Em setembro passado, o ex-ministro Antonio Palocci lançou uma frase que ficaria famosa na Lava Jato: em depoimento ao juiz Sérgio Moro, Palocci acusou o ex-presidente Lula (PT) de fechar em 2010 um "pacto de sangue" com o empreiteiro Emílio Odebrecht, dono da mega-construtora que leva o nome de sua família.
Emílio Odebrecht estava com medo de perder influência no futuro governo da recém-eleita Dilma Rousseff (PT), afirmou Palocci; como forma de se garantir, o empreiteiro foi ao encontro de Lula no Alvorada (residência oficial dos presidentes) e ofereceu um "pacote de propinas" ao ex-sindicalista: um terreno na Vila Clementino, em São Paulo, para a nova sede do Instituto Lula; a reforma do sítio de Atibaia (SP) frequentado pelo petista; e a quantia de R$ 300 milhões.
Antes disso, num outro processo contra si, Palocci já tinha prometido a Sérgio Moro em abril de 2017, entregar "todos os fatos com nome, endereços e operações realizadas".
Em julho passado, mais um revés para o ex-ministro da Casa Civil de Dilma: Moro o condenou a 12 anos e 2 meses de prisão, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro; e escreveu na sentença que a oferta de cooperação em abril soou "mais como uma ameaça para que terceiros o auxiliem indevidamente para a revogação da (prisão) preventiva, do que propriamente como uma declaração sincera de que pretendia naquele momento colaborar".
A ação na qual Palocci mencionou o "pacto de sangue" de Lula e Emílio Odebrecht ainda não foi julgada por Moro. Naquele momento, o "Italiano" das planilhas da Odebrecht insistia na "estratégia Léo Pinheiro": mostrar disposição de colaborar com a Justiça para conseguir uma redução de pena, similar à obtida pelo ex-presidente da empreiteira OAS. E isso mesmo sem fechar um acordo de delação.
Mas agora, tudo mudou: em algum momento das últimas semanas, o "Italiano" fechou um acordo de colaboração premiada com a Polícia Federal. A delação, noticiada pelo jornal O Globo, ainda precisa ser homologada por Sérgio Moro; e pode significar a saída de Palocci da prisão.
A conclusão das tratativas foi confirmada pela BBC Brasil junto a pessoas ligadas ao caso, sob condição de anonimato. Segundo a assessoria de imprensa da Justiça Federal do Paraná, Moro não tem um prazo para decidir sobre a homologação.
Segundo O Globo, Palocci já concluiu os depoimentos à Polícia Federal. O ex-ministro teria dito que levou pessoalmente pacotes de propina em dinheiro vivo ao ex-presidente Lula, e mencionou também remessas que teriam sido feitas por seu ex-assessor Branislav Kontic, o Brani. Os valores entregues a Lula no fim de 2010 somariam cerca de R$ 50 mil, teria dito Palocci.
Sobre Dilma Rousseff, relata O Globo, Palocci teria reafirmado que ela tentou atrapalhar as investigações da Lava Jato no episódio do "Bessias": em março de 2016, Dilma tentou nomear Lula como ministro da Casa Civil, enviando o termo de posse assinado por meio do então assessor Jorge Messias. Palocci também acusa Dilma de ter participado de uma reunião sobre fraudes em uma licitação de sondas da Petrobras com o objetivo de levantar dinheiro para sua campanha presidencial em 2010.
Ao longo dos governos Lula e Dilma, o ex-ministro disse ter tomado conhecimento de crimes que resultaram em prejuízo de R$ 42 bilhões à Petrobras, segundo estimou a PF.
Tanto Lula quanto Dilma negam as acusações. Em nota, o PT disse que Palocci cedeu a chantagens da Polícia Federal e que está mentindo para tentar livrar-se da cadeia. "A delação implorada do senhor Antonio Palocci tem um problema central. Não está sustentada em provas. E ele não as têm porque tais fatos jamais ocorreram", diz a nota do partido.
"No esforço desesperado de obter a liberdade, o senhor Antonio Palocci cria um relato que busca agradar aos investigadores, na esperança de que possam deixá-lo sair da prisão", diz a nota do partido.
Mais complicado do que parece
Palocci está preso no mesmo prédio que Lula, a Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, há um ano e sete meses (desde setembro de 2016). O caminho para fora da cadeia, porém, é mais complicado do que parece.
Procuradores que participaram das negociações anteriores no Paraná e em Brasília estão resistentes ao acordo.
