Ele já vinha sendo chamado de "Sérgio Moro carioca". Mas agora o juiz federal Marcelo da Costa Bretas terá de se habituar ao novo aposto que segue seu nome: o de juiz que prendeu o ex-governador Sérgio Cabral e o empresário Eike Batista (que outrora recebia o título de homem mais rico do Brasil).
Bretas não poderia ter estilo mais díspar à ostentação de riqueza dos presos ilustres - Cabral com sua coleção de joias e gosto por restaurantes estrelados e Eike com a Lamborghini estacionada na sala de estar da mansão na zona sul carioca.
Tido como sério, severo e discreto - ou "low-profile", na descrição de uma advogada - o magistrado nasceu na Baixada Fluminense, região metropolitana do Rio. Filho de um comerciante e uma dona de casa, tem uma rotina de dedicação ao trabalho, à família e à religião.
"Ele é uma pessoa muito simples, muito discreta. Não gosta de aparecer, pelo contrário. Tem uma vida pacata, entre trabalho, casa e igreja", descreve Fernando Antonio Pombal, diretor de secretaria e seu braço direito na 7ᵃ Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro.
Com a dimensão dos escândalos da operação Lava Jato no Rio - que no último ano revelaram esquemas de corrupção na Eletronuclear, no governo Cabral e agora trazem acusações contra Eike - o juiz ganhou os holofotes e vê seu nome mencionado entre os cotados para a vaga de Teori Zavascki no Supremo Tribunal Federal (STF). Ele é um de 30 magistrados relacionados em uma pré-lista da Associação de Juízes do Brasil.
Bretas estava a bordo de um cruzeiro quando a operação Eficiência foi deslanchada na semana passada, com um total de nove mandados de prisão preventiva assinados pelo juiz - incluindo o de Eike Batista. Mesmo à distância, acompanhou tudo de perto, em meio às férias.
Pombal não sabia precisar em que lugar do oceano Atlântico estaria o chefe a cada momento, apenas que estava sempre disponível para os telefonemas, que têm sido constantes.
"Os dias que antecedem uma operação são muito tensos. O Dr. Marcelo estava muito ansioso. Mas ficou muito feliz com o resultado, apesar de o principal alvo ter escapado inicialmente", diz, referindo-se a Eike - preso nesta segunda-feira ao retornar de Nova York.
Na decisão judicial, Bretas justifica a prisão preventiva do ex-bilionário sob pena de que persistisse "na prática de atos forjados para acobertar pagamentos ilícitos" e afirma que sua conduta revelava "sua contemporânea disposição em ludibriar os órgãos estatais de investigação".
Ele tem 46 anos e é casado com a juíza Simone Bretas, que conheceu nos tempos de estudante de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O casal tem dois filhos adolescentes.
O juiz é evangélico, frequentador da Comunidade Evangélica Internacional da Zona Sul, no bairro do Flamengo, onde vive. Tem um irmão pastor e citou um versículo da Bíblia - retirado do livro de Eclesiastes - na decisão que autorizou a operação Calicute, quando Cabral foi preso, em novembro. Diz separar trabalho e religião, mas a Bíblia está sempre a mão para consultas. Como hobby, gosta de tocar bateria.
Sua vida sofreu uma guinada em novembro de 2015, quando Teori Zavascki, então relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, determinou o desmembramento das investigações em Curitiba e enviou o caso da estatal Eletronuclear para o Rio de Janeiro.
O caso foi para a 7ᵃ Vara Criminal, caindo nas mãos de Bretas, que se tornara titular dela meses antes, chegando à capital fluminense depois de 15 anos trabalhando em cidades do interior do Estado.
Na época, a Procuradoria-Geral da República chegou a recorrer ao Supremo Tribunal Federal para reverter o fatiamento das investigações. Mas o temor de que o caso pudesse ser levado menos a sério em outra comarca logo se dissipou.
Bretas condenou o almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, ex-presidente da Eletronuclear, a 43 anos de prisão - uma pena muito mais dura que as do juiz Sérgio Moro, que condenou o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu a 23 anos de cadeia.
Um colunista de um jornal carioca chegou a dizer que advogados de acusados da Lava Jato estavam torcendo para os casos permanecerem em Curitiba, temorosos do rigor demonstrado por Bretas.
Coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal do Rio de Janeiro, o procurador Leonardo Cardoso de Freitas descreve magistrado como um juiz "sério" e "de muito bom trato", cujas decisões são bem fundamentadas.
"Mesmo quando nossos pedidos são indeferidos, eu tomo suas razões com muita humildade", diz Freitas. "É um juiz muito sério, em cujas decisões eu confio."
Freitas afirma que não é raro que pedidos dos procuradores sejam negados pelo juiz.
Na semana passada, por exemplo, quando a operação Eficiência foi deslanchada, a Polícia Federal foi às ruas com nove mandados de prisão preventiva, incluindo o de Eike Batista. Freitas revela, porém, que ele e os demais procuradores haviam solicitado que Bretas autorizasse um total de dez prisões preventivas - e um desses pedidos foi negado. A identidade da décima pessoa, evidentemente, é sigilosa.
