No romance O Leopardo, do italiano Tomasi di Lampedusa, há uma frase dita por Tancredi ao seu tio Fabrizio: "...Se queremos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude".
Este raciocínio parece ter inspirado a aprovação da Resolução nº 3 do Congresso Nacional que promete "ampliar a transparência" e criar "critérios de proporcionalidade e impessoalidade" para a distribuição de R$ 19,4 bilhões do "orçamento secreto", em 2023.
Para não perderem os dedos, o Legislativo entregou os anéis. A divisão dos recursos deixará de ser concentrada nas presidências das Casas e não mais existirá o "usuário externo", nome que servia apenas para tornar oculto o parlamentar interessado na liberação do dinheiro. Nos R$ 12,3 bilhões das "indicações" de 2022, publicadas no site da Câmara dos Deputados, R$ 4 bilhões são de "usuários externos". Um deles, classificado apenas como "assinante", indicou o destino de R$ 23,6 milhões. Quanta transparência!
A Resolução nº 3 passa ao largo dos problemas cruciais. Destinar 50% dos recursos para a Saúde, Educação e Assistência Social não significa, por si só, aprimorar a qualidade do gasto. O TCU ao analisar o RP9, constatou:
"A distribuição de emendas RP9 para as áreas de Saúde e Assistência Social não atende critérios objetivos previstos constitucional e legalmente para alocação dos recursos da União nessas áreas."
Assim, mais recursos irão significar, apenas, ampliar o mau uso. É óbvio que, por exemplo, a construção de um posto de saúde, em um determinado local, deve obedecer a quesitos técnicos, como perfil epidemiológico e dados socioeconômicos e populacionais de Estados e municípios e não a interesses "politiqueiros".
Em outro aspecto, a distribuição porcentual de recursos entre a cúpula do Congresso, deputados e senadores, não resolve a questão central do problema, que é a inexistência de critérios técnicos para a distribuição dos bilhões. Ademais, a proposta de distribuir a dinheirama de forma igualitária entre governistas e oposicionistas foi rejeitada. A Cúpula do Congresso quer continuar a usar esses recursos de forma não republicana.
O STF tem a oportunidade de sepultar essa farra inconstitucional. Se o fará, são outros quinhentos...
Gil Castello Branco é economista, fundador e presidente da organização não-governamental Contas Abertas