A projeção de novos protestos contra e a favor do governo Jair Bolsonaro pelas ruas do País pode representar uma ameaça à busca por estabilidade. Esta é a avaliação de cientistas políticos que, a pedido do jornal O Estado de S. Paulo, comentaram os possíveis desdobramentos dos atos do domingo, 26, em apoio ao governo. Estão previstos atos contra a administração de Bolsonaro, nos moldes dos de duas semanas atrás, para o próximo dia 30.
"Se a sociedade entrar numa espiral de protestos a favor e contra, isso vai tensionar ainda mais a governabilidade que já está bastante esgarçada. É preocupante", diz o cientista político Rodrigo Prando, da Universidade Mackenzie, de São Paulo. "Tudo entra numa ótica quantitativa: quem consegue levar mais gente para a rua, e não numa ótica qualitativa, de pensar na superação das crises do País. Essa escalada de manifestações pode aprofundar a crise a paralisar o País. Sucessivas manifestações geram instabilidade."
O cientista político José Alvaro Moisés, da USP, afirma que há uma tendência de atos na rua desde 2013. "A tendência de manifestações de rua no Brasil vem se intensificando desde 2013. Em certo sentido, é um despertar de uma cidadania mais ativa, independente da posição ideológica dos participantes. No governo Bolsonaro, isso parece crescer porque o próprio governo incentiva as manifestações, sem que ele perceba que isso pode ser uma armadilha para um governo frágil, e que é mal avaliado. Talvez estejamos entrando em uma fase de mobilização permanente, e isso tem pontos a favor e contra a democracia representativa. Mas se isso cresce, pode suscitar conflitos."
"Trata-se da disputa por espaço midiático", afirma o cientista político Kleber Carrilho, da Universidade Metodista de São Paulo. "As questões políticas se negociam em outros espaços. Além do show, ontem (domingo) pouca coisa foi importante. Como também no caso da oposição, que tem se manifestado, mas não tem proposta apresentada. Então, estamos vivendo nesse ambiente de uma política 'de verdade' e de uma política das redes sociais, do ambiente midiático. Por isso, a instabilidade do governo Bolsonaro continua igual ou maior do que já existia."
Na avaliação de Fernando Luiz Abrucio, da Fundação Getúlio Vargas, o ambiente político segue inalterado após os atos, sem mudanças no jogo de força entre Executivo e Legislativo. "O Congresso não foi pressionado pelo movimento. Ele causou certo constrangimento ao presidente, em vez de mostrar força. É um grupo relevante, mas é menor nas ruas que outros grupos como os do Centrão e da oposição", observou o cientista político. "Bolsonaro não é a Dilma e nem o Temer. Ele ainda tem certo apoio popular, apesar de ser menor que o de outubro. O Congresso sabe disso", diz Abrucio.
"É contraproducente ficar procurando comparações entre o tanto de gente que foi às ruas dia 26 e o tanto de gente que protestou contra o governo dia 15. É um exercício que só faz separar a sociedade em dois blocos congelados, incomunicáveis", diz o cientista político Marco Aurélio Nogueira em seu blog no 'Estado'. "A polarização no chão social sobe fácil para o vértice do sistema. Faz a temperatura ficar elevada, com o Executivo atritando o Legislativo e sendo por ele atritado, sem que se veja no horizonte qualquer saída. O vértice, porém, tem suas responsabilidades. Não pode se deixar contagiar pelas vozes das ruas, cuja passionalidade separa 'esquerdistas' e 'direitistas', vermelhos e verde-amarelos, sem que cada lado saiba bem de que matéria são feitas as suas escolhas."