No Flow, Lula infla legado do PT e distorce fala de Bolsonaro sobre mentiras na política

Não é verdade, por exemplo, que a fome foi totalmente erradicada; veja checagem de entrevista

18 out 2022 - 20h37
(atualizado às 22h25)
Foto: Popline

Em entrevista ao Flow Podcast nesta terça-feira (18), o candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, deu declarações enganosas ao comentar legados da gestões petistas. Não é verdade, por exemplo, que a fome foi totalmente erradicada ou que 90% das categorias profissionais tiveram reajustes acima da inflação. O ex-presidente também distorceu o sentido de uma fala do presidente Jair Bolsonaro (PL): diferentemente do que sugeriu o petista, o mandatário não admitiu em entrevista que precisa mentir para governar.

Em resumo, o que checamos:

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  1. O Brasil não foi o último a legalizar o voto feminino, como disse Lula: México, Peru, Argentina e Chile garantiram o direito após 1932, ano em que mulheres começaram a votar no país;
  2. A China é o maior produtor de proteína animal do mundo, e não o Brasil, segundo dados da FAO, agência da ONU para alimentação e agricultura;
  3. Lula não criou o Fies: o programa é de 1999, durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), e foi instituído por lei dois anos mais tarde;
  4. Não é verdade que 90% das categorias organizadas conquistaram aumento real no salário ao longo do seu governo. Esse percentual só foi atingido em 2006, 2007 e 2010.
  5. Os governos petistas não acabaram com a fome no Brasil. O menor índice foi alcançado no governo Dilma, mas o IBGE nunca deixou de registrar milhões de brasileiros com insegurança alimentar grave;
  6. É falso que Lula cresceu 15 pontos percentuais nas pesquisas eleitorais após sua prisão, em 2018. Nenhum dos levantamentos divulgados pelos principais institutos do país registrou essa variação naquela época;
  7. Lula distorceu uma declaração do presidente Jair Bolsonaro sobre mentir para vencer as eleições. Em entrevista, Bolsonaro disse ter sido aconselhado a mentir, mas não ter seguido a sugestão;
  8. O número de estudantes universitários no Brasil de fato saltou de 3,4 milhões em 2002 para 8 milhões em 2015, último ano completo do mandato de Dilma Rousseff;
  9. Considerando os governos de Lula e Dilma, foram de fato criados cerca de 22 milhões de empregos no Brasil na gestão do PT.

Leia, a seguir, as checagens completas.

[O Brasil foi o último] a dar voto para mulher.

A declaração é FALSA porque, só na América Latina, ao menos quatro países legalizaram o voto feminino depois do Brasil, que passou a dar direito ao voto para as mulheres de maneira facultativa em 1932. Depois, esse direito foi garantido pela Constituição Federal de 1934, e regulamentado pelo Código Eleitoral de 1935, que definiu o voto obrigatório para mulheres.

Peru e México, por exemplo, só legalizaram o voto feminino 20 anos depois do Brasil, em 1955. Na Argentina, as mulheres conseguiram o direito de votar somente em 1947. Já no Chile, o sufrágio universal foi estabelecido em 1949, mas o direito de votar em eleições municipais havia sido promulgado em 1934.

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[O Brasil é] O maior produtor de proteína animal do mundo.

A declaração é falsa porque, de acordo com o último relatório da FAO, agência da ONU para a alimentação e a agricultura, o maior produtor de proteína animal do mundo atualmente é a China. Segundo o documento, o país asiático produziu 79,3 mil toneladas de carnes em 2020 e 91,8 mil toneladas em 2021, último dado disponível.

Em segundo lugar estão os Estados Unidos, com uma produção de 48,7 mil toneladas em 2020, e de 48,8 mil toneladas em 2021. O Brasil aparece na terceira posição, com 29,1 mil toneladas em 2020 e 29,6 mil toneladas no ano passado.

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Banco de Discursos Confira a íntegra da entrevista de Lula ao Flow

Nós criamos [...] o Fies…

O Fies (Fundo de Financiamento Estudantil) foi criado em 1999 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e teve a lei sancionada pelo tucano dois anos depois. Lula, no entanto, fez mudanças no programa. Em 2010, reduziu pela metade os juros pagos pelos estudantes e determinou o fim da necessidade de fiador e a prorrogação do prazo de quitação de dívidas.

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90% dos trabalhadores que trabalham em categorias organizadas, químico, gráfico, metalúrgico, recebiam o aumento real acima da inflação.

O percentual de categorias profissionais que conquistaram reajustes salariais acima da inflação foi próximo do citado pelo petista apenas nos anos de 2006 (86,3%), 2007 (87,7%) e 2010 (87,7%), segundo dados do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). O pior índice da série ocorreu em 2003, quando apenas 18,8% das categorias tiveram aumento real. No ano seguinte, foram 54,9% das categorias. Em 2005, 2008 e 2007, os percentuais foram de 71,7%, 76,6% e 79,5%, respectivamente. Ou seja, a afirmação de Lula só verdadeira para 3 dos 8 anos do seu governo (2003-2010).

Acabamos com a fome nesse país.

Embora o menor índice de insegurança alimentar grave no país tenha sido registrado durante o governo de Dilma Rousseff (PT), não é verdade que os governos petistas acabaram com a fome no Brasil. Em nenhum momento da série histórica da pesquisa do IBGE sobre insegurança alimentar, iniciada em 2004, o Brasil deixou de registrar milhões de pessoas na categoria "grave", quando há pessoas em situação de não ter o que comer. O menor índice de pessoas nessa situação foi registrado em 2013, no governo Dilma Rousseff: 7,2 milhões, ou 3,6% da população da época.

