Além das invasões: três dores de cabeça do início do governo Lula

Antes de precisar lidar com o vandalismo de manifestantes em Brasília, governo já tinha preocupações por declarações conflitantes entre ministros e suposto elo da ministra do Turismo com milicianos.

16 jan 2023 - 05h51
(atualizado às 07h59)
Lula em frente a painel de evento, com olhar preocupado
Lula em frente a painel de evento, com olhar preocupado
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Antes de precisar lidar com a maior dor de cabeça até o momento - as invasões de bolsonaristas às sedes dos três Poderes em Brasília no dia 08 de janeiro -, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já acumulava quatro "focos de incêndio" para apagar.

Os primeiros dias do governo foram agitados, com declarações conflitantes entre ministros, dilemas na área econômica, desafios na negociação de cargos com partidos e, até mesmo, com uma ministra - Daniela Coelho, do Turismo - desgastada por suposto elo com milicianos.

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Na primeira sexta-feira (06/01) do terceiro mandato, Lula realizou sua primeira reunião ministerial para alinhar sua equipe. Na fala de abertura, o presidente disse que a pessoa que fizer algo errado "será simplesmente, da forma mais educada possível, convidada a deixar o governo".

"E se cometer algo grave a pessoa terá que se colocar diante das investigações e da própria Justiça", acrescentou.

Ao final do discurso, porém, garantiu que não abandonará ministros em dificuldade.

"Estejam certos que eu estarei apoiando cada um de vocês nos momentos bons e nos momentos ruins. Não deixarei nenhum de vocês no meio da estrada, não deixarei nenhum de vocês. Vocês foram chamados porque têm competência, vocês foram chamados porque foram indicados pelas organizações políticas que vocês pertencem, e eu respeito muito isso", afirmou.

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Entenda melhor a seguir três "dores de cabeça", além das invasões em Brasília:

1. Proximidade com miliciano

Lula e Daniela Carneiro no dia da posse do presidente; eles se aproximaram no segundo turno da eleição presidencial
Foto: AFP/Getty Images / BBC News Brasil

A ministra do Turismo, Daniela Carneiro (União Brasil), virou importante foco de desgaste para o governo já em seu terceiro dia no cargo, após o jornal Folha de S.Paulo revelar que ela e seu marido, o prefeito de Belford Roxo, Waguinho (União Brasil), teriam vínculos com o ex-policial militar Juracy Alves Prudêncio, o Jura, condenado e preso por homicídio e associação criminosa, sob acusação de chefiar uma milícia na Baixada Fluminense.

Segundo a reportagem, Jura foi nomeado em junho de 2017 como assessor de uma secretaria da prefeitura de Belford Roxo, no primeiro mandato de Waguinho como prefeito da cidade. Isso deu direito ao ex-PM de sair da cadeia para trabalhar durante o cumprimento da sua pena.

Já em 2018, Jura e sua mulher, a ex-vereadora Giane Prudêncio, apoiaram a campanha de Daniela Carneiro, conhecida como Daniela do Waguinho, para a Câmara dos Deputados.

Ela foi eleita naquele ano e reeleita em 2022, quando foi a deputada federal mais votada do Rio de Janeiro. No ano passado, também contou com apoio eleitoral de Giane Prudêncio, segundo o jornal Folha de S.Paulo.

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Depois, uma reportagem do jornal O Globo também apontou proximidade do casal Waguinho com o vereador de Belford Roxo, Fábio Augusto de Oliveira Brasil, o Fabinho Varandão, réu na Justiça sob a acusação de comandar um grupo paramilitar que monopoliza o sinal clandestino de TV e internet e a venda de gás de cozinha em dez bairros da cidade.

Ele também apoiou a campanha de Carneiro no ano passado e já ocupou diferentes cargos na prefeitura de Belford Roxo desde 2021.

Carneiro e seu marido se aproximaram de Lula no segundo turno da eleição presidencial, ao declarar apoio a sua campanha contra a tentativa de reeleição do então presidente Jair Bolsonaro (PL). Foi uma aliança considerada importante para o petista, por se tratar de um casal evangélico, com força na política da Baixada Fluminense, região em que Bolsonaro vencia Lula. Ainda assim, o então presidente manteve a vantagem no segundo turno em Belford Roxo, quando recebeu 60,2% dos votos válidos, contra 39,8% de Lula.

A nomeação de Coelho como ministra foi uma recompensa por esse apoio, assim como uma tentativa de garantir votos da bancada do União Brasil no Congresso em futuras votações de interesse do governo.

A proximidade do casal Waguinho com milicianos gerou reação. Nas redes sociais, críticos dessa aliança lembraram que a proximidade da família Bolsonaro com a milícia no Rio de Janeiro foi alvo de constantes ataques por parte de Lula e outras lideranças de esquerda, como o deputado federal Marcelo Freixo (PT).

