Em um momento de novo agravamento da pandemia de coronavírus no país, movimentos e partidos políticos de centro-esquerda convocaram mais protestos contra o presidente Jair Bolsonaro neste sábado (19/06), reivindicando seu impeachment, o aumento da vacinação contra covid-19, a ampliação do auxílio emergencial e o fim das mortes nas periferias causadas por ações das polícias militares.
Segundo os organizadores, há atos confirmados em ao menos 319 cidades, uma ampliação em relação às pouco mais de 200 que registraram manifestações no dia 29 de maio.
Estão na liderança da convocação a Frente Povo Sem Medo, a Frente Brasil Popular e a Coalizão Negra por Direitos - as três reúnem centenas de sindicatos, movimentos sociais e coletivos negros e de periferia, como Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a UNEAfro. Entre os partidos, manifestaram apoio aos atos PT, PDT, PSB, PSOL, Rede, PCdoB e Cidadania.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse em suas redes sociais que ainda está decidindo se participará presencialmente, devido a possíveis críticas de estar se aproveitando eleitoralmente dos atos.
Ele é o provável candidato petista ao Palácio do Planalto em 2022 e, no momento, lidera as pesquisas de intenção de voto, embora mantenha também alta rejeição de parte da sociedade.
Por outro lado, movimentos da direita que lideraram grandes manifestações em 2016 pelo impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT), como MBL e Vem pra Rua, não estão participando das convocações para este sábado, nem estão chamando atos próprios em outra data.
Embora esses grupos também se oponham a Bolsonaro e pressionem pela ampliação da vacinação, avaliam que não é adequado realizar atos de rua durante a pandemia e preferem manter se manifestar nas redes sociais e por meio de panelaços.
Há também entre eles um incômodo com o que veem como um apoio a Lula nos protestos deste sábado, além de resistência em aderir a atos de grupos com bandeiras econômicas divergentes às suas, como a oposição à reforma administrativa e à privatização da Eletrobras.
Os grupos de esquerda, por sua vez, dizem que é preciso ir às ruas mesmo durante a pandemia porque "Bolsonaro é mais perigoso que o vírus". A covid-19 já matou quase 500 mil pessoas no Brasil e críticos do presidente atribuem o alto número de mortes à demora da gestão Bolsonaro em adquirir vacinas e a seu posicionamento contra o isolamento social e o uso de máscaras e a favor de medicamentos ineficazes contra a doença.
Os organizadores argumentam também que, ao contrário dos atos que têm sido realizados em apoio a Bolsonaro, onde é raro ver o uso de máscaras e o distanciamento entre os participantes, serão adotadas medidas para reduzir a possibilidade de contágio nos protestos deste sábado.
Para o ato da Avenida Paulista, em São Paulo, marcado para a tarde, serão distribuídas ao menos três mil máscaras PFF2 (modelo considerado mais seguro), segundo Josué Brasil, integrante da Frente Povo Sem Medo.
Além disso, ele diz que haverá três caminhões de som transmitindo os discursos simultaneamente em diferentes pontos da avenida para permitir um maior distanciamento entre os manifestantes.
"A gente é atingido pela bala, pela fome e pela covid-19", afirma Douglas Belchior, coordenador da UNEAfro Brasil e membro da Coalizão Negra por Direitos, ao justificar a necessidade de ir para as ruas agora.
"O nosso protesto primeiro parte do pressuposto de que a gente não pôde deixar as ruas, porque o povo mais pobre, o povo negro, continuou superlotando trens e ônibus para ir para o trabalho ou para procurar emprego. Então, se nosso povo precisa ocupar as ruas para ser explorado, então podemos também ocupar as ruas, com os devidos cuidados, para protestar pelos direitos sociais", reforçou.
'Mágoas de 2016'
Ainda que não existisse o fator pandemia, porém, dificilmente movimentos de esquerda e direita ocupariam juntos as ruas. O movimento Acredito, que se classifica como progressista, tem tentado fazer a ponte entre os dois polos, para unificar a oposição a Bolsonaro. Segundo Marcos Martins, liderança do Acredito em São Paulo que também integra a organização do ato na Avenida Paulista, isso é difícil hoje porque ainda há "muita mágoa" de ambos os lados em relação ao processo de impeachment de 2016.
"As duas razões (pandemia e apoio ao Lula nos atos de sábado) são muito fortes e concorrentes para não participarmos. Eu acabei de receber uma chamada para o dia 19 dizendo 'Lula presidente'. Nem morta (que iria participar). Do jeito que nós lutamos para esse cara ser preso, agora ele vem de presidente", disse à BBC News Brasil a porta-voz do MBL, Adelaide Oliveira.
