Em meio a protestos e atos de apoio, o ex-ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública) depôs neste sábado (2) em Curitiba por quase nove horas à Polícia Federal acerca das acusações que fez contra o presidente da República, Jair Bolsonaro.
Segundo o ex-auxiliar, o mandatário buscava interferir em investigações e ter acesso ilegal a elas. Bolsonaro nega ter cometido qualquer irregularidade.
O teor do depoimento de Moro, prestado entre 14h e 22h a policiais federais acompanhados de procuradores federais no âmbito de uma investigação que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), ainda não veio à público oficialmente.
Os jornais O Estado de S. Paulo e O Globo afirmaram que foram entregues à Justiça textos e áudios de WhatsApp de Moro e de auxiliares dele, mas sem informar o conteúdo dessas conversas.
O depoimento na Superintendência da Polícia Federal atraiu manifestantes a favor de Moro e contrários ao ex-ministro. Um grupo pró-Bolsonaro queimou camisetas com imagens de Moro e tentou atrapalhar o trabalho de jornalistas. Apoiadores do ex-ministro exaltaram a Lava Jato e a ruptura com o governo Bolsonaro.
Horas antes da oitiva, Bolsonaro chamou o ex-auxiliar de Judas em um texto no Twitter que acompanha um vídeo sobre a tentativa de assassinato que ele sofreu durante as eleições de 2018. "Os mandantes estão em Brasília? O Judas, que hoje deporá, interferiu para que não se investigasse? Nada farei que não esteja de acordo com a Constituição. Mas também NÃO ADMITIREI que façam contra MIM e ao nosso Brasil passando por cima da mesma."
Mais cedo, Bolsonaro disse a apoiadores em Brasília, em referência à investigação envolvendo Moro, que "ninguém vai fazer nada ao arrepio da Constituição, fiquem tranquilos. Ninguém vai querer dar um golpe em cima de mim, não, podem ficar tranquilos".
Moro foi ouvido no âmbito de uma investigação aberta a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras. Este apontou no pedido de autorização ao STF, que lhe foi concedida em seguida, a necessidade de investigar os possíveis crimes de "falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de justiça, corrupção passiva privilegiada, denunciação caluniosa e crime contra a honra", que podem ter sido cometidos por Bolsonaro ou por Moro, caso a denúncia não se mostre verdadeira. Ambos são investigados.
Se ficar comprovado que o presidente cometeu algum crime comum no exercício do cargo, ele poderá ser denunciado ao STF por Aras. No entanto, a Constituição prevê que o Supremo só pode dar andamento ao processo com autorização de dois terços da Câmara dos Deputados.
Caso isso ocorra e o STF decida receber a denúncia, o presidente fica suspenso do cargo por até 180 dias enquanto é realizado o julgamento. Se for condenado, perde o cargo, da mesma forma que ocorre ao fim de um processo de impeachment.
Saída de Moro
Moro, que ganhou projeção nacional como juiz de primeira instância da Lava Jato no Paraná, assumiu o cargo no governo Bolsonaro com alta popularidade e protagonismo - além de promessa de "carta branca" e status de "superministro", na pasta que uniu Justiça e Segurança Pública.
No entanto, passado cerca de um ano e meio de governo, capitalizou quedas nos índices de violência e acumulou recuos, derrotas e polêmicas, como o vazamento de trocas de mensagens com procuradores da Lava Jato, a perda de controle de seu ministério sobre o antigo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), e a desidratação de seu pacote anticrime, na tramitação no governo.
Em seu discurso de saída, o ex-ministro justificou sua saída citando a exoneração do diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, e mencionou por diversas vezes a necessidade de autonomia para exercer suas funções e a carta branca que havia sido prometida.
Moro disse que só ficou sabendo da exoneração pelo Diário Oficial e criticou a decisão de trocar Valeixo. Ele afirmou ter dito ao presidente que tal movimento só seria aceitável se houvesse um "fraco desempenho" por parte do diretor, mas que isso não ocorreu.
