"Não foi uma cegonha que me trouxe. Foi um tucano!".
Assim Bruno Covas, futuro prefeito da maior cidade do Brasil e neto do ex-governador de São Paulo Mário Covas, descreve uma foto no seu Instagram em que aparece, criança, com o avô durante a campanha eleitoral de 1989. O ex-governador, um dos fundadores do PSDB, é figura recorrente em imagens e homenagens na rede social de Bruno - em meio a cliques de treinos esportivos, passeios com o filho e reuniões na prefeitura de São Paulo, onde ocupa a cadeira de vice-prefeito há 15 meses. No Instagram, ele faz uma autodescrição: "Divorciado. Pai do Tomás. Advogado e Economista. Vice Prefeito de São Paulo (2017/20)".
O passado e o presente do PSDB se encontram com a trajetória de Bruno, 37 anos, em vários pontos. Ele é, por exemplo, parte de um ciclo de sucessões e retribuições que começou com o papel do hoje governador de SP Geraldo Alckmin como vice de Mário Covas, entre 1995 e 2001. Alckmin assumiu o governo estadual após a morte de Covas, acometido por um câncer, em 2001.
Anos mais tarde, nas duas mais recentes prévias do PSDB para a candidatura à prefeitura de São Paulo, Bruno seguiu, em momentos decisivos, as apostas políticas de Alckmin - a quem o vice-prefeito se referiu como seu "líder". Foi assim em 2016: após apoiar, no primeiro turno das prévias, Ricardo Tripoli, Bruno passou a apoiar João Doria no segundo - alvo de controvérsias internas no partido e considerado uma aposta ousada de Alckmin como fiador político de Doria. Bruno terminou como vice na chapa.
Agora, enquanto Alckmin mira o Planalto e Doria, o Palácio dos Bandeirantes, Bruno deve assumir a prefeitura no mesmo dia em que completa 38 anos, em 7 de abril. Ele ainda faz mistério sobre eventuais mudanças no secretariado e na condução de diferentes pautas na prefeitura.
Em meio a ferrenhas disputas no PSDB, o ex-deputado (estadual e federal) é visto como alguém que se preparou desde cedo para a política e como um quadro jovem que pode representar novos caminhos para o partido - ao mesmo tempo em que carrega o nome e o legado de um de seus fundadores mais importantes. É visto também como um político de perfil mais discreto e articulador do que Doria.
Veia política
O currículo de Bruno traz um modelo quase clássico para aqueles que querem seguir a política: é graduado em Direito e Economia. Foi deputado estadual por dois mandatos e eleito deputado federal em 2014 - o quarto mais votado por São Paulo, com 352,7 mil votos. A partir de 2016, renunciou para assumir a vice-prefeitura. Em 2011, foi também secretário de Meio Ambiente no governo estadual de Alckmin.
Na prefeitura, acumulou a cadeira de vice com a chefia da poderosa Secretaria das Prefeituras Regionais. Mas ficou na função por menos de um ano: Doria o substituiu por Cláudio Carvalho, ex-executivo da construtora Cyrela. Bruno foi para o cargo de Secretário-Chefe da Casa Civil.
Segundo informações de bastidores, esta transição teria resultado de um desgaste entre prefeito e vice. Ambos negam a existência de animosidades, mas, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, Bruno reconheceu que houve "divergências de entendimento em relação a algumas questões" com Doria.
Ele também não hesitou em responder à reportagem se sua prefeitura seria mais parecida com a gestão de Mário Covas ou João Doria.
"Mario Covas. Em função da convivência com ele, sou um social-democrata que entende que o Estado não deve participar de tudo, mas precisa dar atenção máxima a educação, saúde e segurança. Doria tem uma posição mais liberal, mas tudo é relativo", afirmou ao jornal.
Ligação com a esquerda
De fato, os primeiros passos de Bruno na militância foram dados na ala mais identificada com a esquerda do PSDB, como o grupo "Esquerda Pra Valer", do qual participou por anos. É o que lembra Fernando Guimarães, coordenador do grupo.
"O Bruno teve uma participação bastante ativa no Esquerda pra Valer. Ele sempre teve uma postura de se colocar como militante, e nunca como neto do governador. Pelo contrário", lembra Guimarães.
