Olho roxo e dólar da cueca: relembre 15 fatos do mensalão

Já se foram dez anos desde que Roberto Jefferson denunciou o esquema que se passava nos bastidores do Congresso Nacional

3 jun 2015 - 09h19
(atualizado às 09h22)

Dez anos se passaram desde que o ex-deputado federal e presidente do PTB, Roberto Jefferson, revelou ao Brasil uma palavra que, segundo ele, há muito tempo se conhecia nos bastidores do Congresso Nacional: o mensalão. Foi esse o estopim para que um complexo esquema de compra de parlamentares envolvendo o PT e os partidos da base aliada viesse à tona, chocando o País “quase que diariamente”, conforme palavras do próprio presidente da República em 2005, Luiz Inácio Lula da Silva.

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Renúncias, olho roxo, cassações e dólar na cueca: relembre 15 fatos marcantes dos primeiros seis meses da crise nesse especial do Terra.

A denúncia de Roberto Jefferson

Roberto Jefferson, ex-deputado federal e presidente do PTB, chocou o País ao denunciar o mensalão em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, de 6 de junho de 2005. Nela, Jefferson acusa o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares de distribuir R$ 30 mil para cada deputado de PL e PP em troca de apoio na Câmara dos Deputados. Jefferson e o PTB teriam se recusado a participar.

Ele disse ainda que revelou o esquema, no início de 2004, aos então ministros José Dirceu (Casa Civil), Walfrido Mares Guia (Turismo), Ciro Gomes (Integração Nacional), Miro Teixeira (Comunicações), Antônio Palocci (Fazenda) e Aldo Rebelo (Secretaria de Coordenação Política e Relações Institucionais). No início de 2005, Jefferson teria se encontrado pessoalmente com o presidente Lula. Segundo o relato do ex-deputado, Lula chorou ao saber da história, ficou indignado e “meteu o pé no breque.” 

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O ex-deputado fora acusado em outro escândalo, revelado pela Revista Veja, três semanas antes. A revista publicou uma gravação em que dois empresários discutem com Maurício Marinho, que na época chefiava o departamento de contratação e administração de material dos Correios, como poderiam vencer licitações para fornecimento de equipamentos de informática para a estatal. Segundo Marinho, Jefferson comandava o esquema.

O surgimento de Marcos Valério

Em nova entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, o deputado Roberto Jefferson acusa o publicitário Marcos Valério de ser o operador financeiro do esquema de mesada aos deputados da base aliada do governo. Valério era dono de duas empresas de comunicação de Minas Gerais, a DNA e a SMP&B, que prestavam serviços em diversas campanhas eleitorais e empresas do Estado.

Marcos Valério negava qualquer envolvimento no mensalão, mas viu seu nome ganhar destaque quando sua ex-secretária, Fernanda Karina Somaggio, confirmou as denúncias em entrevista publicada pela revista IstoÉ Dinheiro, em 15 de junho. As provas só apareceriam dias depois, em vazamento de documentos do Banco Central e quebra de sigilo fiscal, bancário e telefônico de Valério.

Marcos Valério foi denunciado como integrante no esquema pelo ex-deputado Roberto Jefferson
Marcos Valério foi denunciado como integrante no esquema pelo ex-deputado Roberto Jefferson
Foto: Jamil Bittar / Reuters

A renúncia de José Dirceu

Após as acusações de pagamento de mesada entre PT e base aliada, o então ministro da Casa Civil, José Dirceu, renuncia ao cargo em 16 de junho. Homem de confiança de Lula e um dos principais nomes do governo, Zé Dirceu voltou a atuar como deputado federal. Curiosamente, o fato aconteceu dois dias após o delator do mensalão, Roberto Jefferson, prestar depoimento no Conselho de Ética da Câmara e afirmar: “Zé Dirceu, se você não sair daí rápido, você vai fazer réu um homem inocente, que é o presidente Lula. Sai daí rápido, Zé!". A hoje presidente Dilma Rousseff, na época ministra de Minas e Energia, assumiu a vaga deixada pelo petista. Um dia depois, em 17 de junho, Jefferson pediu licenciamento da presidência do PTB.

