O modelo eleitoral alemão pode funcionar no Brasil?

Para especialistas alemães, modelo é superior ao atual, mas sozinho não é capaz de melhorar a política brasileira.

22 ago 2017 - 10h47
(atualizado às 10h59)

A Câmara debate uma emenda à Constituição que pretende mudar radicalmente a forma como os brasileiros escolhem deputados. A ideia básica: a aplicação do sistema apelidado de "semidistritão" nas eleições de 2018 e 2020 e a adoção, a partir de 2022, do chamado "sistema distrital misto".

O "sistema distrital misto" é abertamente inspirado no sistema eleitoral vigente na Alemanha. Já o "semidistritão" é uma pura jabuticaba brasileira: um sistema sem paralelo no mundo, que colocaria o Brasil num exótico período de transição até chegar ao modelo alemão.

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O "semidistritão" já vem sendo criticado por especialistas e políticos tanto da oposição quanto da base aliada. O sistema que mais se aproxima dele, o "distritão" puro, só é usado amplamente em quatro países: Afeganistão, Jordânia, Vanuatu e Ilhas Pitcairn.

Defendido pelo ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, o modelo já havia sido rejeitado em 2015 pelo Congresso, e agora ressurge repaginado. Nele, os estados serão encarados como grandes distritos: uma parte dos deputados seria eleita nominalmente por maioria dos votos, e outra, por meio de listas apresentadas pelos partidos.

O "semidistritão" já vem sendo criticado por especialistas e políticos tanto da oposição quanto da base aliada
O "semidistritão" já vem sendo criticado por especialistas e políticos tanto da oposição quanto da base aliada
Foto: Reuters

Já a adoção do sistema distrital misto alemão para o Brasil tem mais defensores em outros meios que não o político. O ministro do Supremo Luís Roberto Barroso chegou a afirmar que o sistema alemão significaria a "redenção da política no Brasil". O ministro disse ainda que "pagaria o preço se o preço para a aprovação do distrital misto para daqui a quatro anos for a aprovação do distritão".

Mas seria possível transplantar o sistema alemão para a cultura política brasileira e esperar que ele funcione?

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Questão demográfica

O sistema eleitoral da Alemanha, adotado depois da Segunda Guerra, é uma combinação do sistema distrital e do proporcional de lista fechada. Nele, eleitores inscritos em pequenos distritos - bem menores que os estados - recebem uma cédula que dá direito a dois votos: um para um candidato que se apresentou no distrito e outro para um partido, ao qual cabe apresentar uma lista de nomes.

Metade das vagas do Parlamento é ocupada pelos candidatos nominalmente mais votados, e a outra metade é distribuída entre os partidos conforme sua votação e ocupadas pelos nomes de suas listas. O sistema faz com que o número de deputados varie em cada legislatura. Atualmente, o Bundestag tem 630 deputados. Em 2012, eram 620. Desde sua adoção, o sistema funcionou na Alemanha sem sobressaltos ou crises prolongadas. Ele também vigora em Bolívia, Lesoto, México e Nova Zelândia.

Segundo Thomas Manz, diretor da Fundação Friedrich Ebert no Brasil, organização ligada ao Partido Social-Democrata alemão (SPD), seria possível adotar o modelo alemão no Brasil, mas as particularidades do País demandariam um enorme número de ajustes.

"O maior problema seria como desenhar os distritos. A Alemanha é mais homogênea, com população mais distribuída. Já o Brasil é um país continental", pondera. "Se a questão não for bem discutida, corre-se se o risco de ampliar o desequilíbrio regional."

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Para Beate Forbriger, diretora da Fundação Friedrich-Naumann no Brasil, de tendência liberal, a adoção do sistema alemão representaria uma melhora substancial na escolha dos deputados brasileiros.

"Seria muito melhor que o atual sistema puramente proporcional, onde há a figura do puxador de votos. O desenho dos distritos menores também permite baratear as campanhas e aproximar os candidatos da sua base, promovendo um acompanhamento maior", comenta.

