O melhor caminho para superar a atual crise política é o presidente Michel Temer renunciar e serem convocadas eleições indiretas, como prevê hoje a Constituição, na opinião do ex-governador de São Paulo e vice-presidente nacional do PSDB Alberto Goldman. Ele disse não ver eleição direta como uma hipótese a ser considerada.
"Mudar a Constituição a um ano e meio das eleições de 2018 para mexer no processo eleitoral não tem o mínimo sentido. Não tem a mínima hipótese de isso acontecer", afirmou.
"Eleição indireta não é um desejo, uma vontade ou um gosto, é uma decisão da Constituição", reforçou.
Para o tucano, a saída de Temer e a escolha de um presidente pelo Congresso hoje é uma "forte possibilidade". A transição, defende, deve ser feita "com Temer, não contra ele".
Nesse cenário, Goldman não apoia um acordo com a oposição para suspender as reformas previdenciária e trabalhista até que um novo governo seja eleito em 2018, como sugeriu o governador do Maranhão, Flávio Dino, em entrevista à BBC Brasil. O tucano tampouco vê a possibilidade de negociação direta entre os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, em busca de uma saída para a crise.
"Para o país, seria a melhor solução ele (Temer) entregar (o cargo) e nós mantermos o conjunto de forças políticas que estão hoje propondo as reformas que o país tem que fazer", disse o tucano.
Goldman não quis apontar nomes para suceder Temer, mas indicou que ser investigado ou ter ligação com empresas investigadas não seria empecilho, na sua visão.
Por outro lado, o ex-governador de São Paulo negou a possibilidade de um acordo para dar imunidade a Temer contra risco de prisão após eventual renúncia, assim como garantir que ministros hoje investigados sejam mantidos nos cargos para não perder o foro privilegiado. "Seria uma negociação política de quinta categoria", afirmou.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista.
BBC Brasil - O senhor era deputado federal em 1984 e votou a favor da proposta de emenda constitucional Dante de Oliveira, pela realização de eleições diretas em 1985 (que acabou rejeitada por poucos votos). Agora, seu partido prefere o caminho da eleição indireta, caso Temer caia. Gostaria que o senhor explicasse a diferença de contexto e por que é contra uma consulta direta ao povo agora.
Alberto Goldman - Nada tem a ver uma coisa com a outra. A palavra é a mesma, eleição direta, mas são dois processos absolutamente diferentes.
Na época, você lutava por eleições diretas porque não existiam eleições. Não havia eleição para presidente, para governador, para prefeito, não havia eleição nenhuma. Havia um colégio eleitoral, montado pela Ditadura, para "eleger", entre aspas, o presidente da República ou o governador, como fizeram várias vezes.
A Constituição da época não era Constituição, era um ato institucional baixado pelo governo militar, assinado pelo ditador do momento. Hoje nós temos uma Constituição, regras que estabelecem os processos de eleição, que são majoritariamente diretas e continuam sendo diretas.
Os casos de eleição indireta são excepcionais, em função das regras determinadas pela Constituição. Não é fora da Constituição, não é invenção nenhuma. Ocorre no caso de morte ou afastamento de um presidente (e quando não há vice-presidente), nos dois anos da segunda metade do mandato.
O que nós queremos é que a Constituição continue funcionando. Isso é democracia.
BBC Brasil - Quem é a favor da eleição direta diz que o atual Congresso não teria legitimidade para eleger um presidente porque mais de cem parlamentares são investigados.
Goldman - Pera aí, porque alguém é investigado, ele não tem legitimidade? Alguma investigação retira mandatos? O parlamentar investigado deixou de ter direitos e obrigações? Não mudou nada o fato de ser investigado. Você pode ter os 513 (deputados) investigados, não quer dizer que eles não tenham não só os direitos, mas a obrigação de fazer aquilo que tem que ser feito dentro da Constituição.
BBC Brasil - Outro argumento de alguns dos que defendem diretas é que o impeachment teria sido ilegal e hoje vivemos uma crise institucional. Dizem que a eleição direta seria a melhor solução para essa crise.
Goldman - Impeachment não é legal? Vamos superar isso, é coisa de discussão política. Foi tudo feito dentro das regras legais.
A crise não chega a ser institucional, porque as instituições estão funcionando, os militares não fecharam o Congresso, o Presidente da República não foi preso. O que tem é uma crise política grave, profunda, o Presidente da República está sendo investigado, deputados e senadores estão sendo investigados, o Ministério Público está sendo contestado em uma séria de coisas na sua forma de agir.
