Por que a tentativa de golpe de Bolsonaro e aliados fracassou, segundo a PF? Entenda

Ex-ministros, militares de alta patente e antigos assessores do ex-presidente Jair Bolsonaro atuaram em tentativa de golpe de Estado, dizem investigadores

9 fev 2024 - 17h34
(atualizado às 19h24)
Policiais federais cumprindo mandado de busca e apreensão na Operação Tempus Veritatis
Policiais federais cumprindo mandado de busca e apreensão na Operação Tempus Veritatis
Foto: Wilton Junior/Estadão

RIO - O plano de golpear o Estado brasileiro e contrariar a vontade popular das urnas ao impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contou com o aval e planejamento do então presidente Jair Bolsonaro (PL), ministros do governo federal, militares de alta patente e civis aliados ao então chefe do Executivo, segundo a Polícia Federal (PF). Cada um contava com uma "missão" específica no enredo golpista, conforme as investigações, com atuação estruturada dos suspeitos em seis núcleos.

O objetivo era descredibilizar o sistema eleitoral, incitar os quartéis e, por fim, com o aval do alto comando das Forças Armadas, cruzar a linha da Constituição. Os insurgentes, no entanto, falharam em um ponto essencial da trama criminosa: não arregimentaram a unidade da tropa.

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Como mostrou o Estadão, a tentativa de desacreditar o Alto Comando do Exército (ACE) era parte fundamental da conspiração nascida dentro do Palácio do Planalto para dividir a corporação, colocar a tropa contra os comandantes que resistiam à ideia e consumar o golpe de Estado.

Uma das frentes dessa estratégia era desacreditar os comandantes os acusando, por meio do "gabinete do ódio" nas redes sociais. A investigação da Polícia Federal expôs o bastidor deste processo de fritura ao encontrar mensagens nas quais Braga Netto relata que o então comandante do Exército, Freire Gomes, estava omisso e indeciso sobre o golpe.

O ex-ministro da Casa Civil liderou uma campanha velada, mas agressiva, de pressão a oficiais das Forças que rejeitaram aderir ao plano golpista articulado por Bolsonaro e por seus aliados mais próximos.

Conversas recuperadas pela PF mostram como o então comandante do Exército entrou na mira do ministro. Em um dos diálogos, em dezembro de 2022, Braga Netto afirma que a "culpa pelo que está acontecendo e acontecerá é do general Freire Gomes". "Omissão e indecisão não cabem a um combatente", acrescentou o ministro. "Oferece a cabeça dele. Cagão."

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As mensagens foram trocadas com o capitão reformado do Exército Ailton Gonçalves Moraes Barros, preso pela Polícia Federal na investigação sobre as fraudes nos cartões de vacina.

Braga Netto também atacou o tenente-brigadeiro Carlos Almeida Baptista Júnior, que na época era comandante da Aeronáutica, chamado de "traidor da pátria". "Inferniza a vida dele e da família", orientou o ministro.

A PF descobriu que os aliados mais radicais de Bolsonaro chegaram a articular, com oficiais de alta patente, uma carta ao comandante do Exército para servir como "instrumento de pressão".

A Procuradoria-Geral da República (PGR) também destacou que teriam sido coordenados "ataques pessoais a militares indecisos sobre a adesão ao plano de golpe de Estado".

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A resistência do alto comando das Forças ao golpe foi demonstrada em outra conversa interceptada pela PF. Em uma das mensagens anexadas ao relatório, o coronel reformado do Exército Ailton Gonçalves Moraes Barros critica os comandantes por estarem "dificultando a vida do PR" ao "se colocar contra" a trama golpista.

"Nesse sentido, mais uma vez, a investigação identifica um elemento informativo ratificando que os investigados tentaram executar um golpe de Estado, para manter o então presidente Jair Bolsonaro no poder, que não se consumou por circunstâncias alheias a suas vontades", diz a PF.

A contrariedade por parte da tropa também foi registrada em uma conversa entre o coronel do Exército Marcelo Costa Câmara, então assessor especial da Presidência, e Mauro Cid. Câmara é apontado como integrante do núcleo que alimentava Bolsonaro com informações que o ajudariam a consumar o golpe de Estado. Ele foi um dos presos preventivamente na operação desta quinta-feira.

Câmara encaminha para Mauro Cid uma mensagem atribuída ao então comandante militar do Sul, Fernando Soares e Silva, em que o militar repreende a tropa por "eventuais adesões da ativa" a "esse tipo de iniciativa", afirmando ser "inconcebível". Em resposta, Cid diz apenas: "Já era o esperado".

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O Estadão mostrou que alguns dos principais integrantes do comando eram contrários à aventura golpista. Eram generais com comando de tropa, como Tomás Miguel Ribeiro Paiva (comandante militar do Sudeste), Richard Nunes (comandante militar do Nordeste), Fernando Soares e Silva (comandante militar do Sul) e André Luiz Novaes Miranda (comandante militar do Leste).

No dia 24 de novembro, o comandante do Exército, Freire Gomes, participou, segundo a delação do tenente-coronel Cid, de reunião com o presidente Bolsonaro. Nela, Bolsonaro consultou os chefes militares sobre um plano para de um golpe, cancelando as eleições. Garnier, segundo Cid, teria colocado suas tropas à disposição do presidente. Freire Gomes reagiu. Disse - de acordo com a versão de Cid - não ao golpe. Mas não informou ao Ministério Público Federal ou a qualquer outra autoridade o conteúdo da conversa.

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