O deputado Hildo Rocha (MDB-MA) afirmou que o ministro Luiz Eduardo Ramos foi o responsável por negociar a distribuição dos recursos do orçamento secreto, usado pelo governo para aumentar sua base de apoio. Ao Estadão, o parlamentar relatou que as primeiras conversas entre o então chefe da articulação política do governo e o Congresso começaram em abril do ano passado.
O período de consolidação do esquema coincide com o momento em que o presidente Jair Bolsonaro começou a se aproximar dos partidos do Centrão. Rocha disse que o relator do Orçamento de 2020, deputado Domingos Neto (PSD-CE), não controlava, na prática, a destinação dos recursos desse orçamento paralelo e que seguia orientações do ministro.
"Ele (Neto) não foi responsável pela distribuição. O secretário de Governo (Ramos) é quem diz os deputados que vão apontar (onde aplicar os recursos)", declarou o deputado.
Na avaliação do parlamentar, houve um descontrole na distribuição dos recursos da emenda do relator-geral carimbada como RP9. "Como é uma coisa nova, implementada no ano passado, fica praticamente um negócio muito descontrolado, descoordenado, essa que foi a realidade. Esses recursos têm que ser iniciativa dos próprios ministros", afirmou.
Rocha é o primeiro deputado a quebrar o silêncio sobre o toma lá, dá cá promovido pelo governo. O assunto dominou o Congresso desde que o Estadão revelou o esquema, mas a maioria prefere não se expor. "O governo que decidiu tudo. Eu não sei quem foi que ele atendeu, como ou com quanto. Nem eu nem ninguém tem esse controle", disse um deputado que participou do acordo, mas só aceitou falar sob anonimato. Procurado, o relator do Orçamento não quis comentar. ,
O orçamento secreto foi usado pelo Planalto para garantir a vitória dos aliados Arthur Lira (Progressistas-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) nas eleições da Câmara e do Senado, respectivamente. Hildo Rocha anunciou que votaria no colega de partido Baleia Rossi (SP) na disputa na Câmara e acabou tendo um apadrinhado na Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) demitido pelo governo. "Eles tiraram o superintendente da Codevasf no Maranhão porque eu votei no Baleia", afirmou o emedebista.
O Planalto também suspendeu a possibilidade do parlamentar de destinar recursos da emenda do relator (RP9) para o Maranhão. "Estava tudo certo. Eu estava doente e quando voltei, no final de dezembro, já tinham botado para outros Estados", disse Rocha.
Em entrevista ao jornal O Globo publicada na segunda-feira, 17, o ministro Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) admitiu que os repasses privilegiaram parlamentares aliados, um modelo conhecido como "toma lá, dá cá". "É muita ingenuidade imaginarmos que na discricionariedade você vai tratar os desiguais de forma igual", afirmou o ministro.
Gabinete
Na terça-feira, 18, o Estadão revelou que a proposta que criou o orçamento secreto foi gestada no fim de 2019, no gabinete do ministro Luiz Eduardo Ramos. Pelo mecanismo, o governo conseguiu reunir R$ 20 bilhões que deveriam ser usados pelos ministros com base em critérios técnicos e sem interferência do Congresso. Um conjunto de 101 documentos obtidos pelo Estadão, porém, mostrou que o governo destinou pelo menos R$ 3 bilhões para um grupo político. Grande parte dos deputados e senadores agraciados determinou a compra de tratores, daí o escândalo ter sido batizado nas redes sociais de "tratoraço".
O ministro Ramos negou no Twitter na terça-feira, 18, ter assinado a proposta que recriou a RP9. "Mais um dia q MENTIRA é capa do Estadão. Isso é resultado da ausência de corrupção de Jair Bolsonaro", postou. A assinatura do ministro consta da exposição de motivos enviada ao Congresso com a proposta de alteração da lei. O documento deixa claro que foi Ramos quem propôs a Bolsonaro a medida.