Ele diz que a posição do grupo contrária à redução da maioridade penal, em discussão no Congresso em 2015, acabou fazendo Bruno se afastar - ele era favorável à redução. Mais recentemente, o grupo se posicionou também contra uma pauta ferrenhamente defendida pelo ex-deputado: o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
"Senhor presidente, eu aprendi que diante das adversidades, só há três atitudes possíveis: enfrentar, combater e vencer. E nós vamos vencer essa. Eu vim aqui hoje dar voz a todos os paulistas que, anônimos, foram para as ruas dizer basta. Eu voto sim!", disse Bruno ao votar, como deputado federal, pela abertura do processo de impeachment em 2016, fazendo referência a um discurso do avô.
Apesar das dissonâncias, Guimarães diz que não vê em Bruno uma mudança ideológica brusca.
"Eu diria hoje que ele é de centro-esquerda", apontou em entrevista à BBC Brasil. "A gente tem uma bancada federal do PSDB muito distante da social-democracia. A ida do Bruno para a Câmara trouxe essas surpresas (mudanças de posição) muito pela influência do que era essa bancada".
Mas Sâmia Bomfim, vereadora em São Paulo pelo PSOL, questiona a identificação de Mário e Bruno Covas com a esquerda.
"Mário Covas também iniciou projetos de ataque ao funcionalismo e de privatizações. Em quais aspectos esse projeto é tão diferente de Doria? Essa é a política neoliberal do PSDB", diz Bomfim. "Não temos grandes expectativas quanto a mudanças neste projeto do PSDB com Bruno na prefeitura, mas acredito que ele será mais habilidoso politicamente."
Enquanto isso, Guimarães diz que seu grupo espera uma "guinada" com Bruno na prefeitura, com valores como o diálogo e a justiça social.
"O Bruno vai trazer para a gestão um DNA tucano que o Doria não tem. Ele vem da militância, não do empresariado", diz.
O espólio Covas
Tio de Bruno e filho de Mário Covas, o vereador por São Paulo Mario Covas Neto acredita, no entanto, que o DNA tucano já se perdeu - ele se desfiliou do partido no início de março, justificando a ruptura no fisiologismo e na falta de unidade da sigla. Apesar de criticar ações e posicionamentos de Doria, Neto diz não ter maiores divergências com o sobrinho.
"Não estamos disputando um espólio. Meu pai tem uma dimensão muito maior do que eu e o Bruno somados", afirmou à BBC Brasil por telefone. "Não discordamos em questões conceituais, mas a prática pode ser um pouco diferente. Em questões partidárias, por exemplo, eu diria que eu fiquei mais ao lado dele do que ele do meu".
Apesar dos caminhos distintos, o vereador diz desejar que o sobrinho faça uma boa prefeitura.
"Não vejo outro caminho para Bruno além da vida pública. Ele canalizou a vida dele para isso", afirma. "Desde muito pequeno, ele ia nos comícios com meu pai. Quando era adolescente, saiu de Santos para vir para a capital, indo morar no Palácio dos Bandeirantes. Ele viveu na sede do governo".
Hoje, Bruno vive sozinho em um flat na Barra Funda. Ele se divorciou em 2014 e está solteiro. Em 2017, mudou radicalmente de visual: perdeu mais de 15 quilos, deixou a barba crescer e raspou o cabelo. Concilia uma rotina de dieta rigorosa e frequentes exercícios físicos com programações que lhe deram a fama de baladeiro.
"Tenho 37 anos e vivo como uma pessoa dessa idade. Mas, se até agora eu levava uma vida de solteiro, a partir de 7 de abril vou ser um homem casado com a cidade de São Paulo. Serão vidas distintas", afirmou Bruno à revista Veja São Paulo.
No casamento com a política, talvez a "crise conjugal" mais grave vivida por Bruno aconteceu em 2011. Então secretário de Meio Ambiente do governo Alckmin, ele disse ter recebido, quando deputado estadual, oferta de propina por um prefeito em troca de emendas parlamentares favoráveis. Depois, afirmou que a declaração se tratava de um exemplo hipotético - mas viveu um período de intenso escrutínio pela declaração.
A "crise" não se aprofundou, e, se tivesse que prever o destino político de Bruno, Fernando Guimarães acredita em um compromisso com a política para a vida inteira.
"Ele é muito novo. Acredito que, fazendo um bom trabalho na prefeitura, ele poderá consolidar uma marca para buscar o governo do Estado e, mais tarde, a Presidência da República", diz o correligionário do neto de Mário Covas.