A desoneração das tarifas do transporte coletivo por meio da redução da carga tributária, encampada pelo governo federal após a pressão das manifestações populares das últimas semanas no País, já havia sido proposta e referendada com estudos técnicos ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva há quase oito anos.
Protesto contra aumento das passagens toma as ruas do País; veja fotos
A estratégia de reduzir ou eliminar impostos que compõem o custo do setor por meio de um pacto envolvendo o governo federal, Estados e municípios - como foi proposto na semana passada pela presidente Dilma Rousseff - é a praticamente a mesma apresentada ao ex-presidente na "Carta de Curitiba", documento assinado por prefeitos de capitais e grandes cidades brasileiras em 2005 na capital paranaense.
O então prefeito de Curitiba e atual governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), em entrevista ao Terra, lembra que o documento chegou nas mãos de Lula. "Apelamos para a sensibilidade do ex-presidente, mas ficamos sem resposta alguma", afirmou Richa, ressaltando que um dos signatários do documento era o prefeito de Belo Horizonte na época e atual ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel. O governador tucano disse não entender porque o documento ficou engavetado durante anos e as mesmas propostas são apresentadas agora como a solução para a redução das tarifas.
Carta de Curitiba
Ao assumir a prefeitura da capital paranaense em 2005 para o primeiro mandato, Richa instituiu uma comissão de estudos para avaliar as tarifas do transporte público. No relatório final do órgão, foi apontado que era possível a redução do preço das passagens em até 25% do valor praticado por meio da desoneração da carga tributária.
Apresentado aos prefeitos, o estudo se transformou na base da Carta de Curitiba, que solicitava a redução ou isenção da cobrança de uma lista de tributos (Cide, Cofins, PIS, ICMS e ISSQN) nos custos de insumos para empresas de transporte urbano e apelava para um pacto anti-imposto envolvendo prefeituras, Estados e a União.
O documento ainda sugeria a criação de um fundo permanente de recursos destinado exclusivamente para construção e ampliação da infraestrutura de transporte coletivo urbano de média e alta capacidade. Mesmo com o engavetamento da proposta, parte das sugestões foi colocada em prática em Curitiba. O ISSQN cobrado pela prefeitura foi estipulado em 2%, percentual mínimo permitido em nível nacional. O preço da passagem na capital paranaense foi reduzido de R$ 1,90 para R$ 1,80.
Em março deste ano, o governo do Paraná criou condições para reduzir o valor das tarifas em 18 cidades do Paraná que estavam sob gestão estadual, isentando o ICMS sobre o óleo diesel em conjunto com prefeitos. "Essa medida foi colocada em prática de forma espontânea, sem pressão e antes de qualquer manifestação", disse Richa. Com a isenção, a redução atingiu valores variáveis entre R$ 0,05 à R$ 0,15 no preço das tarifas nas maiores cidades do Estado. Com a isenção do imposto, o Paraná abriu mão de uma receita estimada em cerca de R$ 38 milhões anuais.
Governo não comenta
O Terra entrou em contato com vários órgãos do governo federal para comentar as declarações do governador Beto Richa. Em Brasília, foram contatadas as assessorias de comunicação do Ministério da Fazenda, do Ministério do Desenvolvimento e da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República. Oficialmente, o governo preferiu não se manifestar.
Protestos contra tarifas mobilizam população e desafiam governos de todo o País
Mobilizados contra o aumento das tarifas de transporte público nas grandes cidades brasileiras, grupos de ativistas organizaram protestos para pedir a redução dos preços e maior qualidade dos serviços públicos prestados à população. Estes atos ganharam corpo e expressão nacional, dilatando-se gradualmente em uma onda de protestos e levando dezenas de milhares de pessoas às ruas com uma agenda de reivindicações ampla e com um significado ainda não plenamente compreendido.
A mobilização começou em Porto Alegre, quando, entre março e abril, milhares de manifestantes agruparam-se em frente à Prefeitura para protestar contra o recente aumento do preço das passagens de ônibus; a mobilização surtiu efeito, e o aumento foi temporariamente revogado. Poucos meses depois, o mesmo movimento se gestou em São Paulo, onde sucessivas mobilizações atraíram milhares às ruas; o maior episódio ocorreu no dia 13 de junho, quando um imenso ato público acabou em violentos confrontos com a polícia.
O grandeza do protesto e a violência dos confrontos expandiu a pauta para todo o País. Foi assim que, no dia 17 de junho, o Brasil viveu o que foi visto como uma das maiores jornadas populares dos últimos 20 anos. Motivados contra os aumentos do preço dos transportes, mas também já inflamados por diversas outras bandeiras, tais como a realização da Copa do Mundo de 2014, a nação viveu uma noite de mobilização e confrontos em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Salvador, Fortaleza, Porto Alegre e Brasília.
A onda de protestos mobiliza o debate do País e levanta um amálgama de questionamentos sobre objetivos, rumos, pautas e significados de um movimento popular singular na história brasileira desde a restauração do regime democrático em 1985. A revogação dos aumentos das passagens já é um dos resultados obtidos em São Paulo e outras cidades, mas o movimento não deve parar por aí. “Essas vozes precisam ser ouvidas”, disse a presidente Dilma Rousseff, ela própria e seu governo alvos de críticas.