Então, é uma crise política que tem que ser resolvida politicamente, dentro da Constituição. Eleição indireta não é um desejo, uma vontade ou um gosto, é uma decisão da Constituição.
BBC Brasil - O senhor acha que eleição direta no atual cenário poderia ter o efeito oposto, então, de gerar mais confusão, mais instabilidade?
Goldman - Eu não vou discutir isso. A eleição direta não existe, ponto. A não ser que você fosse mudar a Constituição. Pode mudar a Constituição desde que não mexa nas cláusulas pétreas. Por exemplo, duração de mandato é cláusula pétrea (ou seja, uma PEC, proposta de emenda constitucional, não pode reduzir o mandato de Temer, apenas prever eleições diretas se ele cair por outra forma).
Então, se o Congresso discutir amanhã alguma mudança constitucional, vamos obedecer a mudança constitucional, conforme manda a Constituição.
BBC Brasil - Mas parece que não há maioria para aprovar essa mudança?
Goldman - Isso quem vai dizer são os resultados das votações (se a PEC for analisada no Congresso).
BBC Brasil - Muitos dos que defendem a eleição direta consideram que a base do atual governo está contra porque tem medo de que Lula vença uma eleição, ou seja, medo de perder o poder para a oposição nas urnas.
Goldman - Mas eu já falei para você que a eleição direta não existe, ponto.
BBC Brasil - Havendo vontade de mudar a Constituição, a possibilidade existe, como o senhor mesmo reconheceu.
Goldman - Mas se houver mudança de Constituição, você não sabe se essa mudança pode demorar um mês, seis meses, um ano (para ser aprovada). Eu diria que mudar a Constituição a um ano e meio das eleições de 2018 para mexer no processo eleitoral não tem o mínimo sentido. Não tem a mínima hipótese de isso acontecer, simplesmente não tem, não existe.
A eleição indireta é aquilo que será e ponto final. Se for, porque para ser tem que haver a renúncia ou o afastamento de alguma forma do Presidente da República.
BC Brasil - Agora, se o TSE cassar o presidente (em julgamento previsto para início de junho que vai analisar se a campanha de Dilma Rousseff e Temer em 2014 cometeu ilegalidades) há a possibilidade também de o Supremo convocar eleição direta, a partir de uma interpretação de que, nesse caso, a eleição seria considerada nula e, por isso, deveria haver outra eleição. Há uma ação que discute isso pronta para ser julgada. É um caminho possível?
Goldman - É, pode haver uma interpretação constitucional para isso. Quando você tem anulação dos votos numa eleição, é como se essa eleição não tivesse havido. Se isso caracteriza possibilidade, nos últimos dois anos, de fazer uma nova eleição direta ou indireta, aí é uma interpretação que deixo para os tribunais.
O fato é o seguinte, nós estamos a um ano e meio das eleições. Eleição direta está aí, vai ser em 2018. Não vai ser em 2017 porque não existe essa hipótese, nem a possibilidade fática existe. Poderia ser uma decisão do tribunal: o tribunal decide hoje, aí você pode convocar eleição direta sei lá em outubro (de 2017), e aí o presidente vai ter um ano de mandato. É muito ruim para o país, qualquer presidente que vai ficar um ano. Já é ruim como está, imagina como vai ficar.
BBC Brasil - No caso de eleição indireta, a base do atual governo estaria disposta a negociar com a oposição suspender essas reformas até a próxima eleição direta?
Goldman - Não, não. O mais importante que nós temos na frente como tarefa é fazer as reformas.
BBC Brasil - É que há um argumento de que não seria legítimo fazer essas reformas sem que elas tenham o referendo das urnas, já que elas não foram propostas por um presidente eleito com essa agenda.
Goldman - Elas têm o referendo das urnas, vão ter referendo daqueles (parlamentares) que foram eleitos em 2014. Não fui eu que escolhi o Congresso em 2014, foi o povo que escolheu.
BBC Brasil - Sobre as conversas de bastidores, fala-se muito que a base, inclusive o PSDB, já concluiu que não teria mais como Michel Temer continuar e que estaria apenas discutindo qual a saída. Isso é verdade? O senhor dá como certo que haverá uma eleição indireta no país?
Goldman - Olha, é uma hipótese hoje forte, uma forte possibilidade. Ninguém pode dizer nada com certeza que pode ocorrer no dia seguinte. Um mês atrás ninguém poderia imaginar que estaríamos discutindo o que estamos discutindo. As situações têm mudado com muita velocidade.
