MP quer levar ao Supremo decreto de Bolsonaro que exonera peritos antitortura

12 jun 2019 - 13h27

O decreto presidencial publicado nesta terça-feira, 11, exonerando todos os onze peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) "é inconstitucional e fere uma série de compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro". O entendimento é da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), braço do Ministério Público Federal, e foi encaminhado, por meio de uma representação à procuradora-geral, Raquel Dodge. As informações foram divulgadas pela Assessoria de Comunicação e Informação da Procuradoria do Cidadão.

A sugestão é para que uma arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) seja enviada para análise pelo Supremo. O documento é assinado em conjunto com a Câmara do Ministério Público Federal de Controle Externo da Atividade Policial e Sistema Prisional.

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O Decreto 9.831, de 10 de junho de 2019, alterou o Decreto 8.154/2013 e passou a estabelecer que a participação no Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura "será considerada prestação de serviço público relevante, não remunerada".

Para a Procuradoria, ao criar uma espécie de "trabalho voluntário", a medida inviabiliza a prevenção e o combate à tortura - em contrariedade ao fundamento vetor do Estado Democrático de Direito, que "é a dignidade da pessoa humana".

No conjunto de argumentos, que não se restringe a uso exclusivo pelo Ministério Público Federal, a Procuradoria destaca que "o Brasil, nacional e internacionalmente, tem o compromisso de efetivar, da forma mais eficaz possível, a prevenção e o combate à tortura e a outros tratamentos desumanos ou degradantes". Para tanto, deve contar com mecanismos nacionais, os quais devem ter a garantia da independência funcional e de seu pessoal.

"Com esse propósito é que foi editada a Lei 12.847/2013, instituindo o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e criando os respectivos Comitê e o Mecanismo no âmbito da administração pública federal."

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De acordo com a Procuradoria do Cidadão, o Decreto 9.831 "afronta a literalidade e o espírito da Lei 12.847/2013, ofendendo os princípios da legalidade e da separação de poderes".

A Procuradoria assinala que os decretos têm por função disciplinar a execução da lei, ou seja, explicitar o modo pelo qual a administração operacionalizará o cumprimento da norma legal.

"Quando muito, o decreto pode aclarar conceitos jurídicos ou preencher um preceito normativo de conteúdo abstrato, cuja densificação foi intencionalmente delegada pelo legislador ao Poder Executivo", destaca.

"Mas, mesmo nesses casos, um decreto não pode alterar o objetivo da norma legal, bem como ampliar ou reduzir sua abrangência - que é o que ocorre com o Decreto 9.831/2019", aponta a Procuradoria.

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O dispositivo impugnado altera substancialmente o sentido do artigo 8.º da Lei 12.847, que é disciplinar o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura "em conformidade com o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, pois, ao invés da independência dos peritos, mediante remuneração adequada, investe no voluntarismo".

Ainda de acordo com a Procuradoria, a medida "tem o efeito perverso da possibilidade de gerar insuficiência de peritos, na eventualidade de voluntários serem em número inferior à composição legal do MNPCT (onze membros), também aqui afetando a sua missão convencional e legal".

Independência

O órgão do Ministério Público Federal observa que a conformação do MNPCT está em absoluta conformidade com as diretrizes constantes do Protocolo Facultativo. "Donde se conclui que a independência dos peritos é, também na lei, um imperativo."

"A adoção de padrões de prevenção à tortura, mediante a implantação de mecanismos nacionais integrados por peritos independentes e, por isso, com remuneração adequada, que realizem visitas permanentes a espaços de privação de liberdade, é um imperativo a um só tempo de ordem constitucional e de direito internacional, e está centrado na perspectiva de que as obrigações de direitos humanos são de natureza acumulativa e progressiva, com proibição permanente de retrocesso", ressalta o documento.

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No texto, a Procuradoria lembra ainda que o Brasil tem, na atualidade, a terceira maior população carcerária do mundo, atrás apenas de Estados Unidos da América e China. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, são mais de 600 mil presos em todo o País.

Considerando apenas o período mais recente, a Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou medidas provisionais para as seguintes instituições: Complexo Penitenciário de Curado, Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, Complexo Penitenciário de Pedrinhas e Unidade de Internação Socioeducativa (UNIS).

"O Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, desde sua primeira missão, vem identificando práticas de tortura e de tratamento cruel, desumano e degradante em todas as unidades visitadas. Seus relatórios, sempre com metodologia conhecida, são minuciosos na descrição. Certamente, é o êxito dessa atuação, e não o seu fracasso ou o seu baixo resultado, a razão das alterações agora promovidas na remuneração de seus peritos", afirma a Procuradoria.

O Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura é composto por 11 especialistas independentes, que têm como prerrogativa a visita e identificação de violações de direitos humanos em instituições de privação de liberdade - tais como centros de detenção, estabelecimentos penais, hospitais psiquiátricos, abrigos para idosos, unidades socioeducativas ou centros militares de detenção disciplinar.

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Em conjunto com o Comitê Nacional de Combate à Tortura, o órgão atende a compromisso internacional assumido pelo Estado brasileiro em 2007, com a ratificação do Protocolo Facultativo à Convenção Contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes da Organização das Nações Unidas (ONU).

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