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Freixo, que presidiu a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que investigou milícias do Rio de Janeiro quando era deputado estadual pelo PSOL, foi nomeado por Lula para presidir a Embratur e será subordinado à ministra do Turismo.

Marcelo Freixo em foto de 2017; atualmente à frente da Embratur e subordinado à ministra do Turismo, o político fluminense tem como marca na sua trajetória o combate às milícias
Foto: AFP/Getty Images / BBC News Brasil

O relatório final da CPI, de 2008, inclusive apontou o Jura como líder de uma milícia que atuaria em Nova Iguaçu, município vizinho de Belford Roxo, onde teria feito ameaças à população em busca de votos quando foi candidato a vereador, pelo antigo PRP.

Por meio de nota, o ministério do Turismo disse que Carneiro "não compactua com qualquer ato ilícito e cabe à Justiça o papel de julgar e punir".

"Por fim, esclarece que durante sua campanha recebeu o apoio de milhares de eleitores em diversos municípios do estado", acrescentou a pasta.

Procurado, Freixo não quis se pronunciar. Ao jornal Folha de S.Paulo, respondeu: "Minha relação recente com ela (Carneiro) é de muito diálogo e de muita correção. Li a defesa dela, e ela atribui as relações à prefeitura. Cabe à prefeitura falar sobre a nomeação".

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Apesar do desgaste, o governo não considera que as informações reveladas até o momento seriam suficientes para justificar a demissão da ministra.

"Esse assunto não foi abordado (na reunião ministerial). Não tem nada relevante, substantivo, que justifique qualquer preocupação neste momento no governo. E portanto isso não está na agenda do governo", afirmou o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, após a reunião de Lula com os 37 ministros.

Já o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira (PT), tentou diferenciar as informações sobre a ministra do caso Bolsonaro.

"Bolsonaro tinha vínculos orgânicos com os milicianos. Nesse caso me parece que é uma relação de campanha. Nada demonstra relações que a comprometam. Essa é a questão", afirmou ao jornal Folha de S.Paulo.

A relação do clã Bolsonaro com milicianos ficou marcada, principalmente, pela proximidade com Adriano da Nóbrega, acusado de liderar uma milícia na zona oeste carioca, e que foi morto numa ação policial na Bahia em 2020. Nóbrega foi homenageado pelo hoje senador Flávio Bolsonaro com uma medalha Tiradentes em 2005, ocasião em que estava preso preventivamente acusado de homicídio - depois foi condenado pelo crime. Jair Bolsonaro e Flávio o visitaram na prisão para entrega da homenagem. Além disso, mãe e esposa de Nóbrega trabalharam no antigo gabinete de deputado estadual de Flávio.

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O ex-presidente também refutou as acusações e disse que Nóbrega era um "herói da Polícia Militar" quando o visitou na prisão. "Não existe nenhuma ligação minha com milícia no Rio de Janeiro, zero, zero", disse, quando Nóbrega foi morto.

2. Bate-cabeça sobre reforma da Previdência

Membros do novo governo deram declarações divergentes sobre reforma da Previdência
Foto: AFP / BBC News Brasil

Outro foco de dor de cabeça para Lula já na primeira semana de governo foi o discurso do ministro da Previdência, Carlos Lupi (PDT), ao assumir o cargo.

O pedetista disse que vai provar com números que não há rombo nas contas da Previdência e defendeu rever pontos da reforma proposta pelo governo Michel Temer e aprovada no início do governo Bolsonaro.

"Aposentadoria é dívida da União com trabalhadores, não é prejuízo para os cofres públicos. Vamos trabalhar para resgatar a dignidade de suas aposentadorias", disse Lupi.

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Na visão do ministro, as contas previdenciárias estão negativas porque, por um lado, inclui despesas que não são aposentadoria - como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que garante um salário mínimo a idosos de baixa renda que não conseguiram se aposentar pelo INSS. E, por outro lado, não contabiliza receitas da seguridade social, como as contribuições de PIS e Cofins.

Críticos dessa visão, porém, argumentam que PIS e Cofins são receitas do Orçamento da Seguridade Social, que inclui outras despesas além da Previdência, como gastos com saúde e Bolsa Família. Segundo esses críticos, ao somar todas as receitas e despesas de seguridade social, a conta continua deficitária.

Mesmo com a reforma da Previdência aprovada em 2019, a proposta de Orçamento federal para 2023, enviada em agosto pelo governo passado para o Congresso, projetou um rombo de R$ 363 bilhões nas contas previdenciárias, considerando as aposentadorias pagas a trabalhadores do setor privado (INSS), servidores públicos e militares.

