O gabinete de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva buscou contato direto com oficiais-generais que passaram por cargos de chefia nas Forças Armadas, não só em governos petistas, mas também na antiga cúpula militar da gestão de Jair Bolsonaro. Interlocutores do presidente eleito já estabeleceram canais com ex-comandantes, como Edson Leal Pujol, do Exército, e com o ex-ministro da Defesa Fernando Azevedo e Silva.
Um conselheiro de Lula que atua nas tratativas disse ao Estadão que todos os demais ex-comandantes estão sendo procurados. A lista inclui os últimos comandantes-gerais da Força Aérea Brasileira (FAB), brigadeiro Antônio Carlos Moretti Bermudez, e da Marinha, almirante Ilques Barbosa Junior.
O ex-ministro e os três oficiais-generais da reserva deixaram o governo Bolsonaro em março de 2021, numa intervenção sem precedentes do Palácio do Planalto sobre a cúpula militar. Todos foram exonerados após cobranças de apoio político feitas por Bolsonaro. Na ocasião, Azevedo e Silva afirmou ter preservado as Forças Armadas como instituição de Estado.
O Estadão apurou que, embora os generais Pujol e Azevedo e Silva tenham se mostrado dispostos a opinar em consultas informais, a tendência é de que eles não aceitem ser efetivamente nomeados na equipe da transição. Existe, porém, uma tentativa do futuro governo de articular ao menos uma reunião com os generais de quatro-estrelas.
Os antigos comandantes que chefiaram o Exército, a Aeronáutica e a Marinha nos governos do PT também voltaram a ser consultados por interlocutores de Lula. Entre eles estão o general Enzo Peri, o brigadeiro Juniti Saito e os almirantes Julio Soares de Moura Neto e Eduardo Bacellar Leal Ferreira.
Além dos militares, há outros nomes sugeridos que compõem uma lista já esboçada, inclusive civis, como o atual presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (Abimde), Roberto Alves Gallo Filho.
Impasse
Lula vive um impasse na formação da equipe que deverá se relacionar com as Forças Armadas, uma das únicas ainda não designada. Como mostrou o Estadão na semana passada, os ex-comandantes já estavam sendo consultados por emissários de Lula para opinar sobre a formação da equipe e temas da área, mas uma ala argumentava que os contatos deveriam se restringir apenas a ex-integrantes de governos do PT. Outros defendiam apenas civis no núcleo da Defesa.
Coordenadores da transição de governo dizem que caberá a Lula arbitrar a formação do grupo da Defesa, que terá civis e militares, como disse o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin. Havia a expectativa de que Lula anunciasse os integrantes da equipe nesta semana, mas os planos foram alterados porque ele não viajou a Brasília, por recomendação médica, para poupar a voz após cirurgia.
Um dos interlocutores do gabinete de transição é o general da reserva do Exército Marcos Edson Gonçalves Dias, que foi chefe da segurança presidencial durante os mandatos de Lula. G. Dias, como é conhecido, tem sido a principal ponte de contato com os militares.
O general estava cotado para o grupo de Inteligência Estratégica, assim como o delegado da Polícia Federal Andrei Passos. Esse núcleo temático não chegou a ser anunciado ainda e já houve sugestões para que fosse integrado ao grupo da Defesa, também pendente. Há dúvidas, porém, sobre como seria o seu funcionamento e formato.
O próprio Dias avalia que não seria viável receber relatórios com informações sigilosas da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) ou do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Mesmo assim, ele já recebeu um telefonema do Palácio do Planalto para tratar da transição com a equipe do general Augusto Heleno, ministro do GSI.
Lula também vem sendo aconselhado pelos ex-ministros da Defesa Jaques Wagner, Celso Amorim e Nelson Jobim e por parlamentares com trânsito na caserna. O ex-ministro Aloizio Mercadante, filho do ex-general Oswaldo Muniz Oliva, afirmou haver um problema institucional com as Forças Armadas, mas minimizou o adiamento na escolha da equipe.
