BRASÍLIA - O ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública Sergio Moro conta no Congresso com o apoio de uma bancada suprapartidária. Só o grupo Muda Senado possui 20 integrantes, número superior aos 14 senadores do MDB, maior partido da Casa. O principal partido "morista" e pró-Lava Jato é o Podemos, legenda com dez dos 81 senadores e 12 dos 513 deputados.
Nomes do Podemos como os senadores Alvaro Dias e Oriovisto Guimarães - ambos do Paraná - e a deputada Renata Abreu (SP), presidente nacional da legenda, não escondem o desejo de uma filiação do ex-juiz da Operação Lava Jato.
Ao anunciar sua demissão do governo, na sexta-feira passada, Moro deixou aberto seu futuro. "Independentemente de onde eu esteja, sempre vou estar à disposição do País", disse. O Podemos, rapidamente, marcou posição. "Estamos certos de que Sérgio Moro continuará esse bom combate, agora em outra esfera", disse a cúpula do partido, em nota na qual o ex-ministro é descrito como "verdadeiro titã" e a saída dele do governo de Jair Bolsonaro é considerada a "derrota da ética".
Ao Estado, os líderes da legenda disseram que aguardam "o tempo" do ex-magistrado, que, segundo eles, não tem motivos para se filiar "às pressas". Se vier a disputar a Presidência em 2022, o ex-ministro poderá escolher um partido até março do ano da eleição. Para Renata Abreu, uma filiação precipitada poderia dar mais argumentos à base bolsonarista, que tenta desqualificar o ex-ministro. "Seria uma irresponsabilidade nossa fazer cooptação política numa hora de crise grave como essa. Esse tempo é do Moro. Se um dia ele quiser conversar, estaremos à disposição. Qualquer conversa política agora será usada como justificativa para a discórdia entre ele e o presidente", disse a presidente do Podemos.
"Temos mais convergência em função da identificação entre nós, temos a pauta dele como prioridade. É natural, sem assédio. Vamos dar um tempo para ele se definir. Ele vai ter uma ressaca de alguns dias e tem que se defender das pedras do presidente", afirmou Álvaro Dias. "Se ele tiver essa disposição, o melhor lugar seria conosco mesmo", disse o senador.
Um dos mais entusiasmados com a possibilidade de ter Moro como candidato, Oriovisto Guimarães adota um tom de espera. "O homem está com a cabeça quente. Não houve essa conversa, ainda. Não sei se ele vai ter estômago para entrar na política, mas espero que tenha", declarou.
Sonho de consumo de siglas de centro-direita sem um candidato reconhecido nacionalmente, Moro não deve ser assediado apenas pelo Podemos. No ano passado, circulou nos bastidores um aceno do Republicanos, mas a legenda está em aproximação com o Planalto e aceitou abrigar os filhos do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (RJ) e o vereador pelo Rio Carlos Bolsonaro. "Vamos ver os próximos capítulos", disse o deputado Marcos Pereira (SP), presidente do partido. Até a bancada do PSD chegou se unir em defesa de pautas de Moro no Congresso. Delações da Lava Jato, porém, atingiram tanto dirigentes do Republicanos quanto do PSD, o que pode poderia enfraquecer o discurso do ex-juiz.
Enquanto esteve no governo, Moro desautorizou articulações sobre seu ingresso em qualquer partido. Nas palavras de um aliado, o ex-juiz "ficava apavorado com especulações dele na política", pois incendiavam o fogo amigo interno no governo. Assim como Moro aceitar virar ministro depois de, anos antes, descartar essa possibilidade, a cúpula do Podemos nutre a esperança de que o ex-juiz seja "contaminado pelo vírus da política".
No início deste ano, a imagem de Moro foi fartamente exposta pelos organizadores do partido Aliança pelo Brasil, que Bolsonaro tenta criar, e sua filiação foi novamente especulada. À época, porém, o ministro demissionário descartou o ingresso em qualquer partido.
Temas
O Podemos começou uma preparação para, numa data até pouco tempo indefinida, poder receber Moro. O partido adotou postura independente no Congresso, votando majoritariamente favorável aos projetos do governo Bolsonaro, sem deixar de lado críticas frontais ao que considerava enfraquecimento no combate à corrupção por decisão do presidente, como as mudanças no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), alterações no pacote anticrime e a lei de abuso de autoridade. As posições invariavelmente coincidiam com as de Moro, parcialmente derrotado nos projetos.
O Podemos chegou a expulsar o deputado Marco Feliciano (SP), pastor evangélico que é fiel escudeiro de Bolsonaro, e trabalha para ser candidato a vice-presidente em uma futura tentativa de reeleição do presidente. Feliciano é crítico de Moro e hoje disse estar "fechado com o Bolsonaro".
O partido atraiu a ira do bolsonarismo ao quebrar o monopólio do Palácio do Planalto sobre o capital político de Moro e da Operação Lava Jato. Filho do presidente com mais influência nas redes sociais, Carlos Bolsonaro comparou o Podemos a um "partido vermelho", em referência ao comunismo.