O vice-presidente Hamilton Mourão teve 25% mais compromissos fora do Palácio do Planalto do que Jair Bolsonaro desde o início do mandato. No foco de críticas de aliados do presidente, principalmente de seu filho Carlos, vereador no Rio, Mourão se notabilizou neste início de mandato por ser um vice atuante, com agenda independente. Nesta sexta-feira, 26, o vice-presidente se reuniu com o governador do Piauí, o petista Wellington Dias, no Palácio de Karnak, sede do Executivo estadual.
Embora o antipetismo seja uma bandeira de Bolsonaro, Mourão disse que teve uma conversa "franca, tranquila" com o governador, na qual "debateu, de forma republicana, honesta e sincera, os problemas que atingem o País como um todo e, em particular, o Estado do Piauí". Em seguida, o vice recebeu o título de cidadão piauiense durante solenidade na Assembleia Legislativa.
Nestes quase quatro meses de governo Bolsonaro, Mourão deixou o gabinete para participar de eventos e reuniões 97 vezes — em 14 delas, estava exercendo a Presidência enquanto o titular permanecia internado ou em viagem oficial. Bolsonaro saiu do Planalto para 78 compromissos.
O número de compromissos do presidente e vice fora de Brasília é similar: Bolsonaro cumpriu 64 agendas oficiais fora da capital federal — esteve no Rio, São Paulo, Brumadinho, Foz do Iguaçu, Macapá e em quatro países. Mourão foi a 71 agendas. Passou por dois países e esteve em mais cidades brasileiras que Bolsonaro: Rio, São Paulo, Sorriso (MT), Caxias do Sul (RS), Carazinho (RS), Não-Me-Toque (RS), Porto Alegre (RS), Manaus (AM) e Teresina (PI).
O levantamento do Estado foi feito com base nas agendas oficiais do Planalto. Foram desconsideradas agendas apontadas como reuniões particulares, pousos e decolagens e translados. Os números mostram o que talvez seja o motivo das rusgas públicas entre o vice e pessoas próximas e aliados de Bolsonaro, como os filhos Carlos e Eduardo (deputado federal pelo PSL) e o escritor Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo.
Enquanto Bolsonaro costuma receber políticos em seu gabinete e encontrou líderes fora do Planalto quatro vezes, Mourão fez visitas a políticos em dez ocasiões, incluindo encontros com nomes da oposição. A participação de Mourão em eventos com empresários e políticos já rendeu críticas de colegas do próprio governo, que veem nesse tipo de movimento a tentativa de assumir um papel de protagonista no governo e se contrapor a Bolsonaro — desde a posse, o vice divergiu publicamente do presidente em algumas ocasiões.
Durante a semana, Carlos Bolsonaro comandou uma ostensiva onda de ataques contra Mourão nas redes sociais. Bolsonaro reconheceu o clima de tensão. A fim de minimizar os problemas, porém, comparou as dificuldades às de um casamento. "E esse casamento é, no mínimo, até 2022", afirmou. "Vice é sempre uma sombra e, às vezes, não se guia de acordo com o sol. Mas, por enquanto, está tudo bem."
Nunca houve um vice tão ativo, afirma analista
Na avaliação do cientista político Marco Antônio Teixeira, da FGV-SP, Mourão ocupou espaços por causa da saúde debilitada de Bolsonaro e teve protagonismo porque a interlocução da Presidência não era "suficientemente adequada". "Mourão agiu como bombeiro, alguém que tentava dar uma interpretação para declarações de Bolsonaro que criavam um mal-estar. Por vezes, ele virou um presidente enquanto o presidente agia como deputado."
Segundo Teixeira, nunca houve um vice tão ativo. "Mas é ativo porque há uma lacuna." Para ele, o fim da "guerra fria" depende mais da família do que do vice. "Isso só se resolve se os atores externos ao governo se comportarem. Essa artilharia não é só contra o Mourão, é contra o núcleo mais estruturado e estratégico do governo, o militar."
O cientista político Maurício Fronzaglia, do Mackenzie, afirmou que a falta de sintonia se deve à falta de um papel claro de Mourão no governo. "A função dele não parece bem definida."
Na sexta-feira, com segurança reforçada, o vice se emocionou ao falar do avô, piauiense que migrou para o Amazonas. A solenidade em Teresina foi prestigiada pelos parlamentares petistas. "Por uma questão de urbanidade", afirmou o deputado Franzé Silva.
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