Procuradores ameaçam renunciar coletivamente à Lava Jato

Membros da força-tarefa disseram que, ao modificar pacote anticorrupção, Câmara sinalizou "começo do fim" da operação

30 nov 2016 - 16h31
(atualizado às 17h51)
Entrevista coletiva dos procuradores da Lava Jato na sede do Ministério Público Federal, em Curitiba
Entrevista coletiva dos procuradores da Lava Jato na sede do Ministério Público Federal, em Curitiba
Foto: Mariana Franco Ramos / Especial para Terra

O coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, disse que a inclusão, no pacote anticorrupção, da possibilidade de que juízes e integrantes do Ministério Público Federal (MPF) respondam por crime de responsabilidade sinaliza "o começo do fim" da operação. Ele e outros dez dos 13 procuradores que participam das investigações relacionadas aos desvios na Petrobras concederam entrevista coletiva na tarde desta quarta-feira (30), na sede do órgão em Curitiba. O procurador Carlos dos Santos Lima chegou a ameaçar abandonar os trabalhos se o chamado abuso de autoridade se tornar lei.

As diversas emendas apresentadas ao projeto 4850/2016, aprovado durante a madrugada pelos deputados federais, em Brasília, modificaram a ideia original, encaminhada pelo MPF e que contou com mais de dois milhões de assinaturas. Para Dallagnol, esse foi o "golpe mais forte deferido contra a Lava Jato concretamente, em toda a sua história”, no âmbito do Congresso Nacional. "Se medidas contra a corrupção podem ser convertidas em lei de intimidação, que favorecem a corrupção e a prática de outros crimes por poderosos, restará ferido o Estado de Direito", opinou. Depois da Câmara, o texto ainda precisa passar pelo Senado. 

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Segundo Lima, a continuidade de qualquer investigação sobre políticos cria um risco pessoal para os magistrados. "Nós somos funcionários públicos, temos uma carreira do Estado, e não estaremos mais protegidos pela lei. Se acusarmos, poderemos ser acusados. Nós podemos responder inclusive pelo nosso patrimônio (…) Nossa proposta é de renunciar coletivamente caso essa proposta venha a ser sancionada pelo presidente (Michel Temer)", contou. Questionado se isso significaria a entrega dos cargos, ele acrescentou: "temos nossas responsabilidades e vamos simplesmente retornar para as nossas atividades habituais. Muito mais valerá a pena fazer pareceres previdenciários do que se arriscar investigando poderosos".

Além da tipificação do crime de abuso de autoridade, os parlamentares alteraram outros pontos-chave do PL, como a criminalização do enriquecimento ilícito e a criação do “reportante do bem”, figura que receberia recompensa por denunciar ilegalidades no setor público. A Casa também excluiu o trecho relativo ao acordo penal, onde a sanção poderia ser negociada e aceita pelo autor do delito, e tirou todas as regras sobre celebração de acordo de leniência. Rejeitou, ainda, o aumento do prazo de prescrição dos crimes e a ideia de passar a contá-los a partir do oferecimento da denúncia, ao invés da data do seu recebimento.

Com isso, das dez medidas, apenas duas permaneceram integralmente: a criminalização do caixa dois - a “anistia” chegou a ser costurada, mas foi descartada após pressão popular -, e a exigência de que os tribunais de Justiça e o MPF divulguem informações sobre tempo de tramitação de processos, identificando as possíveis razões da demora em julgá-los. A limitação do uso de recursos que protelam o andamento dos processos e a medida que torna a corrupção um crime hediondo quando a vantagem ou prejuízo para a administração for igual ou superior a dez mil salários mínimos vigentes à época do fato permaneceram, embora parcialmente.

"Estancar a sangria"

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Na avaliação de Deltan Dellagnol, existe uma diferença nítida entre o que a Câmara quer e o que de fato representa o anseio da população. “Essa causa não é nossa. Essa causa é uma causa da sociedade. Nós não trabalhamos em favor próprio. Nós trabalhamos por ordem e para cumprir finalidades que a sociedade nos atribuiu. Se fosses necessários esclarecimentos, nós os daríamos. Mas, nesse caso, o Congresso sabe muito bem o que está fazendo. Está com o objetivo claro de estancar a sangria”. 

Sem citar exemplos, o coordenador da força-tarefa falou que as medidas adotadas durante a gestão de Dilma Rousseff (PT) no Palácio Planalto, para prevenir e combater ilícitos, foram "muito melhores". "Essas (aprovadas ontem pela Câmara) se constituem, na verdade, em propostas completamente desconfiguradas, deformadas, rasgadas e lançadas no lixo após dois milhões de assinaturas". Ele não quis comentar, porém, se seria "mais fácil" conseguir o aval do Congresso num governo petista.

"A votação de ontem mostrou que os interesses vão de ambos os espectros ideológicos. Nós não estamos falando do governo federal exclusivamente. Estamos falando de partidos que hoje se dizem oposição, que não estavam na oposição recentemente, mas que também votaram pelas medidas. O que nós temos no Brasil é uma corrupção político-partidária, que se estende por todos os espectros, salvo honrosas exceções, de partidos pequenos", completou Carlos dos Santos Lima.

Janot

Mais cedo, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, também disse em nota que o apoio de organismos internacionais e da sociedade brasileira  não foram suficientes para sensibilizar os deputados. "O resultado da votação do PL 4850/2016, ontem, colocou o país em marcha a ré no combate à corrupção. O plenário da Câmara dos Deputados desperdiçou uma chance histórica de promover um salto qualitativo no processo civilizatório da sociedade brasileira", escreveu.

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"Ministério Público e Judiciário nem de longe podem ser responsabilizados pela grave crise ética por que passa o país. Encareço aos membros do Ministério Público Brasileiro que se mantenham concentrados no trabalho de combate à corrupção e ao crime. Que isso não nos desanime; antes, que nos sirva de incentivo ao trabalho correto, profissional e desprovido de ideologias, como tem sido feito desde a Constituição de 1988. Esse ponto de inflexão e tensão institucional será ultrapassado pelo esforço de todos e pelo reconhecimento da sociedade em relação aos resultados alcançados", prosseguiu.

Janot acrescentou que a Casa de Leis excluiu o que havia melhor no projeto, ao mesmo tempo em que incluiu "medidas claramente retaliatórias". "As 10 Medidas contra a Corrupção não existem mais. O Ministério Público Brasileiro não apoia o texto que restou, uma pálida sombra das propostas que nos aproximariam de boas práticas mundiais. O Ministério Público seguirá sua trajetória de serviço ao povo brasileiro, na perspectiva de luta contra o desvio de dinheiro público e o roubo das esperanças de um país melhor para todos nós".

Fonte: Especial para Terra
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