BRASÍLIA - Parlamentares ligados às igrejas evangélicas pediram apoio da área econômica do governo Jair Bolsonaro para conseguir acesso a empréstimos bancários. O assunto chegou a ser levado para o Banco Central. O presidente do BC, Roberto Campos Neto, recebeu, no último dia 22, o deputado Marcos Pereira (Republicanos-SP), bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus e atual 1º vice-presidente da Câmara dos Deputados.
Pereira é uma das lideranças do chamado Centrão, bloco de partidos com o qual Bolsonaro articula uma aproximação para aumentar a base de apoio do governo no Congresso Nacional.
O temor entre os técnicos da área econômica é que a pressão dos evangélicos leve a Caixa Econômica Federal a conceder uma série de financiamentos para as igrejas na esteira da pandemia da covid-19.
Segundo apurou o Estadão/Broadcast, a reclamação de parlamentares ligados à bancada evangélica é que o governo já socorreu grandes empresas, mas ainda não estendeu a mão às igrejas, que precisaram fechar para evitar aglomerações durante a pandemia e estão recolhendo menos dízimo dos seus fiéis. Muitas estão fazendo campanhas para receber "doação online", até mesmo vindas do exterior.
A crise levou os bancos a abrirem linhas de financiamento para empresas com taxas de juros subsidiadas, com o custo bancado pelo Tesouro Nacional. Diante disso, os parlamentares ligados à bancada começaram a pedir "apoio do sistema financeiro". Os técnicos da área econômica cobram transparência dessa movimentação das igrejas por ajuda do governo. Integrantes da equipe econômica veem com preocupação o assunto "rondando o BC".
O encontro entre Marcos Pereira e Campos Neto está registrado na agenda pública do presidente do BC, divulgada no site do banco na internet. Segundo apurou o Estadão/Broadcast, Pereira e o grupo de deputados que o acompanhou quiseram saber a posição do BC sobre a possibilidade de os bancos darem empréstimos para as igrejas. O BC esclareceu que não há impedimentos legais.
Hoje, porém, os bancos não costumam conceder empréstimos às igrejas porque elas têm como garantias apenas imóveis e os dízimos dos fiéis. Geralmente, ambos são rejeitados como lastro a essas operações porque são de difícil cobrança em caso de inadimplência. Mesmo no caso dos imóveis, a avaliação é que dificilmente um juiz concederia o bloqueio do bem (onde funciona o templo religioso) porque isso inviabilizaria sua atividade.
Fontes qualificadas do governo ouvidas pela reportagem informaram que a intenção das lideranças religiosas é obter um parecer do Banco Central para que os bancos públicos possam conceder os empréstimos.
Ao Estadão/Broadcast, o BC não negou nem confirmou o pedido do parecer. "No âmbito da regulação expedida pelo Banco Central ou pelo Conselho Monetário Nacional, o BC informa não haver qualquer vedação normativa para a concessão de empréstimos por instituições financeiras a entidades religiosas ou a instituições sem fins lucrativos", limitou-se a dizer o BC em nota.
Procurado, o deputado Marcos Pereira disse que "não houve pedido de socorro algum ao BC", mas confirmou que as igrejas buscam acesso a empréstimos. "O que houve foi pedido de 'esclarecimento' a respeito da possibilidade de instituições financeiras poderem emprestar para instituições religiosas", afirmou em nota enviada à reportagem.
Nas últimas semanas, o vice-presidente da Câmara subiu o tom das provocações contra o ministro da Economia, Paulo Guedes, em meio às críticas à atuação da equipe econômica nas negociações para o pacote de auxílio emergencial aos Estados e municípios. Em um das mensagens nas redes sociais, Pereira escreveu: "Paulo Guedes assumiu o Ministério da Economia dizendo que queria 'menos Brasília, mais Brasil'. Pois bem, Agora que aprovamos o reforço nos caixas de Estados e municípios, o ministro quer vetar. Em qual Paulo Guedes devemos acreditar."
Para aliados de Guedes, o dedo de Pereira está por trás da "fritura" que o ministro sofreu nas últimas semanas, antes e depois do lançamento do Pró-Brasil, plano de investimentos do governo para a recuperação econômica na fase pós-covid-19.
Dentro da pasta, auxiliares inclusive atribuem ao impasse com as igrejas a veiculação de uma reportagem pela TV Record, cujo proprietário é o bispo Edir Macedo (fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, a mesma de Pereira), tachando Guedes como insensível com os mais pobres durante a crise do novo coronavírus. A Universal disse que esse tema deveria ser tratado diretamente com a emissora, que não se pronunciou até o momento desta publicação.
Procurado, o Ministério da Economia não se manifestou. A Caixa informou que possui linhas de crédito à disposição de igrejas, "a depender da garantia apresentada", mas não respondeu aos questionamentos sobre oferta de novos empréstimos para ajudar as instituições religiosas no enfrentamento à crise durante a pandemia.