Depois de receber ligações do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o senador Marcos Do Val (Podemos-ES) mudou sua versão sobre a denúncia de que fora montada uma operação para barrar a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a mando do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Ao falar em seu gabinete, Do Val agora diz que o plano, na verdade, foi do ex-deputado Daniel Silveira, que foi preso nesta quinta-feira, 2, por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF) por violação de decisão judicial.
O senador, que anunciara em rede social na madrugada que iria renunciar ao mandato, também mudou de ideia. Disse que Eduardo e Flávio Bolsonaro e outros políticos com quem conversou o convenceram a não abandonar a cadeira de senador. Ele nega que os filhos do ex-presidente tenham pressionado para que mudasse a história narrada em transmissão ao vivo e em entrevistas à imprensa.
Na versão original, detalhada pela revista Veja, Bolsonaro teria recebido Do Val numa reunião no Palácio da Alvorada e sugerido que o parlamentar gravasse o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes. Segundo essa versão, Bolsonaro chamou Do Val à residência presidencial para dar a ele essa missão. A ideia seria obter uma declaração comprometedora que pudesse resultar na desmoralização de Moraes e até mesmo em sua prisão, o que impediria a diplomação de Lula como presidente pelo TSE.
Na nova versão apresentada por Do Val, a ideia não partiu de Bolsonaro, mas de Daniel Silveira. "O que ficou claro para mim foi o Daniel achando uma forma de não ser preso de novo, porque toda hora ele descumpria as ordens do ministro (Moraes). Ficou muito claro que ele estava num movimento de manipular e ter o presidente (Bolsonaro) comprando a ideia dele", afirmou Do Val em entrevista coletiva em seu gabinete no Senado.
Segundo o senador, o plano foi apresentado na frente do ex-presidente em reunião no Alvorada. A nova declaração coincide com as falas feitas hoje no Senado por Flávio Bolsonaro, que disse não ter visto crime algum no caso e que tudo não passou de ideia de Daniel Silveira.
"O presidente (Bolsonaro) estava numa posição semelhante à minha, ouvindo uma ideia esdrúxula do Daniel", disse Do Val. "Quando a imprensa diz que ele me coagiu, isso não confere", prosseguiu o senador desmentindo as falas feitas em live durante a madruga, quando afirmou que Bolsonaro o "coagiu para que eu pudesse dar um golpe de Estado junto com ele".
Ao tentar desvincular Bolsonaro das acusações, o senador acabou admitindo a participação do ex-presidente ao dizer que ele deu tempo para que pensasse na tentativa de golpe. Pela tarde, em entrevista à GloboNews, Do Val afirmou que ao fim da conversa no Alvorada, ele disse aos presentes que precisava pensar sobre a participação, e o então presidente teria respondido: "Então a gente espera".
Apesar das mudanças na história e das inconsistência no discurso, Do Val repetiu que um aparato de inteligência, com uso de escutas e veículo oficial de captação do áudio, já estariam prontos para auxiliá-lo na missão de incriminar Moraes. O senador não explicou quem patrocinaria a empreitada, mas sugeriu que poderia ter o envolvimento de órgãos especializados na área, como o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que iriam acompanhar toda a operação golpista do lado de fora do STF.
Do Val ainda negou a presença de outras pessoas na reunião, como consta na reportagem publciada pela revista Veja. Ele negou o envolvimento de militares no plano, sobretudo o de generais que atuaram no governo, como os generais Walter Braga Netto, Augusto Heleno e Luiz Eduardo Ramos. "A reunião foi apenas eu, Silveira e Bolsonaro", enfatizou.
Nesta quinta, o ministro Moraes aceitou um pedido da Polícia Federal (PF) e determinou que Do Val preste depoimento em até cinco dias no inquérito que investiga o governador afastado do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, e o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, durante o governo Bolsonaro, por tentativa de golpe no ataque à sede dos Três Poderes no dia 8 de janeiro.
Após mudar a versão e agora dizer que o presidente ficou com postura de ouvinte, o senador acrescentou outro detalhe. Do Val disse que, antes de ir ao encontro de Bolsonaro, consultou o ministro Alexandre de Moraes se "poderia" ir à residência presidencial. "Na quinta-feira, antes de ir à reunião com ele (Bolsonaro), eu fui ao STF, conversei com ministro Alexandre de Moraes, porque o processo todo referente ao Daniel (Silveira) é com ele, e perguntei: 'Ministro, o senhor acha que eu devo ir ou não devo ir?'. Aí o ministro disse: "Vai porque informações são importantes'. E assim eu fui", relatou o senador.
Conforme relato do senador, depois da conversa com Bolsonaro e Silveira, ele enviou mensagens a Moraes para agendar o segundo encontro e contar a proposta apresentada.
Do Val afirmou que não tem nenhuma gravação ou registro do diálogo travado entre ele, Silveira e Bolsonaro. Contou ainda que, porque Bolsonaro ficou parte da conversa calado, desconfiou que estivesse sendo "gravado". O senador afirma que depois notou que estava na residência do presidente, mas que não sabia se era o Palácio da Alvorada. Ele disse não conhecer um dos prédios mais icônicos da capital federal. Mais cedo, o senador havia dito que achava estar na Granja do Torto. "Como eu vi o presidente em silêncio, porque a gente só conversou sobre o acampamento, quando entrou nesse assunto ele ficou em silêncio, achei que ele pudesse pelo GSI estar gravando alguma coisa", disse Do Val, em nova versão.
Do Val disse que decidiu denunciar a história em público apenas após a posse do novo Congresso porque estava sendo acusado de traição ao bolsonarismo, na eleição do novo presidente do Senado. Ele prometeu votar no senador Rogério Marinho (PL-RN), ex-ministro apoiado por Bolsonaro. Após a derrota, foi flagrado abraçando o vencedor, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e Davi Alcolumbre (União-AP).