Forbriger, no entanto, adverte que a apenas a adoção do sistema eleitoral não é suficiente: "A política alemã não funciona apenas porque os eleitores escolhem seus deputados dessa forma. Há uma série de outros mecanismos, como cláusula de barreira, um rígido sistema de financiamento de partidos, responsabilização das cúpulas dos partidos... É preciso uma reforma política mais ampla."

Manz, da Friedrich Ebert, também concorda que é necessário fazer mais. "É preciso pensar de maneira mais ampla. Nem a responsabilidade de cada poder é bem definida no Brasil. Um sistema eleitoral não é capaz de corrigir tudo sozinho. O modelo alemão não é a panaceia que vai salvar a política."

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Fidelidade partidária

Uma crítica bem disseminada ao sistema distrital misto é que os deputados podem passar a agir como meros "vereadores" dos seus distritos, ficando apenas interessados em promover os interesses das suas regiões, deixando questões nacionais de lado.

Para Forbringer, a crítica não procede, pelo menos na Alemanha: "Metade dos deputados são eleitos por listas, não sendo tão dependentes dos distritos. E mesmo para aqueles eleitos nominalmente não há um sistema de emendas parlamentares como o brasileiro. Mas para isso ocorrer no Brasil, os partidos teriam que controlar seus membros. Mas é difícil fazer isso também sem uma reforma nas atuais cúpulas partidárias. Hoje, os partidos são apenas veículos para interesses próprios. O sistema misto pode ajudar, mas também é preciso mudar como os partidos operam."

O sistema alemão, onde metade dos deputados é eleita por seus próprios votos, também pode ser uma porta para infidelidade partidária em cultura política como a brasileira. Isso porque metade dos deputados seriam os donos efetivos dos seus mandatos, tendo sido eleitos com votação própria, podendo assim mudar de partido quando lhes for conveniente. "Na Alemanha existem partidos bem definidos, com programas e ideologia. Não é simples fazer uma troca. Já no Brasil não é assim", diz Forbringer.

Gerhard Dilger, diretor da Fundação Rosa Luxemburgo no Brasil, ligada ao partido alemão A Esquerda, também concorda que o Brasil poderia adotar o sistema, mas alerta que ele também deveria ser acompanhado de mais reformas. "Deveria ser parte de uma reforma política radical. Mas o Congresso atual não tem legitimidade - nem vontade - para isso. Difícil imaginar, nessa conjuntura, uma saída deste dilema", diz.

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Transição "jeitinho"

Tanto Manz quanto Forbriger apontam que não faz sentido que vários deputados brasileiros queiram adotar o sistema exótico de transição do "semidistritão" antes da instalação do sistema misto alemão de pequenos distritos. "Faria mais sentido deixar o sistema proporcional por mais quatro anos e depois já adotar diretamente o distrital misto alemão", afirma Manz. Ele teme que o plano de sinalizar com um sistema melhor em 2022 possa ser apenas uma cortina de fumaça. "Uma Câmara eleita por um sistema pior ainda seria responsável por ditar as coisas até lá", diz.

Já Forbringer afirma que "não há nenhuma garantia" de que a nova Legislatura que pode assumir pelo distritão em 2018 se interesse em adotar o sistema alemão. "O distritão é forma de que aqueles deputados e partidos já desgastados encontraram para se manter mais uma vez no poder. Eles podem simplesmente mudar as regras novamente se isso se encaixar melhor em seus planos", ressalta.

No momento, não parece existir consenso sobre a adoção dos dois sistemas entre os membros da Câmara. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) vem sendo reescrita diariamente em ritmo de toque de caixa.

A última proposta que apresentou os modelos eleitorais também prevê a adoção de um sistema de financiamento público de campanhas, inicialmente orçado em 3,6 bilhões de reais para 2018, mas mesmo esse valor pode ainda mudar.

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Há também outros dois projetos paralelos que correm em comissões da Câmara. Para poderem valer nas eleições de 2018, as mudanças têm que ser aprovadas pelo Congresso até outubro.

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