A melhor maneira de entender o orçamento secreto dentro das relações entre Executivo e Legislativo no Brasil é considerá-lo um imenso bônus para parlamentares que se aproveitaram do pior momento político de Jair Bolsonaro.
O presidente poderia ter sido, com certa facilidade, destituído do cargo por meio de um processo de impeachment provocado por sua atuação durante os piores momentos da pandemia, em 2020. Para evitar isso, Bolsonaro deu asas ao orçamento secreto, comandado por Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados.
O esquema deu aos asseclas de Lira condições melhores para a reeleição em 2022, embora ainda não se saiba quão decisivo esse bônus pode ter sido para aumentar as chances eleitorais dos deputados e senadores.
O orçamento secreto tem raízes em 2015, com a ascensão de Eduardo Cunha (então no MDB e hoje no PTB) à presidência da Câmara dos Deputados. Assim que assumiu o cargo, Cunha garantiu a aprovação das emendas impositivas, que tiravam da presidente da República boa parte do seu poder de barganha com os parlamentares.
Uma implicação prática disso foi que, às vésperas de seu impeachment, a então presidente Dilma Rousseff não conseguiu contornar a crise liberando verbas de emendas orçamentárias.
Caso tivesse seguido a Constituição, Bolsonaro também não teria essa prerrogativa. O orçamento secreto criou-a. Considerando sua óbvia ilegalidade em vários aspectos (mas não todos, como aponta Rodrigo Faria, doutorando em Direito Financeiro na Universidade de São Paulo), até que o instrumento durou tempo demais.
Deixar o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva com esse mecanismo ilegal de negociação política facilitaria muito seu relacionamento com o Congresso Nacional no ano que vem. Ele poderia delegar a Lira a função de negociar com líderes partidários, uma vez que lhe falta José Dirceu como ministro, e comandar o orçamento secreto sem precisar indicar filiados e pessoas ligadas ao Centrão para importantes cargos de confiança nos ministérios.
Agora é essa a alternativa que resta a Lula.