Naquele ano, 25,8% da população vivia em algum grau de insegurança alimentar, o que inclui quem reduziu o número de refeições, quem optou por produtos mais baratos e menos nutritivos e pessoas que não tinham alimentos. O Brasil deixou o Mapa da Fome da ONU em 2014, o que não significa que o país deixou de registrar pessoas com insegurança alimentar grave.

Relatório da FAO, agência da ONU para alimentação e agricultura, divulgado em julho deste ano, colocou o Brasil novamente no Mapa da Fome. O documento apontou que 61 milhões de brasileiros enfrentaram dificuldades para se alimentar entre 2019 e 2021, e 15 milhões passaram fome.

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Quando me prenderam eu cresci 15 pontos na pesquisa da opinião pública

Nenhuma das pesquisas eleitorais do agregador do site Poder360, que aglutina levantamentos de intenção de voto desde 2000, registra o crescimento de 15 pontos percentuais citado por Lula após a sua prisão, em 7 de abril de 2018. Um levantamento do Datafolha realizado em 31 de janeiro daquele ano apontava o petista na liderança, entre 34% e 37% dos votos válidos, dependendo do cenário. Uma semana depois dele ser preso, em 15 de abril, os percentuais variavam entre 30% e 31%.

Outros levantamentos mostravam dados semelhantes: o Ibope de outubro de 2017 mostrou Lula entre 35% e 36% e, em junho de 2018, o ex-presidente tinha 33%. O instituto MDA apresentou o petista com 33,4% em março de 2018 e com 32,4% em maio do mesmo ano. O Vox Populi colocava o ex-presidente entre 43% e 47% das intenções de voto em pesquisa de dezembro de 2017 e com 47% em 15 de abril de 2018.

Eu tava vendo um vídeo do Bozo esses dias, ele naquele vídeo que ele tá falando das meninas venezuelanas, ele fala textualmente: tenho que mentir, preciso mentir. O político tem que mentir.

Neste trecho da entrevista, Lula afirma que, na entrevista ao canal Paparazzo Rubro-Negro, o presidente Jair Bolsonaro reconheceu que precisa mentir para governar e que incentivou que políticos mentissem para ganhar, mas isso não é verdade. Na ocasião, o mandatário disse que, por inúmeras vezes, foi aconselhado a mentir, mas que não teria seguido essa sugestão.

O que disse Bolsonaro: "E eu lembro, usando essa passagem do João 8:32, quantas vezes nego chegava pra mim e falava: 'Ó, falando a verdade, tu não vai chegar a lugar nenhum. Você tem que mentir, cara. Falar que vai criar 10 milhões de empregos, 50 milhões de casas populares. Vou triplicar o salário mínimo. Se não falar isso aí tu não vai chegar'. E a regra é mentir. Quem mente mais com alguma inteligência chega, e não estou falando nenhuma mentira aqui".

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A entrevista repercutiu nas redes sociais devido a um comentário feito por Bolsonaro sobre meninas venezuelanas que estavam se arrumando em uma casa em São Sebastião (DF) que ele visitou "em abril de 2021". Ao canal, o presidente disse que "pintou um clima" com as jovens e insinuou que elas se prostituíam. Na realidade, o local abrigava no dia um projeto social para ensinar técnicas de beleza às refugiadas.

Esta não é a primeira vez que Lula distorce a fala de Bolsonaro. Nesta terça (18), o ex-presidente também fez menção ao caso em reunião com comunicadores: "Esses dias eu vi um vídeo dele [Bolsonaro] que está ligado àquele vídeo das meninas da Venezuela em que ele diz, textualmente, que é necessário mentir, é preciso mentir, porque se não mentir não ganha as eleições. Um cidadão que acha que para ganhar eleições tem que mentir, obviamente não vai conseguir governar do jeito honesto", afirmou.

Nós saímos de 3,5 milhões de estudantes na universidade pra 8,5 milhões [nos governos do PT].

Em 2002, segundo dados do Censo de Educação Superior, produzido pelo Inep, havia 3,4 milhões de matrículas no ensino superior. Em 2015, último ano completo do PT na Presidência, eram 8 milhões de matrículas (8.027.297). Em 2016, ano em que Dilma Rousseff governou até ser afastada pelo impeachment, em maio, o número de matrículas se manteve em 8 milhões (8.048.701).

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Sabe quantos milhões de empregos nós [PT] criamos nos nossos governos? 22 milhões de empregos com carteira assinada.

Em 2002, um ano antes de Lula ocupar a Presidência, o país tinha 28,6 milhões de empregos formais, segundo dados do Rais (Anuário Estatístico da Relação Anual das Informações Sociais). No último ano do petista, em 2010, eram 44 milhões. Ao final de 2015, último ano completo de Dilma Rousseff (PT) no Planalto, o estoque total era de 48,06 milhões de empregos formais, o que torna o dado próximo às 22 milhões de vagas citadas por Lula — quase 20 milhões de vagas. Na Era Lula apenas, porém, o número foi menor: foram criadas 15,4 milhões de vagas com carteira assinada, entre setor público e privado.

Outro lado. Aos Fatos contatou a assessoria do ex-presidente antes da entrevista e está aberto à inclusão de eventuais comentários ou contestações do candidato às checagens publicadas.

Referências:

1. Aos Fatos

2. O Estado de S. Paulo

3. TSE

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4. Governo federal (Fontes 1, 2 e 3)

5. El Comercio

6. Televisa

7. Governo da Argentina

8. Governo do Chile

9. Ministério do Trabalho e Previdência

10. Câmara dos Deputados (Fontes 1 e 2)

11. UOL

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12. IBGE (Fontes 1 e 2)

13. Agência Brasil

14. FAO (Fontes 1, 2 e 3)

15. Dieese

16. Poder360

17. G1 (Fontes 1, 2 e 3)

18. Folha de S. Paulo

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