Lula atrai apoio da Alemanha para tentar salvar acordo Mercosul-UE após 'ducha de água fria' da França

Mudança de governo na Argentina e oposição do presidente da França, Emmanuel Macron, são considerados obstáculos para conclusão de tratado.

4 dez 2023 - 15h22
(atualizado às 18h37)
Lula se reuniu com chanceler alemão Olaf Scholz e assinou cerca de 20 acordos
Lula se reuniu com chanceler alemão Olaf Scholz e assinou cerca de 20 acordos
Foto: Ricardo Stuckert/PR / BBC News Brasil

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse nesta segunda-feira (4/12) em Berlim que não vai desistir da conclusão do acordo Mercosul-União Europeia, apesar da mudança de governo na Argentina e das críticas do presidente da França, Emmanuel Macron.

"Só posso dizer para você que não vai ter assinatura (do acordo) na hora que terminar a reunião do Mercosul, que eu tiver o não. Enquanto eu puder acreditar que é possível fazer esse acordo, eu vou lutar para fazer", disse Lula a jornalistas ao lado do chanceler da Alemanha, Olaf Scholz.

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"Porque, depois de 23 anos, se a gente não concluir o acordo, é porque, eu penso que nós estamos sendo irrazoáveis com as necessidades que nós temos de avançar nos acordos comerciais, políticos e econômicos".

"E eu não vou desistir, enquanto eu não conversar com todos os presidentes e ouvir o não de todos. Aí nós vamos partir para outra", acrescentou.

Segundo Lula, a negociação passa por um "momento decisivo" durante a reunião da cúpula do Mercosul, que ocorre nos dias 6 e 7 de dezembro, no Rio de Janeiro. O Brasil preside o bloco, também formado por Argentina, Paraguai e Uruguai, até este mês.

Scholz afirmou, por sua parte, que tanto a Alemanha quanto o Brasil querem que o acordo entre os dois blocos seja concluído.

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"Estou muito impressionado com o engajamento e ambição do Brasil. Estou convencido de que será possível obter uma maioria nos dois órgãos, tanto no Conselho Europeu quanto no Parlamento Europeu; peço a todos os envolvidos que deem uma prova de pragmatismo e celebrem o compromisso. Seria muito bom que o acordo saísse", disse o chanceler alemão.

Sobre as críticas de Macron (ler mais abaixo), Lula afirmou respeitar a posição do francês e lembrou que outros líderes da França foram contra o acordo. Disse também que tentou sensibilizar Macron.

"Quando eu me despedi do presidente Macron, eu falei para o Macron: 'Quando você pegar o avião, que você sentar na sua cadeira no avião, abra o seu coração, converse com a sua esposa, e aceite fazer o acordo entre a União Europeia e o Mercosul'", afirmou.

Lula também voltou a cobrar a reforma do Conselho de Segurança da ONU. Defendeu ainda uma solução pacífica para o conflito entre Israel e o Hamas e para a guerra entre Rússia e Ucrânia.

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Travas

Lula e Scholz presidiram 2ª Reunião de Consultas Intergovernamentais de Alto Nível Brasil-Alemanha
Foto: Ricardo Stuckert/PR / BBC News Brasil

Lula esperava concluir o acordo até o fim deste ano, mas agora há poucas expectativas de que isso possa acontecer.

Os principais entraves são a vitória de Javier Milei nas eleições presidenciais da Argentina e, mais recentemente, a oposição pública do presidente da França, Emmanuel Macron, durante a conferência climática da ONU, a COP-28, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.

Durante sua campanha presidencial, Milei afirmou que, se eleito, tiraria a Argentina do Mercosul.

Já Macron disse, no último sábado (2/12) estar preocupado com a falta de metas ambientais após uma reunião com Lula em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, onde os dois estiveram para a Conferência do Clima da ONU (COP28).

O francês disse que o acordo é "antiquado" e "entra em contradição" com as políticas ambientais dos dois países — já que não estabelece garantias de redução de desmatamento em países como o Brasil.

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"Sou contra o acordo do Mercosul com a União Europeia. É um acordo completamente contraditório com o que [Lula] está fazendo no Brasil e com o que nós estamos fazendo. É um acordo que foi negociado há 20 anos e que tentamos consertar, e que foi mal consertado", disse Macron.

"Não posso pedir aos nossos agricultores, aos nossos industriais em França, mas também em toda a Europa, que façam esforços para aplicar novas regras de descarbonização. . . e então dizer de repente: 'Estou removendo todas as tarifas para permitir a entrada de produtos que não aplicam essas regras", acrescentou.