Esse rombo significa que a receita com contribuições dos trabalhadores ativos é insuficiente para cobrir as despesas com os aposentados - a diferença é paga pela União, com outros tipos de receitas ou aumento da dívida pública.

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Impopular, a reforma de 2019 adotou medidas para reduzir o valor médio das aposentadorias e obrigar trabalhadores a se aposentar mais tarde, freando o aumento do déficit.

A fala de Lupi foi criticada nas redes sociais como "negacionismo fiscal", sendo comparada à defesa que o governo Bolsonaro fazia de medidas sem comprovação científica, como o uso da cloroquina no tratamento de covid-19.

A declaração contribuiu para queda de 2,08% na Bolsa de Valores e alta do dólar de 1,75% para R$ 5,45 na terça-feira.

No dia seguinte, o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa (PT), negou qualquer discussão para rever a reforma da Previdência.

"Não há nenhuma proposta sendo analisada ou pensada neste momento para a revisão de reforma, seja previdenciária ou outra. Neste momento, não tem nada sendo elaborado", disse a jornalistas.

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3. Preço dos combustíveis

O preço de combustíveis como gasolina e diesel é mais um tema sensível que marcou o início de Lula na presidência.

Pressionado a adotar medidas que aumentem a arrecadação para reduzir o rombo nas contas públicas, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, quer reverter o corte de impostos adotado por Bolsonaro sobre o preço dos combustíveis.

Essa reversão, porém, também traz riscos para o governo. No curtíssimo prazo, tirar o subsídio que Bolsonaro adotou para baratear os combustíveis deve ter como efeito uma subida imediata de preços. Isso costuma refletir no encarecimento de alimentos, devido ao custo de transporte, e também desagrada os caminhoneiros. Em 2018, uma paralisação da categoria contra a inflação dos combustíveis gerou retração econômica.

O antecessor de Haddad no comando da Economia, Paulo Guedes, sugeriu prorrogar o corte de impostos por 90 dias. Já Haddad contou ao portal Brasil 247 que defendeu a prorrogação da desoneração por apenas mais 30 dias.

Lula, porém, decidiu manter a redução da tributação sobre gasolina, álcool, querosene de aviação e gás natural veicular por 60 dias. Já os impostos sobre diesel, biodiesel, gás natural e gás de cozinha foram mantidos zerados até o fim desse ano.

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Está na pauta do governo o prazo para que desoneração sobre combustíveis seja encerrada
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Segundo o ministro da Fazenda, o objetivo da prorrogação é dar tempo para que o senador Jean Paul Prates (PT-RN), escolhido por Lula para comandar a Petrobras, tome posse e avalie uma nova política de preços para os combustíveis.

Prates, que é sócio de três empresas do setor de petróleo e gás, precisa se desvincular dessas companhias para poder assumir o comando da estatal. Além disso, seu nome ainda será avaliado por um comitê da área de governança da Petrobras e, depois, submetido ao Conselho de Administração da estatal.

A atual política da Petrobras segue os preços internacionais dos combustíveis. Ou seja, quando a cotação do petróleo aumenta no mercado mundial ou o dólar sobe no Brasil, itens como gasolina, diesel e gás de cozinha ficam mais caros.

Os defensores dessa política dizem que manter os preços abaixo do mercado mundial dá prejuízos a estatal, já que a Petrobras importa parte dos combustíveis que vende no Brasil. Isso reduz o lucro da empresa e limita sua capacidade de investimento, desagradando os acionistas. Além disso, afirmam que desestimula outras empresas a importar e vender combustíveis no Brasil, concentrando o mercado.

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Já os que criticam essa política de preços dizem que o preço deve refletir mais fatores domésticos, como o custo de extração de petróleo que no Brasil é mais barato do que na média internacional.

No governo Dilma Rousseff, o encarecimento internacional do petróleo não foi totalmente repassado para o preço dos combustíveis, o que gerou prejuízos de dezenas de bilhões de reais à Petrobras.

Jean Paul Prates acalmou o mercado financeiro ao indicar que não repetirá a política adotada no governo Dilma. Segundo ele, a política de preços deve seguir fatores domésticos e internacionais, sem haver uma intervenção direta nos preços.

"Petrobras não faz intervenção em preços, ela cumpre o que o mercado e o governo criam de contexto", disse em 04/01.

"Quando me perguntam: 'Vai ser preço de mercado?'. Vai. Preço de mercado brasileiro. O mercado brasileiro é composto de parte importado e parte nacional. A gente tem que ter um preço que reflita o fato de a gente produzir no Brasil. É só isso. Não tem porque se assustar com isso", acrescentou.

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- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64193943

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