BRASÍLIA - O ministro das Comunicações, Juscelino Filho, confirmou ter enviado R$ 5 milhões em verba do orçamento secreto para asfaltar uma estrada que passa em frente à própria fazenda, em Vitorino Freire (MA), denominada Fazenda Alegria. No local, ele também construiu uma pista de pouso e um heliponto para uso pessoal.
O Estadão mapeou o caminho do dinheiro. Todo o percurso liga pessoas da intimidade do ministro. A pedido dele, os recursos foram parar na cidade que tem sua irmã como prefeita. A empresa contratada pelo município para tocar a obra é de um conhecido de longa data. E o engenheiro da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) que deu aval para o projeto foi indicado por seu grupo político.
Juscelino admitiu conhecer o empresário Eduardo José Barros Costa, o Eduardo Imperador, apontado pela Polícia Federal como sócio oculto da empresa Construservice, que receberá pelo serviço. "É conhecido de Juscelino Filho há mais de 20 anos, antes mesmo de se tornar parlamentar", destacou a nota enviada pela assessoria do ministro.
Cinco meses após a assinatura do contrato, Eduardo Imperador foi preso pela Polícia Federal, acusado de pagar propina a servidores federais em troca de obras na cidade e de ser sócio oculto da Construservice. O ministro disse que as fazendas beneficiadas estão desde os anos 1980 nas mãos de sua família e argumentou que elas são cercadas por "inúmeros povoados".
"Considerar que a estrada de 19 km de extensão, que recebeu, sim, recursos de emenda do parlamentar, via convênio com a Codevasf, beneficiou apenas sua propriedade é no mínimo leviano, uma vez que a estrada liga os povoados de Estirão e Jatobá", diz um trecho do comunicado.
Os laços familiares e afetivos do ministro com a região são "profundos", segundo a nota. "É natural e previsível que, na qualidade de parlamentar, Juscelino Filho tenha o compromisso de levar recursos para a região, sua base política". O titular das Comunicações assinalou que as propriedades rurais da família "são frutos de investimentos realizados ao longo de décadas" e passam "de pai para filhos".
A obra de pavimentação foi orçada em R$ 7,5 milhões, dos quais R$ 5 milhões são para fazer um trecho de 19 km em frente às suas terras. O restante atende 11 ruas em povoados da cidade. Juscelino indicou a verba do orçamento secreto para fazer a estrada em 2020, quando era deputado federal. Às vésperas da eleição, no ano passado, mais R$ 1,5 milhão foi liberado.
Salário mantido
A Codevasf alegou desconhecer que a estrada passa por fazendas do ministro e seus familiares. Disse que a responsabilidade pela seleção da empresa e pela indicação das estradas contempladas é da prefeitura. A companhia confirmou que afastou Julimar Alves da Silva Filho, gerente regional de empreendimento de irrigação, acusado pela Polícia Federal de receber propina de R$ 250 mil da Construservice, mas disse que ele continua recebendo salário de R$ 20 mil por mês.
O secretário de Administração de Vitorino Freire, Josué Lima de Alencar, afirmou que a escolha das estradas para receber o asfalto foi feita pelo município e que a empresa foi selecionada de acordo com os pré-requisitos da licitação.
"Licitação pública não tem escolha de prefeito, não tem escolha de deputado. O senhor é repórter, deve saber como é feita uma licitação, né?", perguntou. Alencar desligou o telefone quando perguntado por que a prefeitura decidiu asfaltar a estrada que passa em frente à fazenda de Juscelino.
O Estadão tentou localizar a prefeita de Vitorino Freire, Luanna Rezende (União Brasil). As mensagens não foram respondidas. Irmã de Juscelino, ela aparece nos registros oficiais como dona de ao menos um dos imóveis cortados pela estrada que será pavimentada com verba enviada pelo ministro. Os demais pertencem a Juscelino ou à mulher dele. Em Vitorino Freire, o haras está em nome de Luanna.
Procurado, o advogado Tharick Santos Ferreira, que atua na defesa da Construservice e do empresário Eduardo José Barros Costa, conhecido como Eduardo Imperador, não se manifestou.