Na segunda semana como ministro das Comunicações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Juscelino Filho abriu as portas de seu gabinete para o sócio oculto de uma empresa que recebeu R$ 2,9 milhões de verbas do orçamento secreto direcionados por ele. O ministro omitiu a audiência, realizada no dia 11 de janeiro, de sua agenda oficial divulgada pelo governo.
Quem divulgou a reunião foi o empresário. Diogo Tito Salém Soares postou em suas redes sociais uma foto ao lado do ministro, que chamou de "nosso líder político" e "amigo". Tito foi explícito sobre o motivo da visita: "Tratamos sobre várias questões que podem em breve vir a melhorar a qualidade de vida de todos os brasileiros (...) através de ações pelo ministério".
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No papel, o "amigo" do ministro é apenas um dirigente do União Brasil em Codó, município maranhense. Mas, na prática, Tito é o verdadeiro dono da Mubarak Construções, uma empresa que, a rigor, não tem relação alguma com a área das comunicações. À Receita Federal, a empresa declara que atua em atividades de construção, oferece transporte escolar, aluga automóveis e vende pescados e frutos do mar.
Em 2020, o ministro direcionou R$ 2,9 milhões para a prefeitura de Vitorino Freire (MA) - comandada por sua irmã -, que fechou por esse valor dois contratos com a empresa do amigo de Juscelino. O dinheiro foi liberado no fim do ano passado, pouco antes de ele ser escolhido pelo presidente Lula para chefiar a pasta das Comunicações. Na época, Juscelino, filiado ao União Brasil, exercia o mandato de deputado federal.
Oficialmente, a empresa do amigo do ministro está em nome de Hygonn Wanrlley Santos Lima. Com 23 anos, ele foi beneficiário do auxílio emergencial na pandemia da covid-19. A reportagem identificou que Tito era o verdadeiro dono da firma ao cruzar o endereço e o telefone apresentados por ele à Justiça Eleitoral com o da empresa. Ele disputou mandato de deputado, sem sucesso.
Procurado, Tito admitiu ser o proprietário da Mubarak. Ele pediu à reportagem que não divulgasse a informação para não "prejudicar" seus "negócios". O empresário argumentou que é "amigo de infância" do ministro e se contradisse ao afirmar que se reuniu no gabinete de Juscelino em Brasília para "tratar de questões políticas do União Brasil" e das "próximas eleições" municipais. Sobre a função exercida por Hygonn, Tito afirmou: "Ele está sendo tipo um executivo meu, digamos assim".
Orçamento secreto
Nesta semana, o Estadão revelou que Juscelino direcionou R$ 7,5 milhões do orçamento secreto que foram parar no caixa da Construservice. Outra empresa em nome de laranja e que tem como sócio oculto um conhecido do ministro de 20 anos. O contrato prevê asfaltar uma estrada que passa em frente à fazenda de Juscelino.
Outro fato em comum é que as obras tocadas pela Mubarak e pela Construservice, ambas de asfaltamento, foram autorizadas por um funcionário da Codevasf indicado pelo grupo político do ministro e que está afastado acusado de receber propina de R$ 250 mil em troca de dar aval para os projetos.
O Estadão também mostrou nesta terça, 31, que o ministro prestou informações falsas à Justiça Eleitoral sobre gastos em viagens de helicóptero na campanha do ano passado. Assim, conseguiu receber R$ 385 mil do fundo eleitoral.
No Ministério das Comunicações, Juscelino administra R$ 3 bilhões. Ele chegou ao cargo indicado por um grupo do Centrão que inclui o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) e a deputada eleita Danielle Cunha (União Brasil-RJ), filha do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, que autorizou, em 2015, o impeachment de Dilma Rousseff.
'Legítimos'
Procurado para esclarecer sua ligação com Diogo Tito e o direcionamento das verbas que beneficiaram a Mubarak, Juscelino respondeu que as "emendas RP9 são instrumentos legítimos, que beneficiaram diversas comunidades carentes do interior do Maranhão, tratando-se de medida perfeitamente legal". Ele referiu-se ao orçamento secreto, um instrumento considerado ilegítimo pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que mandou acabar com o repasse oculto de dinheiro público.
O ministro não explicou por que omitiu da agenda o encontro com o empresário. "Os citados pela reportagem foram candidatos e é legítimo e correto que o ministro mantenha diálogo com políticos", disse.
Na campanha, Lula afirmou que o orçamento secreto é o maior esquema de corrupção da República. "O destino desses recursos é mantido em segredo. Mas todo mundo sabe para onde vai: fraudes e desvios de verbas", disse ele.