Mas o quadro é que o Presidente da República está muito fragilizado, muito desgastado. Para o país, seria a melhor solução ele entregar (o cargo) e nós mantermos o conjunto de forças políticas que estão hoje propondo as reformas que o país tem que fazer.
BBC Brasil - Dos nomes que estão sendo colocados como possíveis para uma eleição indireta, Nelson Jobim (ex-ministro do STF e dos governo Lula e FHC), Rodrigo Maia (presidente da Câmara), Tasso Jereissati (senador, presidente do PSDB), Fernando Henrique Cardoso (ex-presidente), qual poderia ser a melhor opção?
Goldman - Aquele que tiver as melhores condições de reunir os votos necessários (risos). Melhor não é o homem ou mulher da minha escolha, melhor é o que é possível.
BBC Brasil - O senhor acha que Nelson Jobim parece um nome capaz de reunir esse apoio?
Goldman - Não sei te dizer.
BBC Brasil - E o Fernado Henrique?
Goldman: Sobre nomes, não dá para dizer nada.
BBC Brasil - O senhor disse ao jornal Estado de S.Paulo que faltaria alguma coisa a Rodrigo Maia para ser presidente, mas outras pessoas têm apontado ele como nome muito forte para concorrer, pois teria grande apoio dentro da Câmara.
Goldman - Todos têm suas virtudes e todos têm seus senões. Rodrigo Maia é um sujeito muito hábil, com boa articulação, capaz, inteligente, conhece bem a política, tem experiência. Sem dúvida tem virtudes. Mas talvez ainda não seja, na minha opinião, um sênior. Falta um pouquinho ainda desse tempero para ele.
BBC Brasil - Investigações ou relação com investigados podem ser empecilho? Por exemplo, Nelson Jobim é sócio do BTG (banco cujo dono, André Esteves, chegou a ser preso preventivamente na Lava Jato). Isso é um empecilho ou pode ser superado?
Goldman - Se você procurar uma pessoa que não tem relação com ninguém, talvez seja o anjo Gabriel (risos).
BBC Brasil - O senhor vê alguma chance de o presidente Temer ser convencido a renunciar?
Goldman - Só pode ser por convencimento, não pode ser por outra forma. A não ser que houvesse um processo, poderia ser por impeachment, claro, poderia ser por processo criminal, (mas) isso não está no horizonte.
Se isso não está no horizonte, a hipótese seria a renúncia dele. Quer dizer, tem o TSE, que vai fazer julgamento, mas sei lá quantas instâncias têm depois de recursos para isso. Uma renúncia seria uma forma de transição boa para o país, uma transição com ele (Temer), não sem ele, nem contra ele.
BBC Brasil - Fala-se também que estaria sendo negociada alguma forma de protegê-lo de um risco de prisão após sua eventual renúncia. Como isso seria possível?
Goldman - Você só pode cumprir o que a lei determina. Esse negócio de prever individualmente para uma pessoa que ela possa ter uma legislação diferente do cidadão comum, não existe isso, não existe essa hipótese. Cada cidadão tem que cumprir as leis como elas são.
BBC Brasil - E essa hipótese de negociar a manutenção de ministros que estão bem fragilizados, como Eliseu Padilha e Moreira Franco, para garantir foro privilegiado a eles? É algo que também está sendo colocado nas notícias de jornais brasileiros.
Goldman - Seria uma negociação política de quinta categoria. Não acho que seja aceitável. Acho que o novo governo que entrar, se houver uma eleição, tem que entrar com o máximo de força possível, sem acordos que não cheirem bem. Você não pode ter um ministro que não possa ser demitido porque teve um acordo político. Não acho factível.
BBC Brasil - Ou seja, se é difícil negociar isso, é mais um empecilho para convencer Temer a renunciar?
Goldman - Ah, se fosse fácil não precisava da gente (dos políticos).
BBC Brasil - Algumas pessoas, como o governador do Maranhão, Flávio Dino, defendem que Fernando Henrique deveria conversar com Lula para discutir uma saída para a crise. O senhor acha que isso seria importante e viável?
Goldman - Não. Acho que a função do PT é outro caminho. O PT não quer resolver problema nenhum. O PT está tentando se salvar e ter algum resultado positivo em 2018, desgastar o máximo possível os outros. Para eles, quanto pior, melhor.