Qual será o impacto do revés na delação da JBS no legado de Janot e no futuro da Lava Jato?

Supostas irregularidades no acordo com o empresário Joesley Batista e outros executivos da JBS gera crise para o procurador-geral da República a poucos dias de ele deixar o cargo.

6 set 2017 - 16h43
(atualizado às 16h46)
Rodrigo Janot
Rodrigo Janot
Foto: BBC News Brasil

"Enquanto houver bambu, lá vai flecha", prometeu em julho o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a menos de três meses do fim do seu mandato. Faltando agora poucos dias para deixar o cargo, em 17 de setembro, ele tem cumprido a promessa. Nesta terça, foi a vez dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e outros petistas serem alvo de uma denúncia por crime de organização criminosa.

Mas bem no momento em que Janot reforça sua artilharia, ele próprio sofreu um grande revés com a revelação de possíveis ilegalidades na condução do acordo de delação premiada firmado com o grupo JBS, justamente aquele que deu origem à primeira denúncia contra o presidente Michel Temer e, acredita-se, ainda será usado em uma segunda, ao lado da colaboração de Lúcio Funaro (tido como operador de propina do PMDB), que acaba de ser homologada pelo Supremo Tribunal Federal.

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O revés de Janot dará fôlego para o discurso anti-Lava Jato no Congresso e reforçará a defesa de Temer e outros políticos investigados, mas o impacto para seu legado "anticorrupção" e o futuro da operação pode não ser de todo negativo, avaliam estudiosos do Direito e da política ouvidos pela BBC Brasil.

Marcus Melo, professor titular de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco, acredita que "o episódio traz um custo 'reputacional' considerável para Janot, que já havia sofrido danos não triviais com o episódio da delação superpremiada do Joesley Batista" - o executivo havia se livrado de qualquer hipótese de prisão, o que gerou certa indignação em setores da sociedade.

Ele vê, porém, um impacto modesto na tramitação da esperada segunda denúncia contra Temer, pois mesmo sem o novo escândalo envolvendo o acordo, o "saldo líquido já era positivo" para Temer e "a possibilidade de a denúncia ser até arquivada já estava posta".

"A derrubada da primeira denúncia já havia sinalizado que a base parlamentar do presidente Temer estava coesa, dentre outras razões pelo próprio comportamento defensivo dos parlamentares em relação à Lava Jato. E mais: na medida em que o tempo passa os ânimos arrefecem, na opinião pública e entre parlamentares, por razões estritamente pragmáticas: o governo tem pouco mais de 12 meses pela frente e há uma certa reversão de expectativas sobre a economia", nota ele.

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Já para o futuro da Lava Jato em si, embora considere que as revelações comprometedoras sobre o acordo com a JBS tenham potencial para alimentar iniciativas contra a operação no Congresso, Melo avalia que hoje a maioria do STF tem dado sustentação ao Ministério Público e que a entrada de Raquel Dodge no lugar de Janot também tende a "zerar a dimensão mais personalizada dos conflitos".

A futura procuradora-geral vem sendo apontada como mais discreta que Janot.

O cientista político acredita que mais cautela, a partir desse episódio da JBS, pode ser positivo para a operação. "Os impactos (das novas revelações sobre o acordo da JBS) serão significativos, não diria para a continuidade da Lava Jato, mas para seu padrão de atuação que provavelmente será menos açodado e mais cauteloso", disse.

"A Lava Jato é muito maior do que o PGR, embora ela seja um autor institucional central. A operação compreende a Justiça Federal no país como um todo, o STF e a Polícia Federal. Imagino que haverá um aprendizado institucional a partir do episódio, e que não decorra daí descontinuidades importantes", reforça.

"A Arca do Tesouro do Geddel (Vieira Lima), da entourage do Temer e ex-ministro do Lula também tem dimensão simbólica importante: aponta para a necessidade de fortalecimento ainda maior das instituições de controle", acrescenta ainda, em referência aos R$ 51 milhões encontrados em um apartamento supostamente ligado ao peemedebista.

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Risco de anulação de provas?

Joesley Batista deixa a sede da PF em SP
Foto: BBC News Brasil

O efeito mais prático do controverso acordo com a JBS - agora sob a suspeita de atuação ilegal de um dos procuradores próximos a Janot, Marcelo Miller, que deixou a PGR em abril para advogar para a empresa - é o risco de as provas levantadas na delação serem anuladas, aponta o magistrado André Bezerra, membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD).

Embora Janot tenha anunciado que o apenas os benefícios dos delatores podem vir a serem revisto, preservando-se as provas, Bezerra afirma que, se tiver havido de fato um ilegalidade na condução do acordo, há espaço para descartar as provas, dentro da tese dos "frutos da árvore envenenada", que já levou à anulação, por exemplo, da Operação Satiagraha.

