A mistura entre religião e poder político faz parte da história da humanidade e é transversal a inúmeras culturas. Eventualmente, há uma radicalização dos movimentos imbuídos na instrumentalização da fé, em favor de um projeto político ou de um candidato.
No Brasil, a ascensão bolsonarista foi ancorada em preceitos neopentecostais, inclusive com a apropriação, pelas campanhas eleitorais da direita, de termos antes restritos aos templos e aos meios de comunicação de massa usados pelas igrejas midiáticas para difundir seus dogmas.
Um estudo feito pela AP Exata Inteligência Digital durante o segundo turno das eleições de 2018 revelou que termos religiosos permearam praticamente todas as frentes da campanha de Jair Bolsonaro, abarcando áreas como educação, segurança, saúde, emprego e até transporte.
Enquanto Bolsonaro era associado a palavras como Jesus, Deus, Israel, Abraão, gênesis, Jacó, Inri, bíblia, cristianismo, etc., Fernando Haddad disputou o segundo turno mais distante da seara cristã e, no máximo, era associado, pontualmente, aos termos Deus e Jesus. Um léxico nada amplo, perante todo um vocabulário específico adotado pela campanha que ajudou a alçar Bolsonaro ao poder e cunhou o discurso dele no exercício da Presidência.
As falas religiosas eram um esteio confortável para a esfera conservadora, em meio a inúmeras polêmicas e esticar de cordas do governo Bolsonaro. Mas a dinâmica da narrativa antissistema, os embates durante a pandemia, a inflação e os rompantes discursivos jogaram a religião dentro da arena de conflitos ideológicos.
As igrejas entraram no debate acalorado da política, o que gerou, também nessas instituições, os conflitos que marcaram o embate entre direita e esquerda, que dividiu famílias, amigos e, consequentemente, cristãos.
O pilar religioso do bolsonarismo deu ao ex-presidente a maioria expressiva dos votos evangélicos. Mas as lideranças religiosas parecem ter acendido a luz amarela após a vitória de Lula. Alguns entendem que, como diz a Bíblia, em Romanos 13:1, "todos devem sujeitar-se às autoridades governamentais, pois não há autoridade que não venha de Deus; as autoridades que existem foram por ele estabelecidas". Outros simplesmente acham que na Casa de Deus não deve entrar os debates políticos.
O fato é que os termos religiosos estão menos presentes nas conversações políticas nas redes. Apesar de Bolsonaro e seus familiares seguirem na retórica cristã, ela já não avança tanto sobre os temas de Estado.
O blog analisou 523 mil tuítes que falavam de Bolsonaro ou Lula e tinham também os termos "Deus" e "Jesus", publicados nos oito primeiros meses deste ano. Os resultados mostram que, até o dia 10 de janeiro, esses termos foram muito usados, concentrando 29% das menções a eles ao longo de todo período analisado. Nas primeiras semanas do ano, o Brasil se encontrava em um cenário pós-eleição acirrado, que ficou ainda mais tumultuado com as invasões do 8 de janeiro. Já o mês de agosto abarcou apenas 0,5% das menções religiosas em posts políticos, no período do estudo.
O afastamento da narrativa religiosa nos posts sobre as principais lideranças políticas do País começou a ficar mais claro a partir de abril. Naquele mês, a confiança nas publicações sobre Lula registrou um índice de 15,7%, um percentual que foi aumentando gradativamente, chegando a 19,9%, em agosto. Paralelamente, os termos bíblicos foram ficando menos frequentes nos comentários políticos, o que indica que uma melhora da imagem do governo permite que algumas instituições tenham menos protagonismo na guerra narrativa da polarização.
O processo histórico nos mostra que a dissociação entre religião e política é algo praticamente impossível, mesmo em um Estado laico. Mas a fadiga da briga eleitoral nos dá sinais de que, também nas igrejas, a intoxicação do debate acirrado entre esquerda e direita começa a atenuar.