Os dois candidatos apoiados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foram reeleitos para o comando da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, mas isso não significará vida tranquila para o governo no Congresso, avaliam parlamentares ouvidos pela BBC News Brasil.
Na Câmara, Arthur Lira (PP-AL) venceu com votação recorde, ao receber o apoio de 464 dos 513 deputados. Já no Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) enfrentou uma eleição mais disputada, mas ainda assim conquistou seu segundo mandato com uma boa margem sobre Rogério Marinho (PL-RN), candidato do campo bolsonarista — o placar ficou em 49 a 32.
No caso de Lira, reeleito tanto com votos da base do governo como da oposição, sua vitória já era dada como certa mesmo antes do apoio de Lula. Na verdade, o presidente decidiu apoiá-lo diante da inevitabilidade da vitória para garantir uma boa relação com o comando da Câmara e evitar dificuldades no andamento de propostas importantes para o governo no Congresso.
Segundo parlamentares ouvidos pela BBC News Brasil, a expectativa é que Lira, que foi forte aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), agora dará andamento às pautas prioritárias novo governo.
O problema principal para o Palácio do Planalto, no entanto, é a quantidade de votos que de fato terá na Casa para aprovar sua agenda.
Embora Lula tenha nomeado ministros de grandes partidos da centro-direita (União Brasil, PSD e MDB) para ampliar sua base, já que a centro-esquerda não tem maioria no Congresso, o governo sabe que não deve ter todos os votos dessas legendas.
Questionado pela BBC News Brasil sobre qual seria o impacto de uma vitória tão expressiva de Lira para a relação da Câmara com o governo, uma liderança do PT na Casa considerou que isso seria menos importante do que ver de fato como os partidos que têm representantes no governo vão se comportar nas primeiras votações.
"Provavelmente teremos dificuldades", reconheceu esse deputado petista.
Se isso se confirmar, disse, o presidente terá que renegociar mais à frente a composição da Esplanada dos Ministérios.
No primeiro momento, o Palácio do Planalto ainda está preenchendo cargos de segundo e terceiro escalões, que podem ajudar na tentativa de consolidar a base.
Esse parlamentar acredita que outros partidos grandes da centro-direita, como PP e Republicanos, que foram da base do governo de Jair Bolsonaro e hoje estão na oposição, podem mais à frente aceitar entrar no governo. São siglas do chamado Centrão, que têm tradição de participar de qualquer governo, independentemente da linha ideológica, desde que possam participar da máquina federal.
"Daqui a seis meses, passado o desmame (do vínculo com o governo Bolsonaro), talvez vejamos PP e Republicanos na Esplanada", cogita esse deputado do PT.
Para o deputado Mendonça Filho, do União Brasil de Pernambuco, o governo Lula terá uma base "frágil".
Seu partido tem três ministros - Daniela do Waguinho (Turismo), Waldez Góes (Integração Nacional) e Juscelino Filho (Comunicações). Mas isso, disse à reportagem, não garantirá apoio relevante dos 59 deputados e 10 senadores da sigla criada em 2021 a partir da fusão do DEM (partido com forte tradição de oposição ao PT) e do PSL (antigo partido de Bolsonaro, desde 2021 no PL).
"O União Brasil vai ser majoritariamente contra", calcula Mendonça, que declarou apoio a Bolsonaro no segundo turno da eleição.
Na sua avaliação, o governo terá dificuldades se pautar matérias "ideológicas, contra a liberdade de expressão e que aumentem impostos".
Uma proposta que tem sido classificada pela oposição como ameaça à liberdade de expressão, por exemplo, foi feita pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, que pretende enviar ao Congresso um projeto de lei para obrigar plataformas digitais a retirar do ar rapidamente conteúdo considerado antidemocrático, dentro de um pacote de medidas em reação ao 8 de janeiro. Na ocasião, apoiadores de Bolsonaro inconformados com a eleição de Lula invadiram e depredaram as sedes dos três Poderes.
'Reforma tributária e arcabouço fiscal são fundamentais', diz líder do governo
O governo está ciente da dificuldade em matérias mais delicadas e já traçou como prioridade pautas econômicas que, acredita, trarão mais convergência de votos, como a reforma tributária e a criação de um novo arcabouço fiscal para substituir o Teto de Gastos (regra que limita o crescimento dos gastos públicos à inflação do ano anterior).
A reforma tributária é uma agenda complexa que há décadas patina no Congresso, mas nos últimos anos têm crescido o apoio a uma proposta de simplificação liderada pelo economista Bernard Appy, que assumiu o cargo de secretário especial de reforma tributária no Ministério da Fazenda.
"A reforma tributária e o arcabouço fiscal são fundamentais para a gente organizar a economia. Mas elas (essas propostas) na verdade são os meios, não são o fim. O fim vai ser a pauta social sem dúvida nenhuma", afirmou à BBC News Brasil o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA).
"Claro, tem recuperação da rede social de proteção, a questão da volta do emprego, mas isso vai se dar quando você der credibilidade (econômica). E, para dar credibilidade, tem que ter uma reforma tributária e um arcabouço fiscal de outra natureza", reforçou.
Wagner estimou que o governo tem cerca de 50 votos no Senado, mas admitiu que isso vai variar de acordo com o projeto em votação.
Ele defendeu que agendas mais polarizadoras, como a chamada "pauta de costumes", não sejam o foco do governo.
"Se depender da minha opinião, não (vai)", disse a jornalistas.
Em seu discurso de posse, Pacheco prometeu postura colaborativa na agenda econômica do governo.
"Seremos colaborativos com o Poder Executivo para viabilizar medidas econômicas que permitam a volta do crescimento e o desenvolvimento da infraestrutura nacional. Queremos estabelecer pontes e ajudar a construir soluções. Não esperem de nós menos do que isso", prometeu.
Lira também destacou as reformas econômicas em seu pronunciamento após a vitória, enfatizando a tributária.
"Esta Câmara dos Deputados tem um enorme desafio pela frente: rever nosso complexo e por vezes injusto modelo tributário. Não tenho dúvidas que vamos divergir, mas vamos também encontrar pontos em comum e entregar para os brasileiros providências essenciais para o desenvolvimento econômico e social".
Outro ponto em comum nos dois discursos foi a condenação aos atos de 8 de janeiro.
"Esta Casa não acolherá, defenderá ou referendará nenhum ato, discurso ou manifestação que atente contra a democracia. Quem assim atuar, terá a repulsa deste Parlamento, a rejeição do povo brasileiro e os rigores da lei. Para aqueles que depredaram, vandalizaram e envergonharam o povo brasileiro, haverá o rigor da lei", disse Lira.