OCDE reafirma que ação contra Brasil é inédita e contradiz governo Bolsonaro

Site da entidade desmente nota interministerial enviada à imprensa, que afirmava que o governo brasileiro não havia sido alertado pela OCDE sobre preocupações com retrocessos no combate à corrupção.

16 mar 2021 - 18h52
(atualizado às 19h22)
Itamaraty, comandado por Ernesto Araújo, foi um dos órgãos que questionou reportagem da BBC. Agora, OCDE reafirma que medida contra o Brasil é inédita
Itamaraty, comandado por Ernesto Araújo, foi um dos órgãos que questionou reportagem da BBC. Agora, OCDE reafirma que medida contra o Brasil é inédita
Foto: Raylson Ribeiro/MRE / BBC News Brasil

Um dia após a BBC News Brasil revelar que a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) criou um grupo para monitorar a situação do combate à corrupção no Brasil, diante de sinais de retrocesso na área, o Itamaraty, a Casa Civil, o Ministério da Justiça e a Controladoria Geral da União enviaram nota à imprensa em que questionam o teor da reportagem. Diante das afirmações do órgão, a BBC News Brasil voltou à OCDE e à apuração, e explica a seguir porque as afirmações do comunicado interministerial são falsas.

O tema é central para o governo federal, que elegeu a entrada na OCDE, conhecida como grupo de países ricos, como uma de suas prioridades e que chegou ao poder com a bandeira eleitoral de combate à corrupção no país.

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Mas, de acordo com Drago Kos, presidente do Grupo de Trabalho Antissuborno da OCDE, órgão responsável pela avaliação dos avanços dos países signatários da Convenção Antissuborno em relação à corrupção nacional e internacional, desde 2019, o Brasil inspira "sérias preocupações".

"Em outubro de 2016, ainda elogiamos o Brasil pelo progresso na implementação de nossas recomendações (anticorrupção). Nossas sérias preocupações começaram em 2019, quando o Senado brasileiro aprovou um projeto de lei que, em nossa opinião, poderia servir como um mecanismo para que indivíduos corruptos atacassem injustamente promotores e juízes por fazerem seu trabalho corretamente. Além disso, em 2019 o Grupo de Trabalho Antissuborrno da OCDE também expressou publicamente as preocupações após algumas liminares do Supremo Tribunal Federal", afirmou Drago Kos à BBC News Brasil, em referência à lei de abuso de autoridade e à liminar do ministro Dias Toffoli, em resposta a um pedido do senador Flávio Bolsonaro, que interrompeu investigações do Ministério Público com informações da Receita Federal e da Unidade Federal de Investigação, antigo Coaf.

A nota interministerial afirma, no entanto, "que, desde 2019, nunca houve por parte da OCDE qualquer manifestação oficial ao Governo Brasileiro sobre suposto retrocesso do país no combate à Corrupção".

A própria página de comunicados oficiais da OCDE desmente a afirmação. Em 21 de outubro de 2019, a entidade lançou nota cujo título era "a capacidade de aplicação da lei no Brasil para investigar e processar o suborno estrangeiro está seriamente ameaçada, diz Grupo de Trabalho da OCDE sobre Suborno".

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Essa era a segunda nota pública ao Brasil apenas naquele ano. Em julho de 2019, uma outra nota pública alertava o país sobre os riscos da aprovação da lei contra abuso de autoridade, que segundo a OCDE poderia minar o trabalho de investigadores. A lei foi aprovada pelo Congresso brasileiro, com o apoio do presidente Bolsonaro, em agosto daquele ano. De acordo com Bolsonaro, a lei seria necessária para criminalizar condutas de investigadores porque "o Ministério Público, em muitas oportunidades, abusa".

Mas os alertas da OCDE não ficaram apenas em comunicados. Em novembro de 2019, uma missão de alto nível da entidade esteve em Brasília para conversar com altos funcionários do governo Bolsonaro.

