A bancada da bala mudou de cara e chega ao Congresso Nacional com 8 senadores e 20 deputados federais determinados a defender a agenda do governo e da família Bolsonaro de ampliar o porte de armas no Brasil, quer o atual mandatário seja reeleito ou não.
O novo grupo é ligado aos CACs -- sigla para os colecionadores de armas, atiradores desportivos e caçadores que, com legislação facilitada pelo Planalto, explodiram em número desde 2019 -- e disputa a hegemonia em uma plataforma tradicionalmente vinculada à segurança pública e a temas coorporativos das categorias policiais.
"A ideia é formar uma bancada que tenha como prioridade defender o direito do cidadão ter acesso às armas de fogo", disse Marcos Pollon (PL), deputado federal mais votado no Mato Grosso do Sul e responsável pelo grupo Proarmas, criado à imagem e semelhança da poderosa lobista NRA (Associação Nacional do Rifle) nos EUA.
Antes da votação do primeiro turno, Pollon, que fez campanha com apoio direto do deputado reeleito Eduardo Bolsonaro (PL) disse à Reuters esperar que o Proarmas emplacaria 80 candidatos pelo país.
O resultado foi menor que a aposta -- 39 parlamentares, incluindo oito senadores, 20 deputados federais e 11 deputados estaduais, segundo levantamento dos Institutos Sou Da Paz e Igarapé --, mas não menos expressivo.
As urnas em geral reforçaram a balança à direita no Congresso e, com esse impulso dado aos conservadores, o principal alvo da bancada dos CACs será tentar destravar no Senado o projeto de lei 3.723, apelidado de "PL da bala solta", que facilita regras de registro, cadastro e porte de armas, espécie de tiro de misericórdia no Estatuto do Desarmamento.
O texto é o retrato dos reveses da agenda pró-armas de Bolsonaro no Congresso desde 2019: o projeto passou na Câmara, mas acabou parado no Senado, mais moderado. Mesmo as medidas que o Planalto editou via decreto acabaram suspensas recentemente por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
É por isso que a atenção da nova bancada da bala deve se voltar ao "PL da bala solta", que garantiria a permanência em lei do legado bolsonarista no setor. Os prognósticos de sucesso, porém, são distintos, a depender do vencedor de 30 de outubro, se Jair Bolsonaro (PL) ou Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
CAMINHO TRAVADO
No momento, o texto está em modo de espera na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, paralisado por um pedido de vistas da senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA).
Fonte ligada ao comando do Senado aponta que não há chance de o projeto prosperar enquanto Rodrigo Pacheco (PSD-MG) estiver na Presidência da Casa.
O mineiro pode ser reeleito ao posto no ano que vem, já favorito de uma articulação de centro-esquerda que se movimenta, caso Lula vencer. O petista, de todo modo, vetaria o texto após eventual aprovação no Senado, avaliam parlamentares.
Se Bolsonaro levar, porém, o futuro de Pacheco está longe de estar garantido, e aí as chances do "PL da bala solta" ir à votação e passar aumentam.
Neste cenário, o projeto seria um teste de quão convergente é a nova coalizão de direita do Senado, e o quanto ela necessariamente tem a mesma lista de prioridades do bolsonarismo, a começar pelo maior partido da casa, o tradicional PL, que agora abriga o presidente.
"Claro que aumentando o número de parlamentares, aumenta o quórum e a possibilidade de aprovações. Mas não é uma coisa dada, há mil estratégias legislativas", avalia Carolina Ricardo, diretora do Instituto Sou da Paz, sobre a pauta pró-armas.
Ricardo explica que não se pode descartar divergências nem mesmo entre os dois perfis principais da nova bancada da bala: os intrinsecamente ligados à pauta das armas, ou aos CACs; e um segundo grupo formado por bolsonaristas que aderiram à causa por questões ideológicas ou políticas.
É um jogo de ganho duplo, aponta a diretora. "Quem já é bolsonarista ganha o selo pró-armas, fortalece a pauta; e quem vem dessa raiz mais armamentista se beneficia dessa onda bolsonarista", avalia.
Pollon e Eduardo Bolsonaro chegam fortalecidos ao Congresso pelos mais de 700.000 CACs existentes no Brasil, um número 500% maior que em 2018, antes de Bolsonaro chega ao poder.
Professor de Direito e especialista em legislação de controle de armas, Pollon, que liderou o Proarmas com apoio direto do filho do presidente, cita como objetivos a "restauração" de direitos fundamentais como o de "permanecer vivo por meio do acesso a legítima defesa".
Aos moldes da NRA norte-americana, e a exemplo da Segunda Emenda da Constituição dos EUA, que reconhece o direito de posse e porte de armas como constitucional e individual, o Proarmas toma para si a missão de construir "um país livre" e lutar "para que nossos direitos não sejam tolhidos".
Dentre as prioridades legislativas, Pollon cita ambiciosas mudanças na Constituição, além de medidas tributárias para facilitar o acesso a armas.
"Nós precisamos aprovar a legítima defesa como direito e garantia constitucional e como direito básico", disse à Reuters.
Para mudar a Constituição, a nova bancada da bala precisaria dos votos de dois terços no Congresso, uma meta alta.
Carolina Ricardo, do Sou da Paz, lembra que facilitar o acesso às armas não conta com o apoio da maioria da população, citando pesquisa do Datafolha em parceria com seu instituto e o Igarapé: 83% da população considera que apenas profissionais da segurança devem ter a autorização para andarem armados. Uma parcela de 63% acredita que pessoas comuns não deveriam poder comprar armas potentes usadas pelas polícias, caso de fuzis.