Outro procurador que prefere não se identificar afirma que o juiz é muito bem visto pelos integrantes da força-tarefa do Rio. "O MPF tem muita confiança em seu trabalho. Ficamos tranquilos de trabalhar com ele porque sabemos que ele vai ser um juiz técnico, que vai julgar de uma maneira séria e rigorosa."
O rigor visto como adequado por uns é visto como excessivo por outros. Bretas sofre críticas semelhantes às feitas a Moro em Curitiba pela forma com que adota conduções coercitivas e prisões preventivas.
A BBC Brasil tentou entrevistá-lo para esta reportagem, sem sucesso.
Pesando a mão
O advogado criminalista João Carlos Castellar vem prestando assistência legal a Fabio Godinho, uma das nove pessoas detidas semana passada e, por isso, imediatamente afastado do cargo de vice-presidente do Flamengo. Ele considera que Bretas "está pesando um pouco a mão" nas decisões tomadas no âmbito da Lava Jato.
"Sempre o conheci como um juiz ponderado, muito educado no trato com as partes, e não com o perfil que tem se verificado agora. Ele tem sido muito severo e muito duro", diz Castellar, contestando, como outros advogados fazem frequentemente, a interpretação que vem sendo dada à condução coercitiva e à prisão preventiva no âmbito da Lava Jato.
"A letra da lei estabelece que a condução coercitiva só pode ocorrer depois que a parte intimada deixa de comparecer regularmente ao ato, sem que haja uma justificativa", afirma.
"Mas com o (Sérgio) Moro, e agora também com o Bretas, isso vem sendo aplicado a torto e a direito com a justificativa de que as pessoas têm que ser conduzidas (coercitivamente), senão podem combinar versões (de depoimentos) entre si. Isso é absolutamente distante do corpo da lei", acrescenta ele, criticando também o prolongamento da prisão preventiva de réus "quando não há razão" para tal.
"A lei estabelece uma série de medidas constritivas da liberdade, como por exemplo a apreensão do passaporte. Que tipo de influência os réus podem ter sobre provas que são basicamente documentais? O dinheiro deixa um rastro, é só seguir. Não é preciso a pessoa ficar presa. A prisão preventiva passa a ser uma antecipação da pena."
Outra advogada e professora de processo penal, que prefere não se identificar, reitera a crítica, e diz que Bretas está seguindo uma tendência que "virou moda" com a Lava Jato e com as ações do juiz Sérgio Moro, adotando esses expedientes de maneiras não previstas no Código de Processo Penal.
"Não existe o que muitos juízes estão fazendo, a lógica do 'mandar prender para ouvir'. Não podemos ter prisões preventivas como forma de espetáculo, por mais que não se goste da figura política", ressalta.
Afora essas restrições, porém, ela afirma ter experiência muito positiva com Bretas nos tribunais. "Ele é um juiz extremamente correto e cordial, preocupado em não cercear a defesa dos réus", afirma a advogada.
"Ele não é espetaculoso como o Sérgio Moro. Não se vale da mídia para dar suporte a suas decisões. Ele cumpre o seu papel, o papel que acha correto, e você não o vê recebendo prêmios, dando discursos, dando declarações", compara.
Bretas passou 12 anos atuando como juiz em Petrópolis e, no fim desse período, realizou seu trabalho de mestrado na Universidade Católica de Petrópolis. Sua dissertação, defendida em 2014, era sobre o uso de interceptações telefônicas em investigações e sobre como conciliar o direito à privacidade à necessidade do Estado de investigar ilícitos.
Seu orientador à época, o professor Cléber Francisco Alves, considera que o tema já refletia uma preocupação de se qualificar e refletir sobre seu papel como magistrado, buscando uma fundamentação na doutrina para pautar sua conduta.
Determinação
"Ele tem sido um juiz muito determinado no cumprimento das suas obrigações, acho que é exemplar. Tem tido um perfil bastante firme, corajoso, e toma as decisões que considera adequadas sem contemporizar", afirma Alves, que também é defensor público em Petrópolis.
Na 7ᵃ Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, o diretor de secretaria Fernando Pombal diz que a carga de trabalho tem sido pesada desde a chegada dos casos da Lava Jato, e a rotina, estressante. Mas ele fala de Bretas, a quem chama sempre de Dr. Marcelo, com enorme admiração.
"Ele é uma pessoa extraordinária, um ser humano evoluído, um juiz extremamente bem preparado. Ele trabalha no mesmo patamar que seus servidores, de igual para igual, e dá espaço para todos trabalharem", afirma.
"Quem trabalha com ele sabe o quanto ele faz pela Justiça e o quanto é justo e dedicado. E não tem medo. Não tem medo de nada, absolutamente nada."
Pombal diz que, quando cada uma das operações da Lava Jato chega ao fim, a sensação compartilhada por todos 7ᵃ Vara Criminal é de dever cumprido.
"A gente se sente recompensado. Eu costumo dizer que não prestamos mais um serviço público, prestamos um serviço cívico à nação."