Desde a campanha, Lula passa por dificuldades de acesso às cúpulas militares, principalmente as da ativa. Enfrenta resistências ideológicas e reconhece nos quartéis uma simpatia por Bolsonaro, que foi capitão do Exército. Bolsonaro deu inédito protagonismo político aos militares, que ocuparam cerca de 6 mil cargos na Esplanada dos Ministérios. Lula já disse que pretende reverter o aparelhamento.
Saída antecipada
Além da indefinição sobre a equipe, Lula pode ter de lidar em breve com um ato potencialmente polêmico. Como mostrou o Estadão, os atuais comandantes das Forças Armadas já sinalizaram que planejam deixar os cargos às vésperas da posse do novo presidente. Não se trataria de uma renúncia coletiva, mas da passagem de comando, em datas e cerimônias distintas. Essa saída antecipada não ocorreu em trocas de governo anteriores.
O brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, comandante da Aeronáutica, disse a integrantes de sua equipe que deseja deixar o cargo em dezembro. Ele chegou a convidar oficiais-generais para sua futura passagem de comando, que deve ocorrer às vésperas do Natal, em 23 de dezembro. Seria dias depois de outra cerimônia importante da Força Aérea: a entrega e entrada em operação de quatro caças novos Gripen ao 1º Grupo de Defesa Aérea, em Anápolis (GO).
Oficiais-generais da ativa com conhecimento do assunto dizem que o gesto deve se repetir no Exército e na Marinha. As Forças não confirmam. Generais que trabalham com o comandante Marco Antônio Freire Gomes alegam que "nada foi definido". A assessoria do almirante Almir Garnier Santos não respondeu.
A saída antecipada seria uma forma de prestigiar o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, para que ele fosse a autoridade a participar das cerimônias e recebesse homenagem. Segundo um general, não seria um ato deliberado para atingir Lula. A possibilidade ainda é vista com desconfiança na transição de governo.
Militares falam em possível pressão vinda dos Altos-Comandos. Auxiliares de Lula afirmam ver no caso uma jogada política do Planalto. A atitude demonstraria apoio a Bolsonaro, já manifestado pelos comandantes da FAB e da Marinha às vésperas da eleição, em postagens nas redes sociais.
Nas palavras de um oficial da Defesa, eles "entrariam para a história" como militares que não quiseram transmitir o comando para colegas de farda, não para rivais políticos. É uma comparação com a recusa de Bolsonaro em se comprometer a passar a faixa a Lula.
Embora as cúpulas militares se digam legalistas, os atuais comandantes-gerais das Forças Armadas emitiram nota conjunta, recentemente, em defesa de manifestações, na frente dos quartéis, que tinham como principal pauta o protesto contra a eleição de Lula e um pedido de intervenção militar.
Caso a saída antecipada se confirme, o militar mais antigo de cada Força assumiria interinamente. Diante desse cenário, o Estadão ouviu de um dos mais importantes conselheiros de Lula, sob reserva, que o ideal seria a indicação, o quanto antes, de quem será o ministro da Defesa - um civil - e dos próximos comandantes-gerais. A aposta é a de que Lula escolherá quem está há mais tempo no topo da carreira.
Esse mesmo integrante da transição afirmou que transmissões de cargos de comando militar costumam demorar algumas semanas. Não seria ruim para o presidente eleito, portanto, ter os próximos comandantes já em atuação em 1.º de janeiro de 2023. Já a transição no âmbito político envolve apenas o Ministério da Defesa.
Emissários do governo eleito ouviram de generais que não agradaria às cúpulas militares repetir na Defesa a fórmula de embaixadores no comando da pasta. Além disso, eles também não veem com bons olhos a indicação de um nome oriundo do Supremo Tribunal Federal (STF), que é, atualmente, alvo de críticas na caserna.