Em um fato inédito, os nove ministros que já ocuparam a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República se uniram para lançar nesta quinta-feira uma campanha contra a proposta de emenda constitucional que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos.
"É um dia extraordinário, uma demonstração de unidade de pessoas de diferente tendência política formando uma frente suprapartidária em defesa das crianças e adolescentes para impedir que seja aprovado o projeto de reduzir a idade de responsabilidade penal", disse a jornalistas o atual ministro da pasta, Pepe Vargas.
O ministro e seus ex-colegas assinaram um documento no qual destacam que "é falso e mistificador afirmar que os adolescentes envolvidos em atos violentos são impunes por falta de legislação adequada".
No ato de lançamento da iniciativa, Vargas e os ex-ministros reforçaram os dados oficiais que mostram que menos de 1% dos delitos são cometidos por menores de 18 anos.
"É irresponsável fazer a população acreditar que a insegurança pública será diminuída pondo adolescentes de 16 anos no sistema penitenciário de adultos", afirma o documento.
Do governo de Dilma Rousseff estiveram presentes Vargas e as ex-ministras Ideli Salvatti e Maria do Rosário Nunes, enquanto a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva foi representada por Paulo Vannucchi e Nilmário Miranda.
"Somos rivais políticos, mas quando nos unimos fazemos coisas boas para democracia, como quando estes setores se uniam contra a ditadura militar", comentou Miranda à Agência Efe.
Vannuchi, por sua parte, hoje membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (CIDH), enfatizou a importância de "esclarecer" à sociedade sobre a redução da maioridade penal e condenou "meios de comunicação que se declaram abertamente a favor da pena de morte e satanizam os jovens infratores".
No ato estiveram presentes ainda os ex-ministros do governo de Fernando Henrique Cardoso, José Grégori, Gilberto Saboia e Paulo Sérgio Pinheiro, este último presidente da Comissão Independente de Investigação sobre a Síria no âmbito da ONU.
"É importante mostrar unidade neste momento perante uma tentativa de retrocesso de nossa democracia", declarou à Efe Pinheiro, também integrante da Comissão da Verdade que averiguou os crimes da ditadura.
Em sua exposição, Pinheiro acusou os parlamentares que impulsionam a emenda constitucional de serem "financiados pela indústria bélica e carecer de moral para falar de violência".
"Estes parlamentares são eleitos graças a fundos sem controle das empresas de armamento e de igrejas evangélicas fundamentalistas que estão impondo uma agenda de direita no Congresso", alertou.
Por sua vez, Gregori comentou que "a luta contra a violência, pelo amor de Deus, é uma bandeira que cabe na mão de quem defende os direitos humanos. Quem fabrica, vende e lucra com as armas e a segurança não pode posicionar-se contra a violência".
Além disso, Vargas ressaltou que fora do Brasil também não existem modelos bem-sucedidos que contemplem endurecer a sanção aos adolescentes infratores com penas para adultos.
"Não existem dados de que a redução resolva o problema. Os Estados Unidos adotaram a prisão perpétua para adolescentes em 1996 e as penas aumentaram cinco vezes", comentou o atual ministro.
Caso a lei seja aprovada, Vargas lembrou que haverá espaço dentro do governo e da sociedade civil para questionar a constitucionalidade da emenda, já que, segundo o ministro, bate de frente com a Carta Magna de 1988, redigida após o fim da ditadura militar.