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No dia 2 de agosto de 2005, Dirceu depôs por cerca de sete horas no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara
Foto: Futura Press

O olho roxo de Jefferson

O delator do mensalão, Roberto Jefferson, prestou depoimento à CPI dos Correios, em 30 de junho de 2005, com um olho roxo, inchado e com 12 pontos, segundo sua assessoria de imprensa. A cena, que virou piada entre os parlamentares presentes, seria consequência de um acidente doméstico. Segundo seu relato, o deputado estava em cima de uma escada, procurando uma caixa de CDs do cantor Lupicínio Rodrigues, até se desequilibrar e se apoiar sobre um armário, que caiu sobre sua cabeça.

No depoimento, Jefferson reiterou as denúncias feitas anteriormente sobre a mesada distribuída pelo PT entre deputados de PP e PL, o papel do publicitário Marcos Valério de operador do esquema, o aparelhamento de estatais e o desvio de recursos de empresas como Furnas Centrais Elétricas, Eletronorte e o Departamento Nacional de Infraestrutura Terrestre (Dnit). O ex-deputado também revelou que a mesada teria parado de circular pelo Congresso em malas e passado a ser feita por meio de saques em uma agência do Banco Rural, localizada em prédio anexo ao Brasília Shopping. A operação cabia a assessores de parlamentares, disse Jefferson.

Roberto Jefferson aparece em CPI com o olho roxo
Foto: Agência Senado

O vínculo entre Marcos Valério e dirigentes do PT

Documento publicado pela Revista Veja, em 2 de julho de 2005, comprovou que existia relação financeira entre o publicitário Marcos Valério, apontado como principal operador do mensalão, e os dirigentes do PT Delúbio Soares e José Genoíno. Até então, o partido confirmava apenas amizade pessoal de Delúbio com Valério e conversas profissionais sobre serviços prestados pelas empresas de publicidade a campanhas eleitorais.

Segundo o material, Valério negociou e avalizou empréstimo de R$ 2,4 milhões para o PT, no banco BMG, em 17 de fevereiro de 2003. Uma das agências de Valério teria inclusive pago parcela de R$ 350 mil em nome do partido. Outras duas pessoas assinaram o documento: Delúbio Soares e José Genoíno. O tesoureiro do PT se licencia do cargo dias depois, assim como o secretário geral do partido, Silvinho Pereira. Genoíno se nega a deixar presidência do PT.

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Os dólares na cueca

A crise do governo federal por conta do mensalão não ficou restrita apenas a Brasília. Em 8 de julho, José Adalberto Vieira da Silva, assessor do deputado estadual José Nobre Guimarães (PT-CE), foi preso no aeroporto de Guarulhos tentando embarcar com R$ 200 mil em uma mala e US$ 100 mil - quantia equivalente, em 2005, a R$ 250 mil - em um saco plástico dentro da cueca.

O que isso tem a ver com o escândalo? Guimarães é irmão do presidente do PT em 2005, José Genoíno. O assessor não explicou a origem do dinheiro à Polícia Federal, e Genoíno abandonou o cargo um dia depois. O caso ficou para sempre no folclore político brasileiro.

Lula e a troca de ministros

O então presidente, Lula, resolve trocar o comando de quatro ministérios, rebaixa o status de dois e funde duas secretarias em 12 de julho de 2005, em meio à crise. Destaque para a mudança na Secretaria de Comunicação do Governo, responsável por toda a publicidade federal e sob comando de Luiz Gushiken. O órgão passou a ser subordinado à Casa Civil, de Dilma Rousseff. Deixaram o cargo os ministros Aldo Rebelo (Coordenação Política), Eduardo Campos (Ciência e Tecnologia), Romero Jucá (Previdência Social) e Nilmário Miranda (Direitos Humanos).

Com o pedido de demissão, 30 meses após atuar como ministro da Casa Civil, Dirceu passou o cargo para a então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff. A cerimônia de transmissão, que ocorreu no dia 21 de Junho de 2005, contou com a presença de Lula. Ao deixar pasta, Dirceu retomou o mandato como deputado federal
Foto: RicardoStuckert / PR / Divulgação

A tese do caixa dois

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Marcos Valério muda seu discurso e diz à TV Globo, em 15 de julho, que fazia empréstimos ao PT para alimentar fundos irregulares de financiamento de campanhas eleitorais, chamado de "caixa dois". No entanto, o publicitário seguia negando a existência do mensalão. No dia seguinte, em entrevista à mesma emissora, Delúbio Soares confirmou a versão, assumindo a culpa sozinho e detalhando o esquema com Valério. Lula, Dirceu e Genoíno não sabiam de nada, afirmou o ex-tesoureiro do PT.

