Novo aliado de Bolsonaro, Centrão pressiona por mais gastos

Mudanças propostas pelo grupo, como tornar permanente auxílio de R$ 600, vão contra política econômica de Paulo Guedes

12 mai 2020 - 05h13
(atualizado às 07h40)

Mais novo aliado do presidente Jair Bolsonaro, o bloco de partidos chamado de Centrão quer um governo mais "gastador" e promete pressionar a equipe econômica para abrir os cofres por meio de propostas no Congresso. A ala política do governo reconhece que precisará fazer acenos e conceder vitórias aos parlamentares para consolidar a aliança.

Presidente Jair Bolsonaro em uma de suas tradicionais entrevistas coletivas em frente ao Palácio da Alvorada, em Brasília (DF) 
05/05/2020
REUTERS/Ueslei Marcelino
Presidente Jair Bolsonaro em uma de suas tradicionais entrevistas coletivas em frente ao Palácio da Alvorada, em Brasília (DF) 05/05/2020 REUTERS/Ueslei Marcelino
Foto: Reuters

A ordem até o momento, no entanto, é evitar uma "flexibilização radical" que coloque em xeque a agenda liberal e de austeridade do ministro da Economia, Paulo Guedes. Um "cavalo de pau" na economia neste momento poderia significar o desembarque de Guedes, o que só arranharia a imagem do governo Bolsonaro enquanto o presidente ainda busca sobreviver às crises econômica e política deflagradas pela pandemia do novo coronavírus e pelas acusações de tentativa de interferência na Polícia Federal.

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Nas últimas semanas, Guedes recebeu em diferentes ocasiões o respaldo público do presidente após ter entrado na mira do "fogo amigo" por insistir no discurso de manutenção da política de ajuste fiscal na fase pós-crise. Mas o Centrão, fortalecido por Bolsonaro, que precisa do apoio do grupo para escapar de um eventual processo de impeachment, deve continuar buscando a aprovação de medidas de seu interesse no Congresso, ainda que isso signifique entrar em embate com Guedes.

Técnicos da área econômica reconhecem que o ingresso do Centrão na base do governo pode acabar abrindo a porteira para gastos que, em tese, nem caberiam no Orçamento. Alguns focos de atuação do bloco de partidos têm sido as tentativas de tornar permanente o auxílio emergencial de R$ 600 a informais e de ampliar o valor do benefício pago a empregados com carteira assinada afetados por redução de jornada e salário ou suspensão de contratos.

Guedes, por sua vez, voltou a se aproximar do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), com quem havia rompido por divergências na votação do projeto de socorro a Estados e municípios. Embora o governo tenha mudado o relacionamento com o Legislativo, substituindo a negociação mediada pelos presidentes do Legislativo por uma conversa no varejo com parlamentares do Centrão, o entendimento é que Maia ainda "tem a caneta na mão" para definir a pauta de votações e, por isso, é quem dita as regras.

Um primeiro ensaio do atrito entre a orientação da ala política e da equipe econômica foi o aval dado pelo líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), a uma emenda que blindou categorias de servidores da proibição a reajustes salariais nos próximos anos como contrapartida ao socorro a Estados e municípios. A votação contrariou Guedes, mas, segundo o deputado, a ordem partiu de Bolsonaro. "Sou líder do governo e não líder de qualquer ministério", avisou.

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Depois do episódio, Guedes defendeu o veto em entrevista ao lado do presidente, que, ao ser confrontado, avalizou a posição do ministro. O Congresso, porém, já fala em derrubar o veto aos reajustes salariais de servidores. O cenário perfeito para Bolsonaro: o presidente agrada Guedes com o veto e, nos bastidores, estimula o Centrão a derrubar sua decisão.

Na Câmara, a bancada do Nordeste - que reúne lideranças do Centrão - é uma das mais engajadas para tornar o auxílio emergencial de R$ 600 uma política permanente. Partidos do bloco também estão recebendo relatorias de medidas provisórias importantes, como a que concede crédito às empresas e a que reduz as alíquotas do sistema S.

Salário. Técnicos do Congresso lembram que a MP que define o novo valor do salário mínimo em R$ 1.045 ainda está em tramitação no Congresso e pode ser usada pelos partidos como moeda de troca. O presidente do Solidariedade, deputado Paulo Pereira da Silva (SP), o Paulinho da Força, apresentou emenda que pretende garantir aumento real ao piso nacional já este ano. Pela proposta, o valor subiria cerca de R$ 11 a mais em relação ao atual, o que representa mais de R$ 3,3 bilhões só neste ano. Se a equipe econômica perceber risco real de aprovação, pode-se abrir brecha para negociações e barganhas.

Outro foco de tensão deve ser o chamado Plano Pró-Brasil de retomada da economia após a pandemia. Foco de desavença entre Guedes e o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, o plano deve virar motivo de pressão do bloco sobre a equipe econômica. Segundo fontes ouvidas pela reportagem, a visão do Centrão é muito mais alinhada à de Marinho, que deseja turbinar a retomada com obras pagas com dinheiro público, do que à de Guedes, defensor de privatizações e concessões, com menos investimentos com recursos da União.

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Dentro do governo, a ala defensora de um Pró-Brasil mais dotado de dinheiro público inclusive alerta que, se a equipe do presidente Jair Bolsonaro não tomar as rédeas desse debate, o Centrão irá fazer o seu próprio Plano Pró-Brasil. Nessa situação, o aumento de gastos poderia ser ainda mais dramático.

Nesse novo xadrez político, as reformas estruturais também podem se tornar mais vulneráveis ao jogo de interesses. Na quinta-feira passada, o próprio presidente da Câmara alertou para o risco. "Temos muito apoio para a reforma tributária e vamos avaliar como introduzir a reforma de bens e serviços para que não beneficie setores que foram mais atingidos. Não se pode usar a crise para garantir benefícios permanentes", disse Maia.

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