"Bolsonaro, além de ser louco, agiu de maneira premeditada contra a vacina. Eu queria muito ir para rua gritar 'Fora Bolsonaro', mas com duas mil mortes por dia (de covid-19) não dá", acrescentou, reforçando a preocupação com o contágio da doença.
Segundo a líder do Vem pra Rua, Celina Ferreira, o movimento convocará atos próprios no futuro, quando uma parcela maior da população estiver imunizada contra a covid-19.
"Quando houver mais gente vacinada, nós vamos chamar com certeza uma manifestação 'Nem Lula, Nem Bolsonaro. Terceira via já'", afirmou.
O Livres, movimento liberal suprapartidário, disse por meio de nota à reportagem que "defende o impeachment do presidente Jair Bolsonaro em função dos inúmeros crimes de responsabilidade cometidos contra a Saúde Pública e a Democracia", mas ressaltou estar "contra qualquer tipo de aglomeração neste momento ainda agudo da pandemia".
"Incentivamos e praticamos formas seguras de manifestação, seja através da expressão do luto, com tecidos pretos nas janelas, em respeito aos quase 500 mil brasileiros mortos pela Covid-19, ou através de panelaços e publicações nas redes sociais. Neste sábado (19), todas as publicações nas redes do movimento serão contra o desgoverno de Jair Bolsonaro. Pedimos que quem se identifica com nossas bandeiras, princípios e propósitos curta e compartilhe", diz ainda o posicionamento do Livres.
O deputado estadual Fabio Ostermann (Novo-RS), ex-MBL e hoje integrante do movimento Livres, disse à BBC News Brasil ver pouca adesão de pessoas do "centro liberal e da direita" aos atos de sábado devido à discordância das pautas econômicas defendidas pelas organizações de esquerda que estão convocando os protestos.
"Existe uma percepção clara de que nesse momento as manifestações são ainda muito instrumentalizadas por grupos de esquerda que colocam dentro da mesma pauta absolutamente justa e necessária de combate ao projeto de poder bolsonarista, colocam dentro dessa demanda sua repulsa a reformas (econômicas) absolutamente fundamentais", disse Ostermann.
Apoiador da cassação de Dilma Rousseff e ministro da Cultura do governo Michel Temer, o presidente do Cidadania, Roberto Freire, lamenta essa resistência dos grupos de direita em participar dos atos contra Bolsonaro. Na sua avaliação, é importante a união de todos em torno do impeachment do presidente para pressionar o Congresso a iniciar esse procedimento. O atual presidente da Câmara dos Deputados, deputado Arthur Lira (PP-AL), é aliado de Bolsonaro, o que dificulta a abertura do processo.
Freire disse à BBC News Brasil que comparecerá ao ato de Brasília, marcado para sábado de manhã, e acredita que o público será bastante plural.
Para o ex-ministro, é compreensível que pessoas não queiram sair às ruas por causa da pandemia, mas defende que parte da direita "tem que superar" a resistência em dividir espaço com apoiadores de Lula. Por outro lado, diz, o petista "não deve comparecer imaginando que a manifestação é a favor dele, para fazer campanha".
"A manifestação não é para isso. Se Lula for para defender o impeachment, ótimo. Quem for contra Bolsonaro tem que estar junto", defende Freire.
Manifestação é plural, dizem organizadores
Josué Brasil, da Frente Povo Sem Medo, acredita que haverá um público diversificado nas ruas neste sábado, atraídos pela mobilização contra o presidente nas redes sociais.
"A convocação é pelo 'Fora Bolsonaro'. Então, estão participando das manifestações tantos grupos organizados, e, nesses grupos, partidos, movimentos e organizações de esquerda são a maioria, mas há um número muito grande de um público espontâneo que está indo nas manifestações pelas redes sociais e que é muito diverso", afirma.
Por outro lado, ele diz que é natural que a esquerda esteja liderando a mobilização, já que esse campo sempre esteve na oposição a Bolsonaro.
"Não há problema nenhum na esquerda estar na convocação dessas manifestações, até porque é quem sempre denunciou o que seria o governo Bolsonaro e esteve na linha de frente da oposição desde o primeiro momento. Muitos atores que hoje reconhecem o desastre que é esse governo colaboraram para sua eleição", nota Josué Brasil.