BRASÍLIA — O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu início ao processo de "desbolsonarização" da máquina federal. As demissões de funcionários em cargos do segundo escalão dos 37 ministérios já superaram 1.400 pessoas, conforme informou o ministro da Casa Civil, Rui Costa. O processo, focado nos cargos de confiança de chefia, continua. O número final ainda não foi fechado.
A demissão atingiu a cúpula do Executivo, logo abaixo dos ministros, com posições de confiança, os cargos de natureza especial (secretários), e antigos DAS 5 e 6. Nos próximos dias, avança para os DAS 3 e 4 e, ao longo das primeiras semanas de janeiro, atingirá todo o espectro de comissionados.
A sigla DAS significa "direção e assessoramento superior" e segue usual no jargão político e administrativo do governo, embora não exista mais oficialmente. A gestão Jair Bolsonaro promoveu uma reforma estrutural dos cargos do Executivo, criando um escalonamento maior e alterando remunerações, que permitiu pagar salários mais altos para cargos do topo dos ministérios.
"Vão sair muito mais", disse o titular da Casa Civil. "Primeiro fomos cortando os de DAS 5 para cima. Cada ministério cortou na medida da demanda dos ministros. Ou a gente foi identificando pessoas incompatíveis com a função, pessoas de todo tipo." Costa tem evitado falar em corte ideológico. "Estamos tirando pessoas que não são adequadas para o papel", amenizou. "Todos serão substituídos."
Uma das demitidas foi Maria Farani Rodrigues, assessora do gabinete pessoal do presidente. Ela exercia funções no Planalto desde 2017. Maria é bolsonarista, posa envolta na bandeira do Brasil nas redes sociais e compartilha pedidos de intervenção militar: "FFAA, salvem o Brasil".
A servidora estava envolvida, segundo a Polícia Federal, na elaboração de um relatório usado em live de Bolsonaro que relacionava a vacina contra covid-19 ao risco de contrair HIV. O documento foi produzido com o tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro, que também foi dispensado nesta quinta-feira, 5. As dispensas foram assinadas por Marco Aurélio Ribeiro Santana, o Marcola, chefe de gabinete de Lula.
Quando assumiu, em 2019, a equipe de Bolsonaro, representada por Onyx Lorenzoni, então ministro da Casa Civil, prometia "despetizar" a máquina federal. Algumas demissões de centenas de funcionários, porém, provocaram problemas e chegaram a ser revertidas por alguns dias.
Segundo Costa, as mudanças em cargos de confiança ocorreram com anuência dos ministros. Ele disse que, salvo algum acordo fechado por Lula, os cargos são de livre nomeação dos titulares das áreas e não houve uma lista pronta de corte elaborada pelo Planalto. Desde a transição de governo, Costa afirma que os ministros têm liberdade para solicitar tanto a exoneração quanto a permanência de funcionários.
"Foi pedido para cada ministro que fizesse, caso necessário, a exceção para o não corte. Muitos fizeram, alguns não. Não houve demissão por engano. Foi dito que todos de DAS 5 para cima seriam cortados. Nós identificamos aquelas que achávamos que eram funções essenciais e pedimos a cada ministro aquelas que também achavam que eram essenciais e que podiam permanecer. Todos os indicados foram mantidos, quem não foi (apontado) saiu."
O ministro disse que será possível, entretanto, reverter alguma exoneração, caso haja pedido direto de ministros: "Eventualmente alguns estão sendo repostos. Aqueles que o ministro, ou não olhou ou não conseguiu enxergar a urgência, nós voltamos. Poderemos voltar (a nomear) alguns ao longo da semana, não há problema".
Apesar de a Casa Civil rejeitar a pecha política, o Estadão apurou com integrantes do novo governo que foram realizadas checagens de vínculos políticos prévios e de cunho ideológico sobre os nomes empregados na máquina. Além da filiação partidária, uma fonte aberta de pesquisa são as redes sociais. Eles dizem ser natural uma avaliação sobre os ocupantes dos cargos de confiança de qualquer governo.
Desde a formação do gabinete de transição eram checados dados de CPF, além de perfis em mídias sociais e a rede de relacionamentos, pessoas da região, o entorno social de indicados, apadrinhados de parlamentares e servidores, concursados ou não, interessados em colaborar e continuar no Executivo. Segundo um coordenador que lidou com o processo, a transição se converteu em "laboratório" de governo.
Os alvos são de dois tipos: chefes identificados com o bolsonarismo e servidores de carreira que aderiram ao governo de direita e, na avaliação de petistas, não deveriam permanecer.
Há insatisfação e queixas por causa de ministros, do PT e de partidos do Centrão, que escolheram como assessores ex-colaboradores do antigo governo. Existe medo de vazamento de informações. Nos bastidores, eles afirmam que ninguém que tenha "vestido a camisa" de Bolsonaro deveria continuar.
Nas cerimônias de posse dos ministros ao longo da semana, houve uma caça aos bolsonaristas. Petistas procuravam identificar quem já estava empregado no governo Bolsonaro e aparecia lá para "cavar" seu espaço. Ex-colaboradores do governo Michel Temer também circularam nas cerimônias fazendo contatos. Já na transição de governo havia um alerta sobre aliados de Bolsonaro que buscavam espaço e apagavam postagens críticas a Lula nas redes.
Além das dispensas e exonerações, o governo Lula viveu, nos últimos dias, uma disputa por cargos comissionados, já que a ordem do presidente foi não ampliar despesas. Para que o governo fosse montado com a mesma folha de pagamentos, sem gerar impactos, os 23 ministérios do governo Bolsonaro passaram por uma desidratação, para ceder vagas aos novos até atingir 37 pastas. O desenho partiu do último ano de governo Lula, em 2010, e tem incomodado ministros.
"Teve muita disputa. Teve e está tendo, de quem ficava com quantos cargos. Todos perderam. Alguns estavam gordinhos", afirmou Costa. Apenas os ministérios da Justiça e Segurança Pública e da Defesa foram poupados. O primeiro porque ampliou atribuições e presença nos Estados, com a Polícia Rodoviária Federal, e o segundo por causa das peculiaridades da carreira militar. Até a Casa Civil teve de ceder.