Em depoimento à CPI da Covid, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta afirmou nesta terça-feira (4) que, durante uma reunião com ministros no Palácio do Planalto, ele teve acesso ao que seria uma proposta de decreto presidencial para fosse sugerida uma mudança na bula da cloroquina. A medida seria feita de uma forma que passasse a indicar o remédio no tratamento da covid-19.
"Ele (Bolsonaro) tinha um assessoramento paralelo. Havia sobre a mesa um papel não timbrado de um decreto presidencial para que fosse sugerido naquela reunião mudar a bula da cloroquina na Anvisa para que na bula tivesse a indicação do medicamento para o coronavírus. O presidente da Anvisa disse que não. Jorge Ramos disse que era uma sugestão", afirmou Mandetta.
O ex-ministro da Saúde citou ainda que testemunhou por diversas vezes a presença de Carlos Bolsonaro, vereador no Rio de Janeiro e filho do presidente, em reuniões ministeriais. "Testemunhei várias vezes reunião de ministros em que o filho do presidente que é vereador do Rio de Janeiro estava sentado atrás dele tomando notas. Eles tinham reuniões dentro da Presidência", disse Mandetta.
Discordâncias
O ex-ministro reiterou as discordâncias entre a sua gestão do Ministério da Saúde e a Presidência da República nos momentos iniciais da pandemia da covid-19 no Brasil.
Durante depoimento à CPI da Covid no Senado, Mandetta disse que todas as recomendações que fez em público - sobre o uso do distanciamento físico e de medicações -, foram feitas também durante reuniões ministeriais e ao presidente Jair Bolsonaro. As orientações, entretanto, não tiveram apoio do mandatário. "Estávamos indo por um caminho e o presidente por outro", destacou.
Segundo o ex-ministro, a determinação para o isolamento social nos momentos iniciais da pandemia seria a medida "adequada". O ex-ministro relatou ter cobrado união em torno de falas de "prevenção e isolamento", as quais seriam "fundamentais". Conforme relatou, apesar de não ter tido "discussões ásperas com Bolsonaro", Mandetta disse que colocou suas recomendações. Apesar das falas, Mandetta afirmou que nunca houve proposta técnica da presidência da República sobre o combate à covid-19.
"Não é possível fazer gestão de doença infecciosa sem separação", afirmou o ex-ministro. "Quando se tem hepatite, separa-se talheres e copos", exemplificou. Segundo Mandetta, o isolamento no início da pandemia seria justificado pelo baixo número de casos, e incidência principalmente entre classes mais altas da sociedade, o que ocupava recursos da rede privada e não pública. Para o ex-ministro, o isolamento social permitiria o preparo do Sistema Único de Saúde (SUS) a fim de receber cidadãos que dependem da rede pública de atendimento. "Vírus era muito competente", disse. "Estávamos com sistema que não tinha condição de responder", afirmou.
Mandetta, que foi exonerado do cargo por Bolsonaro em abril do ano passado, disse ainda que sentia que o fato de levar informações negativas para Bolsonaro fazia com que ele fosse visto pelo presidente como um mensageiro de notícias ruins, e que entende que isso contribuiu para um aumento do distanciamento entre ambos.
Ele afirmou ainda que jamais pediria demissão do cargo, por entender que médico não abandona um paciente doente, mas ao mesmo tempo disse que não negociaria seus valores para permanecer à frente da pasta.
Respiradores
Mandetta também afirmou na CPI que os Estados não ficaram desassistidos em estrutura hospitalar na primeira onda da pandemia porque houve uma ação centralizada do governo federal durante sua gestão. Em depoimento da CPI da Covid nesta terça, Mandetta citou a compra de aproximadamente 15 mil respiradores que foram distribuídos pelo Brasil, com a abertura de um número igual de leitos.
"Passamos a primeira onda sem ter desassistência. Dar chance de a pessoa lutar pela vida é dever de Estado. Demos essa oportunidade e, gradativamente, Estados e municípios fizeram as ações complementares", afirmou Mandetta. "Tivemos sucesso (na compra centralizada de respiradores), foi dali que saíram quase 15 mil respiradores, a um custo de R$ 13 mil o respirador, para todo o território", respondeu Mandetta a um questionamento do relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL).
Constrangimento e testagem em massa
Durante o depoimento, Mandetta disse que havia um constrangimento durante sua gestão à frente da pasta de ter de explicar que o presidente Jair Bolsonaro não seguia as recomendações feitas pelo ministério para conter a covid-19.
Mandetta também declarou que, durante sua gestão, foi elaborada uma estratégia de testagem para covid-19, inclusive com a ordem de compra de kits de testes, mas que após sua exoneração do cargo essa medida não teve continuidade.
"Em março iniciamos todo o processo, fizemos pool de laboratórios, uma série de parceiros, para construirmos toda a lógica de testagem, disparamos processo de aquisição. E depois soube que essa estratégia não foi utilizada. Era maneira muito clara nossa estratégia, testar, testar", afirmou Mandetta.
"Em março de 2020, iniciamos o processo de compra de 24 milhões de testes. Vimos pararem muitas coisas e não colocarem nada no lugar. A testagem é uma delas", citou o ex-ministro.
Um pouco antes, Mandetta refutou a alegação de que, sob sua gestão, o Ministério da Saúde orientou a população a não procurar hospitais quando houvesse sintomas leves de covid-19. O questionamento foi feito pelo relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL). Mandetta classificou a informação como parte de uma "guerra de narrativas".
O ex-ministro da Saúde disse que o contexto era de início da pandemia, quando não havia muito casos registrados de covid-19 no Brasil, muito menos a transmissão comunitária. "O que havia eram pessoas em situação de insegurança, pânico", disse Mandetta, citando ainda que a estratégia em epidemias por viroses é evitar aglomerações.
"Tenho visto essa máxima ser repetida, e tenho percebido que é mais guerra de narrativa, todas as orientações são para dar entrada pelo sistema de saúde", respondeu Mandetta.
Vacinação
Mandetta também foi questionado sobre a vacinação. O ex-ministro afirmou que monitorava todos os testes que estavam sendo realizados no mundo. Porém, até maio do ano passado, os imunizantes ainda estavam em estágio inicial de produção, o que não permitia fechar nenhum acordo.
"Nós sabíamos, tínhamos perfeita convicção [de que saída era vacina]. Doena infecciosa a vírus, a humanidade enfrenta com vacina desde a varíola. A porta de saída era vacina. Nós monitorávamos, mas elas ainda estavam ou no momento de concepção, ou na fase 1, no ratinho, dentro do laboratório", declarou.