"Não tem ninguém na rua para pedir impeachment"

Presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, se disse cético sobre a possibilidade de saída de Jair Bolsonaro

15 abr 2021 - 13h08
(atualizado às 13h28)

Após pedir o impeachment dos presidentes Fernando Collor, Dilma Rousseff e Michel Temer, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) deu início a um processo interno para decidir, em até 60 dias, se vai encampar ou não a bandeira do impedimento de Jair Bolsonaro. O ponto de partida foi parecer elaborado por uma comissão de juristas e presidida pelo ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto que concluiu que o presidente da República cometeu crimes de responsabilidade e contra a humanidade. Apesar da iniciativa, nesta entrevista ao Estadão, o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, se disse cético. "Não tem ninguém na rua para pedir impeachment agora." Líder estudantil nos anos 1990, quando presidiu o Centro Acadêmico de Direito e o Diretório Central dos Estudantes da PUC-RJ, ele não descartou concorrer ao governo do Rio no ano que vem.

Uma comissão de juristas da OAB concluiu um parecer no qual o presidente Jair Bolsonaro é acusado de ter cometido crime de responsabilidade. A Ordem vai agora pedir também o seu impedimento?

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Eu era líder estudantil no impeachment do Collor. As ruas foram tomadas. Houve uma confluência entre vontade popular, crime de responsabilidade e desvios graves. Era uma conjuntura clara de impeachment, com o aspecto jurídico atendido e mobilização popular. O mesmo se deu com a Dilma. Foi mais traumático, porque não houve a mesma unidade (de oposição) do governo Collor, quando todos queriam o impeachment. Mas teve pressão popular e manifestações contra a Dilma. Esse clima força uma percepção do Congresso sobre essa agenda. No caso do Temer, havia insatisfação popular, mas ele tinha uma sólida base parlamentar que não deixou o impeachment prosperar. O governo Jair Bolsonaro vive o seu melhor momento no Congresso Nacional. Na Câmara a oposição não tem 130 votos. A gente não pode dourar a pílula. Esse é um processo político e jurídico. Não tem ninguém na rua, não tem manifestação. A pandemia é o assunto mais grave.

Cartazes contra as ações do Presidente Jair Bolsonaro
Cartazes contra as ações do Presidente Jair Bolsonaro
Foto: Vinicius Nunes/Agência F8 / Estadão Conteúdo

Qual foi o caminho escolhido?

Foi criar uma comissão com grandes juristas acima do bem e do mal, com pessoas de centro, esquerda e direita. O parecer foi entregue ontem (anteontem) e é muito duro. Acusa o presidente de homicídio, cita o Código Penal e verifica nos códigos internacionais a presença de crime contra a humanidade. É óbvio que não posso virar as costas a um parecer assinado por essas pessoas. Vou colocar para tramitar internamente na Ordem.

Mas o sr. é cético sobre essa possibilidade de impeachment?

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No quadro político atual sou cético. Precisa de uma mudança na dinâmica da política.

O STF extrapolou suas prerrogativas ao determinar a abertura da CPI da Covid no Senado?

Não. Já há jurisprudência nesse sentido. Não há nada de teratológico nessa decisão. Estranha nesse episódio e inaceitável é a reação do presidente, colocando o Judiciário na mesma esfera da política. Foi isso que ele fez naquele telefonema ao (senador Jorge) Kajuru: 'Então eu quero o impeachment de dois ministros do Supremo'. Não há fato que justifique pedido de impeachment de ministro do Supremo, a não ser a vontade do presidente de deixar o STF subserviente, assim como são seus assessores mais próximos.

Como o sr. se posiciona nesse debate em torno da Lei de Segurança Nacional?

É uma lei de transição que vem sendo alterada desde a ditadura. Alguns artigos são absolutamente incompatíveis com a democracia, como esse da ofensa ao chefe de poder. Sarney, Collor, FHC, Itamar, Lula, Dilma e Temer. Qual deles foi beneficiado com o silêncio daqueles que criticavam o governo? Nenhum. Se existe algo defendido no Brasil é a liberdade de crítica. A Lei de Segurança estava guardada no armário. Foi um erro. O Supremo já deveria ter afastado pelo menos alguns destes artigos. O ministro da Justiça passou a manejar a Lei de Segurança Nacional. É hoje uma lei de censura. O Congresso é o espaço para solucionar isso. Cabe ao Judiciário afastar alguns artigos teratológicos e incompatíveis com a Constituição de 1988, mas esse modelo de defesa do estado democrático cabe ao Congresso Nacional.

Como está o processo da OAB contra o grupo de advogados conservadores que usou o símbolo da Ordem e ameaça processar quem falar mal do presidente?

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Há uma ação para tirar do ar que ainda não tem decisão. Abrimos um processo disciplinar por captação indevida de clientela. Esse grupo (Ordem dos Advogados Conservadores do Brasil) é uma fake news. É absolutamente insignificante. Tem 39 advogados, enquanto nós somos 1,3 milhão de advogados. Ele existe no campo do bolsonarismo, que é a rede social. São impulsionados pela milícia digital.

O sr. pretende disputar o governo do Rio de Janeiro?

Esse movimento não nasce dos meus olhos verdes, mas da importância que a OAB vem tendo nesse momento da história brasileira. Não sou político. Até o fim do meu mandato da Ordem, no dia 31 janeiro de 2022, só trato de OAB. Meu destino pessoal não está resolvido.

A Ordem tem algum projeto para ampliar o número de mulheres e negros?

Aprovamos hoje um provimento da nossa gestão para termos 30% de minorias raciais na composição das nossas chapas e paridade absoluta: 50% de mulheres, 50% de homens, já em novembro. Só tivemos homens como presidentes do Conselho Federal.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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