu tomei uma decisão: eu não posso pedir nada a ninguém porque eu ficaria vulnerável diante das pessoas", disse Lula.
Mas Lula afirmou que é “possível” que membros do instituto tenham solicitado doações para empresas investigadas na Lava Jato. Por fim, Lula afirmou que não participa do dia a dia burocrático do instituto.
“No instituto hoje eu sou só presidente de honra e você sabe que se um dia você for presidente de honra da Polícia Federal aqui você não representa mais nada, ou seja, então o presidente de honra é um cargo de honra só, eu não participo das reuniões da diretoria, eu não participo das decisões, porque o instituto tem uma diretoria própria”, afirmou o ex-presidente.
Palestras
Lula afirma que suas palestras custam 200 mil dólares e que ele só aceita se deslocar para o exterior se os contratantes fretarem um jato particular:
“A gente fazia discurso primeiro mostrando o que aconteceu no Brasil em oito anos, que era o que todo mundo queria, e depois a gente dizia qual era o futuro do Brasil, o que o Brasil tinha de perspectiva para frente, e decidimos cobrar um valor, todas as minhas palestras custam exatamente 200 mil dólares, nem mais e nem menos. (...) Se quiser me contratar tem que pagar avião, senão não contrata."
José Dirceu
O ex-presidente respondeu perguntas sobre as acusações que envolvem o ex-ministro e antigo homem forte do PT com os desvios na Petrobras:
“Ele era o chefe da Casa Civil, ele cumpria com o papel reservado a ele. As discussões com as lideranças aconteciam, com os ministros, e chegava pra Casa Civil, mandava para o GSI pra trazer pra mim. (Tomei conhecimento das acusações) pela imprensa. E sinceramente não acredito.”
E disse ainda que o ex-ministro não teve nenhum papel no PT após a sua prisão no processo do Mensalão:
“Acho que nenhum, querido. Nenhum, nenhum, é uma pena, que o José Dirceu era um grande dirigente político. Acho que poucas pessoas têm a cabeça privilegiada do ponto de vista político que tem o José Dirceu.”
Acusações
O presidente também criticou a imprensa e o Ministério Público durante o depoimento:
“Um cidadão que é membro do Ministério Público, que fica a serviço da Globo, do jornal O Globo, da revista Veja, fazendo insinuações e eu tenho que responder? Ele que diga, ele que prove, no dia que ele provar que o apartamento é meu alguém vai me dar o apartamento, ou o Ministério Público vai me comprar o apartamento ou a Globo me compra o apartamento ou a Veja me compra o apartamento, ou sei lá quem vai me comprar o apartamento. (...) Eu já estou de saco cheio disso, essa é a verdade, estão gravando aqui para ficar registrado. Eu estou de saco cheio de ficar respondendo bobagens.
"Eu acho que eu estou participando do caso mais complicado da história jurídica do Brasil, porque tenho um apartamento que não é meu, eu não paguei, estou querendo receber o dinheiro que eu paguei, um procurador disse que é meu, a revista Veja diz que é meu, a Folha diz que é meu, a Polícia Federal inventa a história do tríplex que foi uma sacanagem homérica."
Frango
Ao responder perguntas sobre a sua segurança, que é disponibilizada pela Presidência para ex-chefes de Estado, Lula contou uma história curiosa envolvendo a equipe que fica à sua disposição.
“A viagem deles é paga, eles vão de avião de carreira antes, e a viagem deles é paga pelo esquema da Presidência, no meu tempo era bem pouquinho, devia ser uns cem reais, ou seja, querido, eu vou lhe contar uma coisa: eu quando vejo denúncia de corrupção, eu vejo e acho que tem muita, eu devo lhe contar uma história. Na primeira viagem que eu fiz para a ONU, em 23 de setembro de 2003, alguns companheiros de segurança (...) levaram frango com farinha, chegaram no hotel, aqui no hotel que todo mundo acha que é chic, o Waldorf Astoria, não tem? Eles imaginaram que o cofre era o micro-ondas e colocaram o frango lá dentro, e não conseguiram abrir o cofre. Acho que o frango deve estar lá até hoje ou o cara do hotel encontrou o frango. O pessoal da presidência comia coisa que levava, às vezes cozinhava no quarto, porque a diária não dava para pagar nada.”