"O Supremo Tribunal Federal já tem uma jurisprudência bastante forte no sentido de que qualquer irregularidade cometida numa investigação criminal é capaz de anular tudo que foi feito. A delação não é uma prova, é um caminho para a investigação. Mas, se esse caminho foi encontrado irregularmente, segundo essa jurisprudência, isso pode anular tudo", diz.

"O fruto da árvore envenenada envenena a árvore inteira. Isso deve ser o grande temor do Ministério Público Federal hoje."

O ministro do STF Gilmar Mendes, por sua vez, acusou nesta quarta-feira a PGR te ter feito "contratos criminosos" com delatores da Lava Jato.

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"Eu imagino que o procurador-geral pensou em fazer um grand finale, oferecer várias denúncias, inclusive a última contra o presidente da República. Mas acho que ele conseguiu coroar dignamente o encerramento de sua gestão com esse episódio Joesley", ironizou Mendes.

"Ele fez jus a tudo o que plantou ao longo de todos esses anos, e essa será a marca que nós vamos guardar dele, o procurador-geral da delação Joesley, desse contrato com criminosos, dessa fita."

O caso vem alimentar outras críticas já recorrentes sobre a aplicação da delação premiada, observa Bezerra, no sentido de que o instrumento acaba servindo para condenações "midiáticas", mesmo antes de o acusado poder se defender na Justiça.

Recentemente, relatório da PF apontou falta de provas para embasar a acusação de que Dilma teria tentado obstruir a Justiça, conforme havia sido levantado no acordo de delação do ex-senador Delcídio Amaral (ex-PT), por exemplo.

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'Delação premiada pode sair fortalecida'

Presidente Michel Temer
Foto: BBC News Brasil

Já Silvana Batini, procuradora regional da República e professora de direito da FGV-Rio, considera que o instrumento da delação pode sair fortalecido desse caso, mesmo que o acordo com a JBS venha a ser revogado.

Ela minimiza o risco de anulação de provas e diz que o que Janot está apontando é para a possibilidade de retirar os benefícios dados aos delatores, porque eles teriam omitido informações importantes da PGR.

"O que houve foi quebra contratual. Se você faz um contrato e a pessoa descumpriu uma cláusula desse contrato não significa que o contrato desde o início estava viciado", argumenta.

Ela reconhece que "politicamente os efeitos são negativos" e que as defesas de Temer e do senador tucano Aécio Neves (que recebeu R$ 2 milhões da JBS) irão explorar as controvérsias em torno do acordo de delação.

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"Agora do ponto de vista técnico, jurídico, não vou dizer que encaro de forma positiva, porque não é bom, mas encaro de forma muito tranquila. A lei de delação premiada prevê expressamente essa possibilidade (de revogar o benefício)", diz.

"Se conseguirmos separar as coisas, o instituto sai fortalecido. Se a solução for aquela que a lei prevê, preservar a prova e cassar o benefício, será uma demonstração pública de que um colaborador, quando vier para fazer a colaboração, deve saber que não é vantajoso enganar o Estado."

Batini ressalta também que houve mais de 160 acordos dentro da Lava Jato e que eventuais problemas seriam pontuais.

"A delação é um instrumento que, embora antigo no Brasil, só foi regulamentado há muito pouco tempo, em 2015. É como se a gente tivesse tirado uma carteira de habilitação e nos fosse dado uma frota de carros de última geração para dirigir", afirma, em referência a grande dimensão do escândalo de corrupção investigado na Lava Jato.

"Não tivemos um período de maturação da delação premiada com a pequena criminalidade, aquela que é a tradição do Brasil de persecução, tráfico de drogas, assalto, roubo", observa.

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Além de classificar a delação como "instrumento absolutamente indispensável para investigação de organização criminosa", Batini também faz fervorosa defesa de Janot.

"Acho que Janot entra para a história como o PGR que mais combateu a corrupção na história do Brasil. Ele modernizou e estruturou a Procuradoria para o combate à corrupção. Fez o que nenhum outro tinha feito até agora", defende.

Em meio ao turbilhão, o quase ex-procurador-geral da República reconheceu nesta terça que a situação lhe deu medo.

"Ontem (segunda) foi um dos dias mais tensos e um dos maiores desafios desse período. Alguém disse pra mim: 'Você realmente é um homem de muita coragem'. Aí eu parei e pensei: 'Será que sou um homem de coragem mesmo?' Cheguei à conclusão de que não tenho coragem alguma", declarou Janot.

"Na verdade, o que eu tenho é medo. E o medo nos faz alerta. E medo do quê? Medo de errar muito e decepcionar minha instituição. E todas as questões que eu enfrentei, eu enfrentei muito mais por medo, medo de errar, medo de me omitir, medo de decepcionar minha instituição do que por coragem de enfrentar esses enormes desafios."

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