A eleição presidencial será decidida em um segundo turno entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL). Um universo de mais de 121 milhões de eleitores compareceu neste domingo, 2, às urnas em todo o País. Na disputa pelo Palácio do Planalto triunfou o voto polarizado no atual e no ex-presidente. O encontro entre os dois principais rivais está marcado para o dia 30 de outubro, último domingo deste mês.
Com 99,99% das urnas apuradas, Lula obteve 57,2 milhões de votos válidos, ou 48,43% do contabilizado pela Justiça Eleitoral. Foi seguido de perto por Bolsonaro, candidato à reeleição, que recebeu 51 milhões de votos, ou 43,20% do total. O segundo turno ocorre quando nenhum candidato consegue atingir a maioria da soma total dos votos. (veja a apuração completa).
O resultado mostra uma aguda clivagem no eleitorado nacional. A soma das votações do petista e do presidente chegava a 91,6% dos votos totais. Para se ter uma ideia, há quatro anos, mesmo numa disputa também polarizada, a soma dos desempenhos de Bolsonaro e Fernando Haddad (PT) atingiu 75% do total de válidos.
Na votação, o bolsonarismo demonstrou mais força eleitoral do que as pesquisas previam. Além do índice de votos alcançado pelo próprio presidente - no Agregador de Pesquisas do Estadão, que reúne dados de 13 institutos, Lula marcava 51% das intenções de voto e Bolsonaro, 36%.
Em seu pronunciamento, Bolsonaro disse que a vantagem do petista no primeiro turno pode estar associada à economia. "Entendo que tem muito voto que foi pela condição do povo brasileiro que sentiu o aumento dos produtos, em especial da cesta básica. Entendo que é uma vontade de mudar da população, mas têm certas mudanças que podem vir para pior", afirmou Bolsonaro em primeiro pronunciamento após o resultado das eleições.
Radicalização
Nesse contexto, a radicalização - de ambos os lados - foi a marca desta eleição presidencial, com violência, agressões e mortes. Além do clima tenso nas ruas e nas redes sociais, os embates assumiram o protagonismo, o que colocou de lado os projetos de País dos candidatos. Lula, por exemplo, não apresentou versão final do programa de governo ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob a justificativa de não criar desconforto com aliados.
Esse espectro de apoios é fundamental para definir o segundo turno e a formação de um eventual governo Lula. Anteontem, o petista já sinalizava a necessidade de ampliar o leque de apoio, até agora majoritariamente formado por partidos de esquerda e líderes do centro. "A gente não tem de ficar com melindre de conversar com quem quer que seja. Nosso barco é que nem a Arca de Noé. Basta querer viver para entrar lá dentro e nós iremos salvar todo mundo", disse Lula, em entrevista coletiva.
Eleitorado alvo das atenções dos dois candidatos finalistas, o centro político não logrou êxito no primeiro turno. A senadora Simone Tebet (MDB-MS) - representante da chamada terceira via, em coligação com PSDB e Cidadania - e Ciro Gomes (PDT) terminaram com um saldo menor de votos do que o esperado. Após disputar sua quarta disputa presidencial, o pedetista falou em deixar a cena política.
Simone, que terminou com cerca de 4% dos votos válidos, prometeu se posicionar e disse que não irá pecar por omissão. "Foi difícil chegar onde nós chegamos. Apesar de tudo, saímos do zero e conseguimos provar que nossa candidatura era para valer. Foi uma caminhada muito feliz. Estou satisfeita com o resultado. Agora é hora dos presidentes dos nossos partidos se posicionarem. Precisamos analisar os resultados das urnas para nos posicionar. Não esperem de mim omissão."
Nos debates em que os candidatos estiveram frente a frente, Lula acenou a Ciro e a Simone - ainda que ambos tivessem feito duros ataques às gestões petistas, inclusive com denúncias de corrupção e crítica à recessão registrada no governo Dilma Rousseff (PT), alvo de impeachment em 2016. Nos bastidores, interlocutores do PT também conversam com nomes do PDT e do MDB - uma ala do partido, inclusive, já declarou voto no petista no primeiro turno.
Em São Paulo, Tarcísio termina disputa na frente de Haddad
Candidatos associados ao chefe do Executivo federal obtiveram melhores desempenhos em grandes colégios eleitorais e na eleição para o Congresso Nacional. Em São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), ex-ministro da Infraestrutura de Bolsonaro, terminou na frente de Haddad, com quem irá disputar segundo turno. Também em São Paulo, Marcos Pontes (PL), outro ex-ministro do atual governo, venceu a disputa pelo Senado.
No Rio, o governador Cláudio Castro (PL) venceu no primeiro turno Marcelo Freixo (PSB). No Rio Grande do Sul, o ex-governador Eduardo Leite (PSDB) liderava a maioria das pesquisas, mas, ao final da apuração, ficou 10 pontos porcentuais abaixo de Onyx Lorenzoni (PL), também ex-ministro e aliado de Bolsonaro. Ainda com os votos dos gaúchos, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão (PRTB), se elegeu senador.
PSDB
A votação de ontem marcou também a maior derrota do PSDB desde a perda do governo federal no início dos anos 2000. Vinte e oito anos depois de chegar ao governo de São Paulo com Mário Covas em 1994, o partido ficou de fora do segundo turno da disputa pelo Palácio dos Bandeirantes, após um conturbado processo interno que deixou a sigla de fora da eleição presidencial pela primeira vez desde a redemocratização. Os tucanos já discutem o que fazer a partir deste novo cenário.
Já Bolsonaro dificultou o diálogo que poderia estabelecer com Soraya Thronicke (União Brasil), ao expor a candidata no debate promovido pela TV Globo. Em 2018, a senadora foi eleita declarando apoio ao então candidato à Presidência. Luiz Felipe d'Avila (Novo) já avisou que vai anular o voto.
Enquanto isso, o presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, manteve em aberto uma possibilidade de conversa com qualquer candidato que vença as eleições. Ele destacou as alianças que o partido tem no âmbito estadual com o PT, por exemplo. "O PSD, felizmente, é um partido de centro, partido do diálogo. Nós temos uma excelente relação com o Partido dos Trabalhadores, aliança em diversos Estados com eles. Então, é mais do que natural um diálogo", disse após a votação em um colégio da zona oeste da cidade de São Paulo, na manhã deste domingo, 2.
Graziella Testa, doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), acredita em um segundo turno sem confrontos detalhados sobre propostas de governo. "Um segundo turno tão polarizado desse jeito dificilmente terá discussão em torno de políticas públicas. A tendência é de que seja uma campanha sobretudo de acusações para tentar atrair o voto estratégico do eleitor que rejeita um outro candidato", disse.
Para a professora do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Nara Pavão, a tendência é que os candidatos foquem em locais onde o desempenho no primeiro turno ficou abaixo do esperado. "O Sudeste terá uma disputa acirrada porque é uma região estratégica. Mas eles devem evitar áreas onde já têm apoio consolidado. Então Lula vai, em geral, evitar o Nordeste", avaliou.