MPF denuncia agentes por sequestro de militante na ditadura

O Ministério Público Federal (MPF) denunciou três agentes da repressão por sequestro e tortura do advogado Paulo de Tarso Celestino da Silva

16 jul 2020 - 16h45
(atualizado às 16h58)
Os anos após o AI-5 foram os mais violentos da ditadura militar
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Foto: ARQUIVO NACIONAL / BBC News Brasil

O Ministério Público Federal (MPF) denunciou por sequestro e cárcere privado três militares ou ex-militares acusados de sequestrar e torturar o advogado Paulo de Tarso Celestino da Silva, preso no final de julho de 1971 e desaparecido até hoje. Segundo a denúncia, a vítima era militante político contrário à ditadura militar e por isso foi preso e torturado em um imóvel situado em Petrópolis (Região Serrana do Rio) e conhecido como "Casa da Morte".

Os agentes acusados são Rubens Gomes Carneiro, conhecido como Boamorte ou Laecato, Ubirajara Ribeiro de Souza, conhecido como Zé Gomes ou Zezão, e Antonio Waneir Pinheiro Lima, apelidado Camarão. A pena-base para esse crime é de dois a oito anos de prisão, mas neste caso pode ser aumentada se a Justiça aceitar as circunstâncias agravantes apontadas pelos autores da denúncia.

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Segundo o MPF, esse episódio configura crime contra humanidade e por isso não se submete à Lei de Anistia nem a regras de prescrição, conforme sentenças emitidas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, que cobraram do Brasil a investigação e punição das violações de direitos humanos cometidas durante a ditadura militar.

Paulo de Tarso nasceu em Morrinhos (GO), em 26 de maio de 1944, e após se formar em Direito passou a atuar como ativista político, na luta armada contra o regime militar. Na época de sua prisão havia sido eleito comandante nacional da Aliança Libertadora Nacional (ALN), grupo de oposição à ditadura.

Segundo o MPF, Paulo foi preso e submetido a intensas agressões físicas e psicológicas. Primeiro ele foi torturado nas dependências do DOI-CODI/RJ, na Tijuca (zona norte do Rio), e depois levado para a "Casa da Morte", na rua Arthur Barbosa, nº 668 (atual nº 50), em Petrópolis, onde foi vista pela última vez, em poder dos denunciados.

Na "Casa da Morte" a tortura foi mais intensa, afirma a denúncia. Paulo foi obrigado a ingerir grande quantidade de sal, sendo posteriormente privado de ingestão de água por longo período, apesar de suas súplicas, conforme testemunhou Inês Etienne Romeu, outra ativista política presa e torturada no mesmo local: "Colocaram-no no pau de arara, deram-lhe choques elétricos, obrigaram-no a ingerir uma grande quantidade de sal. Durante muitas horas eu o ouvi suplicando por um pouco dágua."

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"A prisão de Paulo de Tarso não decorreu de flagrante e não foi oficializada ou comunicada à autoridade judiciária. Ocorre que, a pretexto de combater supostos opositores do regime militar, não estavam os agentes públicos autorizados a sequestrar a vítima, mantê-la secretamente encarcerada em estabelecimento clandestino, dando-lhe paradeiro conhecido somente pelos próprios autores do crime e seus comparsas, já falecidos ou ainda não identificados", escreveram os procuradores da República Vanessa Seguezzi, Antonio Cabral e Sérgio Suiama, autores da denúncia.

Além da condenação dos ex-agentes militares, o MPF requer que seja imposta a perda de cargo público, oficiando-se ao órgão de pessoal e/ou pagamento para que efetive o cancelamento de aposentadoria ou qualquer provento de reforma remunerada, assim como requer que seja oficiado aos órgãos militares para que os condenados sejam destituídos das medalhas e condecorações eventualmente obtidas, sendo obrigados, ainda, ao pagamento de R$ 111.360 (valor a ser corrigido até a data do pagamento) como dano cível em decorrência dos atos ilícitos praticados.

'Casa da Morte'

A "Casa da Morte" foi utilizada pelo Centro de Informações do Exército (CIE) como local clandestino de tortura durante o período do regime militar e foi localizado por Inês Etienne Romeu, única prisioneira política a sair viva dali, conforme declarações prestadas ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

O imóvel foi emprestado ao Exército pelo então proprietário Mário Lodders e, segundo o tenente-coronel reformado Paulo Malhães, em depoimento prestado à Comissão da Verdade do Estado do Rio de Janeiro, o local foi criado para pressionar os presos a mudarem de lado, tornando-se informantes infiltrados. Por ali passaram diversos militantes políticos, que permanecem desaparecidos.

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