A escalada da tensão política no País em meio à retórica persistente do presidente Jair Bolsonaro e aliados contra instituições estimulou nos últimos dias uma série de manifestações em defesa da democracia. Em forma de manifestos, artigos ou mesmo de atos nas ruas, os alertas e as críticas ao atual governo uniram segmentos diversos da sociedade, rivais na política e até mesmo no futebol.
Em Brasília, o presidente voltou a participar ontem de um ato crítico à atuação do Supremo Tribunal Federal. Alguns manifestantes empunharam uma faixa pedindo "intervenção militar". Como tem feito nas manhãs dominicais, Bolsonaro sobrevoou ao ato de helicóptero, acompanhado do ministro da Defesa, Fernando Azevedo. Ele chegou a montar em um cavalo ao se dirigir aos apoiadores.
Horas antes, o decano do Supremo - ministro Celso de Mello - havia encaminhado mensagem a interlocutores na qual afirma que bolsonaristas "odeiam a democracia" e pretendem instaurar uma "desprezível e abjeta ditadura militar". Ele associa nas mensagens o momento político nacional à ascensão de Hitler na Alemanha. "É preciso resistir à destruição da ordem democrática", escreveu em letras maiúsculas o ministro relator do inquérito que apura suspeita de interferência do presidente na Polícia Federal.
Em artigo no Estadão, publicado domingo, Eros Grau, ex-ministro da Corte máxima do País, tratou da separação dos poderes e concluiu que "qualquer insurgência contra essa face do Estado que o Supremo Tribunal Federal é afronta a ordem e a paz social, prenuncia vocação de autoritarismo, questiona a democracia". Juristas também publicaram manifesto intitulado Basta! no qual afirmam que Bolsonaro exerce o mandato "para arruinar com os alicerces do nosso sistema democrático. A defesa da "vida, liberdade e democracia" motivou também a reunião de um grupo de mais de 1,6 mil personalidades de diferentes setores da sociedade e diversos segmentos ideológicos, que subscreveram um manifesto chamado Estamos #Juntos, publicado no sábado no Estadão e em outros jornais do País.
Uma manifestação organizada no domingo por grupos ligados a torcidas organizadas de futebol reuniu corintianos, palmeirenses, santistas e são-paulinos na Avenida Paulista. Vestidos de preto, eles entoaram coro pela democracia e contra Bolsonaro, fazendo contraponto a um grupo menor de apoiadores do presidente presente na avenida. Houve confronto entre manifestantes e a Polícia Militar dispersou o grupo de torcedores com bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo.
São Paulo
Um ato contra o governo Jair Bolsonaro, autointitulado pró-democracia e antifascista e organizado por grupos ligados a torcidas de futebol na Avenida Paulista, terminou ontem em confronto entre manifestantes e apoiadores do presidente e também com a Polícia Militar - que interveio e usou bombas de gás lacrimogêneo para dispersar o início de uma briga em frente ao Museu de Arte de São Paulo (Masp).
A confusão, que durou ao menos uma hora, tomou conta da avenida e deixou um rastro de destruição: vidros quebrados, caçambas de lixo e entulho revirados e fogo ateado em objetos no meio da via. Seis pessoas foram detidas, segundo a PM.
No início da tarde, os participantes do ato convocado pelos coletivos se reuniram no Masp - eles ocuparam boa parte da faixa em frente ao museu. Os manifestantes gritavam "democracia", vestiam preto e usavam máscaras em razão da pandemia do novo coronavírus. A marcha teve início por volta de 12h.
Integrantes da manifestação levavam faixas com dizeres como "somos democracia". Parte dos participantes era da torcida organizada Gaviões da Fiel, do Corinthians. Eles cantaram músicas da torcida e paródias como "doutor, eu não me engano, o Bolsonaro é miliciano". No ato, também havia torcedores do Palmeiras, do São Paulo e do Santos.
A poucos metros dali, em frente à sede da Federação das Indústrias de São Paulo, um grupo de manifestantes pró-Bolsonaro realizava um ato no local. A maioria vestia verde e amarelo. A PM havia separado os grupos. A briga em frente ao Masp envolvendo os manifestantes e a PM começou por volta das 14h20.
De acordo com o organizador do movimento Somos Democracia, o corintiano Danilo Pássaro, de 27 anos, a manifestação no Masp transcorria de forma pacífica e, segundo ele, já se encaminhava para o final, quando, por volta das 14 horas, "três ou quatro pessoas" com camisetas com inscrições neonazistas se infiltraram no grupo. Segundo Danilo, além deles, chegaram também três outras pessoas com farda militar, o que teria iniciado o tumulto. "Até então, estava tudo calmo. Nossas faixas eram pela democracia."
A PM passou a usar bombas de gás lacrimogêneo para dispensar os manifestantes. A partir daí a confusão aumentou e se estendeu por boa parte da avenida Paulista, em direção ao metrô Consolação. Um grupo passou a jogar pedras e outros objetos contra os policiais. Outros fizeram barricadas com uma caçamba de lixo. O disparo de bombas durou ao menos 40 minutos.
O tenente-coronel André Rosário da Silva, do 13° Batalhão da PM, que atendeu a ocorrência, afirmou que a PM agiu para dispersar um confronto que havia ocorrido entre os integrantes dos protestos rivais.
O governador de São Paulo, João Doria, defendeu a ação da PM no ato deste domingo. "A Policia Militar de São Paulo agiu hoje (ontem) para manter a integridade física dos manifestantes, na Avenida Paulista. Dos dois lados. A presença da PM evitou o confronto e as prováveis vítimas deste embate", escreveu no Twitter.
O secretário executivo da Polícia Militar, coronel Álvaro Camilo, afirmou ao Estadão que a corporação deverá agir nas próximas horas para tentar identificar os responsáveis pelo confronto.
Rio
No Rio, um grupo de torcedores da Democracia Rubro-Negra também fez ato contra Bolsonaro, na orla da Praia de Copacabana. Em meio à divisão entre as duas manifestações, um policial militar afirmou ao deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) que tinha mandado queimar uma bandeira do grupo contrário ao presidente.
Em Belo Horizonte, um grupo de pessoas também organizou um protesto contra o presidente Bolsonaro. A manifestação trazia cartazes de torcidas organizadas de futebol, como Resistência Alvinegra e Galo Antifa. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.