O ministro acrescentou que também haveria planos de trocar superintendentes nos Estados, além de Valeixo.
"Ontem, conversei com o presidente e houve essa insistência do presidente. Falei ao presidente que isso seria uma interferência política e ele disse que seria mesmo", afirmou.
Moro relatou que o presidente disse "mais de uma vez, que ele queria ter uma pessoa do contato dele que ele pudesse ligar, que ele pudesse colher informações, colher relatórios de inteligência" e comentou que não é apropriado que o presidente tenha acesso direto a esse tipo de informação.
O presidente negou ter cometido qualquer irregularidade. "Quero um delegado, que eu sinta que eu possa interagir com ele. Por que não? Interajo com os homens da inteligência das Forças Armadas, interajo com a Abin. (...) Eu nunca pedi para ele o andamento de qualquer processo. Até porque, com ele, a inteligência perdeu espaço na Justiça."
Ele disse também que Bolsonaro manifestou preocupação com a tramitação de inquéritos no STF. Há duas investigações já em curso na Corte com potencial de atingir a família presidencial: uma investiga grupos que espalham notícias falsas nas redes socias e outra apura a convocação dos atos antidemocráticos realizados no domingo (19/04) pelo país.
No mesmo dia em que pediu demissão, Moro encaminhou ao Jornal Nacional, da TV Globo, trechos de uma conversa com Bolsonaro. Na imagem, o presidente envia um link de uma reportagem segundo a qual a PF está "na cola" de 10 a 12 deputados bolsonaristas. "Mais um motivo para a troca", disse Bolsonaro, se referindo à mudança na direção da instituição.
Reação de Bolsonaro
Algumas horas depois do discurso acusatório de Moro, o presidente da República defendeu-se das acusações em um pronunciamento ao longo de quase todos seus ministros.
O presidente acusou Moro de condicionar a troca na PF a vaga no STF (Supremo Tribunal Federal). "Mais de uma vez, Moro disse para mim 'Você pode trocar o Valeixo sim, mas em novembro, depois que o senhor me indicar para o Supremo Tribunal Federal'. Desculpe, mas não é por aí."
O ex-ministro negou a acusação em sua conta oficial no Twitter e depois também encaminhou ao Jornal Nacional trechos de uma conversa com a deputada federal Carla Zambelli, que esteve ao lado de Bolsonaro em seu pronunciamento.
Nas mensagens, a parlamentar propõe ao então ministro que fique no cargo em troca da nomeação ao Supremo e se oferece para convencer o presidente a aceitar uma negociação nesses termos. Na conversa, ele rechaça a oferta.
Bolsonaro também disse que não tinha que pedir autorização para trocar o diretor da corporação. "Não tenho que pedir autorização para trocar um diretor ou qualquer outro que esteja na pirâmide hierárquica do Executivo", disse.
"O dia em que eu tiver que me submeter a um subordinado, deixo de ser presidente da República", acrescentou. "(Moro) relutou e falou: 'mas o nome tem que ser o meu'. Vamos conversar. Porque tem que ser o dele e não possivelmente o meu? E o lembrei que a indicação é minha. A prerrogativa é minha. Quero um delegado, que eu sinta que eu possa interagir com ele. Por que não? Interajo com os homens da inteligência das Forças Armadas, interajo com a Abin. (...) Eu nunca pedi para ele o andamento de qualquer processo. Até porque, com ele, a inteligência perdeu espaço na Justiça."
O mandatário também criticou a atuação da PF na investigação sobre o atentado que sofreu.
"A PF de Sergio Moro se preocupou mais com quem matou Marielle (Franco) do que com quem tentou matar seu chefe supremo. Cobrei muito deles, interferi. (...) Será que é necessário implorar a Moro para que apurem quem mandou matar Jair Bolsonaro?"
Bolsonaro afirmou em seu discurso também que Moro "tem um compromisso consigo próprio, com o seu ego, e não com o Brasil " e por isso busca "uma maneira de botar uma cunha entre eu e o povo brasileiro".