Em entrevista a jornalistas na manhã de domingo (3/12) em Dubai, Lula rebateu Macron e disse que a verdadeira preocupação da França no acordo Mercosul-União Europeia não é o meio ambiente — mas sim garantir formas de proteger seus produtores de competição que vem do Brasil e da América do Sul.

"A única coisa que tem que ficar claro é que não digam mais que é por conta do Brasil. Assumam a responsabilidade de que os países ricos não querem fazer um acordo na perspectiva de fazer qualquer concessão", afirmou.

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"Se não tiver acordo paciência, não foi por falta de vontade", acrescentou.

E, em um novo revés para o acordo, o comissário de comércio da União Europeia, Valdis Dombrovskis, cancelou a viagem que faria ao Rio de Janeiro para finalizar o acordo com o Mercosul, em meio às perspectivas de que ele não seja concluído este ano, informou no domingo o jornal britânico Financial Times.

Lula chegou a Berlim no domingo (3/12) para uma visita de três dias; ele volta ao Brasil na terça-feira (5/12)
Foto: Ricardo Stuckert/PR / BBC News Brasil

Acordo Mercosul-UE

O acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia começou a ser negociado em 1999 e prevê, entre outras coisas, a isenção ou redução na cobrança de impostos de importação de bens e serviços produzidos nos dois blocos.

Em 2019, durante a Presidência de Jair Bolsonaro, Mercosul e União Europeia assinaram o acordo.

No entanto, novas exigências ambientais europeias e a reação sul-americana a elas acabaram por reabrir a negociação.

Atualmente, o texto passa por uma fase de revisão técnica antes de ser submetido à ratificação pelos Parlamentos de todos os países envolvidos.

Se concluído, vai envolver 31 países, 720 milhões de pessoas e aproximadamente 20% da economia mundial.

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Visita à Alemanha

Alemanha é a maior parceira do Brasil em cooperação técnica e financeira
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Lula desembarcou em Berlim na tarde de domingo (3/12) para uma visita oficial de três dias à Alemanha após passar por Arábia Saudita, Catar e Emirados Árabes Unidos, onde discursou na COP28.

À noite, ele participou de um jantar de trabalho oferecido por Scholz.

Nesta segunda-feira (4/12) pela manhã, o brasileiro se reuniu com o presidente da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, e com a presidente do Conselho Federal (Bundesrat, equivalente ao Senado no Brasil) e governadora do Estado de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental, Manuela Schwesig.

Lula também se encontrou com parlamentares da coalizão governista.

À tarde, Lula e Scholz voltaram a se reunir e presidiram a 2ª Reunião de Consultas Intergovernamentais de Alto Nível Brasil-Alemanha, com a participação de ministros de Estado brasileiros e ministros federais alemães.

As Consultas de Alto Nível são o mais elevado mecanismo de diálogo entre Brasil e Alemanha e a única reunião ocorreu em Brasília, em 19 e 20 de agosto de 2015.

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Na ocasião, a então chanceler Angela Merkel visitou o Brasil acompanhada de sete ministros e cinco vice-Ministros Federais.

Segundo o governo brasileiro, foram assinados cerca de 20 acordos nas mais diversas áreas, incluindo economia, meio ambiente e tecnologia.

No fim da tarde desta segunda-feira, Lula e Scholz participaram de um evento empresarial, realizado na Casa da Economia Alemã (sede da Federação da Indústria Alemã, BDI), onde o petista se reuniu com altos representantes de empresas alemães e brasileiras.

Na terça-feira (5/12) pela manhã, Lula deve se encontrar com Martin Schulz, presidente Fundação Friedrich Ebert, ligada ao Partido Social-Democrata (SPD). O SPD, partido do chanceler Scholz, tem relações históricas com o PT.

Além disso, Schulz, ex-líder do SPD e ex-presidente do Parlamento europeu, é amigo de Lula e o visitou em 2018 na prisão em Curitiba.

Lula também deve se reunir com o ex-presidente alemão e ex-presidente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Horst Köhler.

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Este é, provavelmente, o último giro internacional do ano de Lula. O petista foi convidado para a posse do presidente argentino, Javier Milei, no dia 10 de dezembro, mas sinalizou que não comparecerá à cerimônia.

Quando voltar a Brasília, na terça-feira à tarde, Lula terá saído do Brasil 15 vezes, visitado 23 países e passado, no total, mais de 60 dias no exterior, desde que tomou posse para o terceiro mandato, em 1º de janeiro deste ano.

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