Para alguns críticos, essa foi uma estratégia montada pelo governo a fim de orientar as suspeitas para um crime eleitoral, de penas mais brandas do que as práticas de compra de parlamentares no Congresso Nacional.

Poucas horas depois, o programa Fantástico publica entrevista de uma jornalista freelancer em Paris com Lula, na qual o ex-presidente diz: “O que o PT fez, do ponto de vista eleitoral, é o que é feito no Brasil sistematicamente.”

O papel de Duda Mendonça 

O publicitário Duda Mendonça, responsável pela campanha do PT que elegen Lula para a Presidência da República, é incluído por Marcos Valério na lista dos que receberam repasses de suas empresas. Mendonça então faz revelações importantes à CPI dos Correios, em 11 de agosto de 2005. 

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Segundo ele, quase metade dos gastos da campanha de 2002 tinham origem em Valério. O pagamento era feito com dinheiro não declarado para o exterior e sem emissão de notas fiscais. Cerca de R$ 10 milhões teriam sido pagos por meio de depósitos feitos em nome de uma empresa-fantasma nas Bahamas, aberta por Duda a pedido de Valério. Os recursos passaram dos R$ 15 milhões, disse Mendonça.

Lula em rede nacional 

Após as declarações do marqueteiro Duda Mendonça, o presidente Lula pede desculpas pela crise em rede nacional em 12 de agosto de 2005. "Não tenho nenhuma vergonha de dizer ao povo brasileiro que temos de pedir desculpas", afirmou Lula. Além disso, garantiu estar indignado com as revelações que chocavam diariamente o País. "Eu me sinto traído", continuou. "Traído por práticas inaceitáveis das quais nunca tive conhecimento."

No mesmo dia, a revista Época publica entrevista com o então presidente do PL, Valdemar Costa Neto, que havia renunciado ao mandato de deputado federal uma semana antes, para escapar da cassação. Costa Neto afirmou que Lula sabia do preço do PL para apoiar a candidatura presidencial dele em 2002: R$ 10 milhões.

Ameaça de bomba

Uma bolsa suspeita, abandonada em uma lanchonete do Senado Federal, chamou a atenção da polícia em 18 de agosto de 2005. Uma equipe do esquadrão antibombas então foi acionada. O exame de raio X, que teria identificado fios e pedaços de metal dentro do objeto, motivou uma explosão controlada da bolsa, em uma área interditada em frente ao Congresso. A análise dos vestígios provou que era um alarme falso. O presidente Lula e a primeira-dama Marisa Letícia teriam se assustado com o barulho a alguns metros do local.

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O indiciamento de Delúbio, Valério, Genoíno e Mendonça

A Polícia Federal decide, em 31 de agosto, indiciar o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, o ex-presidente do partido José Genoíno e os publicitários Marcos Valério e Duda Mendonça. Na época, eram consideradas certas as acusações por evasão de divisas, lavagem de dinheiro e crimes contra o sistema financeiro.

Os petistas José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil, e José Genoino, ex-presidente do partido, foram condenados membros pelo escândalo que ficou conhecido como mensalão
Foto: Marina Novaes / Terra

A cassação de Roberto Jefferson

Por 313 votos favoráveis e 156 contrários, o deputado federal e delator do mensalão, Roberto Jefferson, teve seu mandato cassado e seus direitos políticos suspensos por oito anos pelos parlamentares em 14 de setembro. Em seu último discurso na Plenário, antes da votação, Jefferson chamou o presidente Lula de preguiçoso e omisso, além de acusar José Dirceu de tratar a Câmara dos Deputados como um prostíbulo.

A expulsão de Delúbio Soares

Mesmo antes de ser condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por corrupção ativa e formação de quadrilha, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares foi expulso do partido. Em 22 de outubro de 2005, a Comissão de Ética considerou, apoiada por 37 dos 56 integrantes do Diretório Nacional presentes na votação, que Delúbio Soares praticou gestão temerária nas finanças da legenda.

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A cassação de José Dirceu 

Depois de Roberto Jefferson, foi a vez de José Dirceu ter o mandato cassado e os direitos políticos suspensos por oito anos. A votação de 30 de novembro, que decidiu o futuro do ex-ministro da Casa Civil, apontado como mentor do mensalão, teve 293 votos favoráveis à cassação e 192 contrários. Em sua defesa, Dirceu declarou sofrer "fuzilamento político" e estar com "as mãos limpas."

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Fonte: Terra
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