Integrantes do MPF ouvidos pela BBC Brasil disseram, também sob condição de anonimato, que é "estranho" o fato de Palocci não ter mencionado nenhum político com foro privilegiado em seu acordo de delação (se o tivesse feito, o acordo teria de ser homologado pelo relator da Lava Jato no STF, ministro Edson Fachin).
Até setembro passado, a defesa de Palocci negociou o possível acordo também com integrantes do grupo que cuidava da Lava Jato em Brasília, na Procuradoria-Geral da República (PGR). Isto pressupõe que houvesse políticos com foro no "cardápio" da delação. Se é assim, por que o ex-ministro teria deixado de mencionar estes nomes? Delatores não podem omitir fatos, sob o risco de perder seus acordos, argumentam integrantes do MP.
Além disso, os procuradores argumentam que a Polícia Federal não pode criar obrigações para o MPF ao aceitar um acordo com um delator: Palocci poderia, mesmo depois de fechar o acordo, ser alvo de novas denúncias, por exemplo.
Numa entrevista em no último mês de agosto, o procurador da Lava Jato em Curitiba Carlos Fernando de Souza Lima chegou a dizer que a proposta de Palocci estava recheada de "fofocas de Brasília". "Ouvir dizer não adianta", afirmou.
Como o acordo ainda não foi homologado por Moro, continua sob sigilo. É impossível saber exatamente quais foram os benefícios acertados pela defesa do ex-ministro com a Polícia Federal no Paraná: pode ser que Palocci tenha que cumprir mais algum tempo na cadeia antes de obter a chamada progressão de regime e mudar para o regime semi-aberto ou para a prisão domiciliar.
Outro aspecto importante da negociação de Palocci com a Polícia Federal é a redução das multas que o ex-ministro poderá ter de pagar. Em sua primeira condenação na Lava Jato, Moro determinou o pagamento de R$ 1,02 milhão, e Palocci ainda é alvo de outros dois processos em Curitiba, nos quais ainda não há sentença. Segundo pessoas próximas ao ex-ministro, uma das prioridades de sua defesa é tentar salvar ao menos parte do patrimônio que ele amealhou enquanto trabalhou como consultor, depois de deixar o governo Lula. Entre 2007 e 2015, Palocci recebeu cerca de R$ 80 milhões por meio da sua empresa, a Projeto Consultoria Empresarial.
O ex-ministro está em prisão preventiva, isto é, que não decorre de condenação - e também não tem prazo para acabar.
Há precedentes
Apesar da contrariedade do Ministério Público, existem precedentes de acordos de delação premiada fechados pela Polícia Federal em investigações contra a corrupção, inclusive na Lava Jato.
Em julho passado, o operador Marcos Valério (do Mensalão) fechou delação com a Polícia Federal em Minas Gerais, depois de fracassar na tentativa de costurar um acordo com o MP estadual.
Como Valério mencionou políticos com foro, o caso foi para o STF, e ainda aguarda homologação. Antes ainda, em abril de 2017, o publicitário Duda Mendonça também se tornou delator graças a um acordo com a PF, no âmbito da Lava Jato. O caso de Duda depende agora de uma decisão do ministro Edson Fachin, do STF.
No começo da Lava Jato, ainda em 2014, a doleira Nelma Kodama fechou um acordo de delação com os policiais, e não com o Ministério Público. A ex-amante do também doleiro Alberto Youssef saiu da cadeia em junho de 2016 - ela estava presa desde março de 2014.
Impasse entre MPF e polícia: decisão no Supremo
A disputa entre o Ministério Público e a Polícia sobre quem pode fechar delações não é de hoje: existe praticamente desde o começo da Lava Jato. Os procuradores dizem que só o MPF tem a prerrogativa de fechar este tipo de acordo com os investigados - e de fato, a maioria das delações é negociada com o MP. Já os delegados defendem que a PF também possa fechar acordos.
O tema está em discussão no Supremo Tribunal Federal, e o relator é o ministro Marco Aurélio Mello. O ministro voltou a dizer ontem que, em sua opinião, a Polícia Federal pode sim fechar acordos de delação como o feito por Palocci.
A atual PGR, Raquel Dodge, é contra esta possibilidade: como é do MP a responsabilidade por denunciar um investigado, só o órgão de acusação poderia deixar de fazê-lo ou pedir uma pena menor, como acontece num acordo de delação. O julgamento no STF decorre justamente de uma ação movida pela PGR contra a possibilidade da Polícia Federal fechar delações.
Até agora, seis dos onze ministros do STF já votaram a favor da possibilidade da PF julgar acordos de delação premiada. Ainda faltam os votos de quatro ministros - Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e a presidente da corte, Cármen Lúcia. Cabe a esta última decidir quando o tema voltará a ser discutido.