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Foto: Marcos Corrêa/PR / BBC News Brasil

O próprio Kos recorda os passos de sua equipe: "Em 2019, emitimos duas declarações públicas destacando nossas preocupações e anunciamos o próximo passo, que não aplicamos com muita frequência: uma missão de alto nível ao Brasil para encontrar os mais altos funcionários do país para expressar nossas preocupações e discutir questões pendentes. A missão aconteceu em novembro de 2019 e saímos do país bastante satisfeitos, apenas para descobrir logo depois que os problemas - com raras exceções - ainda existiam e que novos problemas que ameaçavam a capacidade do Brasil de combater o suborno internacional continuam a surgir. Portanto, em dezembro de 2020, o Grupo de Trabalho decidiu formar um subgrupo menor, que irá acompanhar regularmente os desenvolvimentos relevantes no país, relatá-los ao Grupo de Trabalho e propor novas etapas", afirmou Kos.

A declaração do presidente do grupo antissuborno contradiz a afirmação da nota do governo brasileiro, que diz que a criação do grupo de monitoramento é trivial e inerente ao processo. "É mecanismo inerente ao próprio processo de revisão inter-paritária que faz parte da metodologia de monitoramento da OCDE, especialmente no marco do Grupo de Trabalho contra o Suborno Transnacional da OCDE, para acompanhar de modo mais efetivo a evolução do tema no país", diz o Itamaraty.

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Mas o próprio site da OCDE, na página dedicada às regras da Convenção Antissuborno da qual o Brasil é signatário, contradiz a nota do governo: "Nos casos em que um país implementou de forma inadequada ou continuamente falhou em implementar de forma adequada a Convenção Antissuborno da OCDE, outras etapas podem ser consideradas, tais como a criação de um grupo de monitoramento". Logo, a entidade explicita publicamente que a formação do grupo a que o Brasil está submetido se deve a falhas do país em comprovar combate à corrupção.

Por fim, o governo brasileiro argumenta que a criação do grupo de monitoramento não é iniciativa inédita, como afirmou a BBC News Brasil. "Ressalta-se que, diferentemente do que publicado na reportagem, a criação do grupo não é uma ação inédita, e sim uma prática da Organização", diz a nota interministerial.

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Foto: Agência Brasil / BBC News Brasil

Questionado pela BBC News Brasil sobre tal afirmação, o Itamaraty mencionava como equivalente à atual situação do Brasil uma decisão da OCDE de outubro de 2007 em relação ao Japão, na qual a entidade estabelecia "encontros anuais informais" com autoridades japonesas para checar o progresso do combate à corrupção naquele país.

A BBC News Brasil voltou a questionar a OCDE sobre o assunto, e a entidade reafirmou que essa é a primeira vez que um grupo de monitoramento sobre um país é criado pela OCDE e que há uma clara diferença entre o Japão de 2007 e o Brasil de 2020/21.

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A situação do Japão poderia ser descrita como "solicitação de informação adicional", enquanto a medida contra o Brasil é uma das mais severas que a entidade pode aplicar já que inclui monitoramento contínuo por um grupo de especialistas estrangeiros.

"Já emitimos muitas declarações públicas a respeito de outros países e também organizamos algumas missões de alto nível. Mas nunca antes estabelecemos um subgrupo para acompanhar o que está acontecendo em um país de interesse", afirma Kos.

A nota do governo brasileiro afirma ainda que "as opiniões constantes na reportagem não foram deliberadas e acordadas entre os membros do Grupo de Trabalho contra o Suborno Transnacional da OCDE. Não refletem, portanto, o posicionamento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)". No entanto, a decisão de criar um grupo de monitoramento ao Brasil, justificada pelas falhas contínuas em implementar medidas de combate à corrupção, foi deliberada pelo Grupo de Trabalho de Combate ao Suborno da OCDE em dezembro e o acórdão foi publicado esse mês.

Quando a reportagem original da BBC News Brasil inclui declarações de Drago Kos que possam conter opiniões pessoais, como sobre a possibilidade de dificuldades de entrada do Brasil na OCDE pelas sucessivas avaliações negativas na área da corrupção, isso está assinalado no texto, com a informação de que o grupo ainda não deliberou sobre o assunto e não tem data para fazê-lo.

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Por fim, como afirmou a BBC, a nota afirma que "o Governo Brasileiro está comprometido com o processo de acessão à OCDE" e afirma que o Brasil "é o país não-membro mais aderente aos instrumentos da Organização, sendo 99 de 245 instrumentos, um crescimento de 50% nos dois primeiros anos de governo".

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