Procurador-geral Augusto Aras esteve com presidente mais que o dobro de vezes de antecessora

Responsável por decidir se denuncia ou não presidente da República em inquérito, Aras encontrou-se com Bolsonaro pelo menos seis vezes desde o início do mandato; mais do que os antecessores Raquel Dodge e Rodrigo Janot no mesmo período.

3 jun 2020 - 05h18
(atualizado às 07h17)
Aras esteve com Bolsonaro seis vezes desde que assumiu
Aras esteve com Bolsonaro seis vezes desde que assumiu
Foto: Reuters / BBC News Brasil

O atual procurador-geral da República, Augusto Aras, esteve com o presidente da República muito mais vezes que seus antecessores no comando do Ministério Público. A proximidade é pouco isual nos últimos anos.

Aras esteve com Bolsonaro seis vezes desde que assumiu, em setembro do ano passado, enquanto Raquel Dodge encontrou o ex-presidente Michel Temer apenas duas vezes no período correspondente.

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Dentro de algumas semanas, caberá a Augusto Aras uma decisão que afetará Bolsonaro: ele pode ou não denunciar o presidente em um inquérito em curso no Supremo Tribunal Federal, sobre as acusações feitas pelo ex-ministro da Justiça, Sergio Moro. Bolsonaro queria trocar o comando da Polícia Federal para proteger familiares e aliados políticos, disse o ex-ministro e ex-juiz da Lava Jato.

A investigação apura se Bolsonaro cometeu os crimes de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, obstrução de justiça e corrupção passiva.

Aras esteve com Jair Bolsonaro pelo menos seis vezes desde o começo do seu mandato, em setembro passado. No período correspondente, durante os oito primeiros meses de mandato, a ex-PGR Raquel Dodge esteve com o ex-presidente Michel Temer só duas vezes, em eventos públicos.

Assim como no caso de Dodge e Temer, o ex-PGR Rodrigo Janot também não teve audiências privadas com Dilma Rousseff nos primeiros oito meses de mandato, de setembro de 2013 a maio de 2014. No caso dele, porém, as informações tiveram de ser colhidas de forma indireta, pois os registros de agendas não estão mais disponíveis nos sites da Procuradoria-Geral da República e da Presidência.

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O último dos seis encontros de Aras com Jair Bolsonaro ocorreu por iniciativa do presidente da República.

Na última segunda-feira (25), o presidente da República acompanhou, por videoconferência, a solenidade de posse de Carlos Alberto Vilhena como titular da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), que ocorria na sede da PGR em Brasília. No fim do evento, Aras ofereceu a palavra a Bolsonaro, e o chefe do Executivo disse que gostaria de ir pessoalmente ao encontro de Aras e Vilhena.

"Se me permite a ousadia, se me convidar, eu vou agora aí apertar a mão do nosso novo colegiado maravilhoso da Procuradoria Geral da República", disse o presidente. "Estaremos esperando Vossa Excelência com a alegria de sempre", replicou Aras. Bolsonaro então foi à PGR e ficou cerca de 15 minutos com os procuradores.

Bolsonaro recebeu Aras diversas vezes no Palácio do Planalto
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

No mesmo dia, Bolsonaro publicou uma nota oficial que incomodou Augusto Aras: num trecho, o presidente diz acreditar no "arquivamento natural do inquérito", sobre as acusações de interferência na PF, "por questão de Justiça". A decisão sobre arquivar ou não a investigação cabe ao PGR.

Aras também decidirá se oferece denúncia ou se arquiva outras duas apurações que envolvem aliados do presidente. Um é o polêmico inquérito das fake news, relatado pelo ministro do STF Alexandre de Moraes; e o outro, diz respeito a manifestações antidemocráticas.

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No inquérito sobre as fake news, Aras disse ser contrário às medidas de busca e apreensão determinadas por Alexandre de Moraes contra aliados do Presidente da República, e cumpridas na semana passada.

Almoços, homenagens, reuniões

Um mês antes da nota, foi Aras quem atravessou a Esplanada dos Ministérios para se encontrar com Bolsonaro: o PGR esteve no Palácio do Planalto em 27 de abril, no mesmo dia em que o ministro do STF Celso de Mello decidiu pela abertura do inquérito contra o presidente, a respeito das acusações formuladas por Sergio Moro.

Na ocasião, o PGR foi ao Planalto para discutir a pandemia do novo coronavírus com o ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto, mas reuniu-se também com Bolsonaro.

No dia 18 de dezembro de 2019, mais um encontro privado: Aras esteve no Palácio do Planalto para um almoço com Bolsonaro e com os presidentes do STF, ministro Dias Toffoli, e do Tribunal de Contas da União (TCU), José Múcio Monteiro. No dia 02 de fevereiro, o PGR esteve no Planalto para outro almoço presidencial, desta vez com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ); do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP); e várias outras autoridades.

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Completam a lista de encontros de Aras e Bolsonaro algumas cerimônias de entregas de medalhas. Em novembro de 2019, Aras esteve com Bolsonaro na entrega da comenda da Ordem do Mérito do Ministério Público Militar. No dia 12 de março, recebeu do Presidente da República a medalha da Ordem do Mérito da Advocacia-Geral da União, em uma cerimônia no Clube Naval de Brasília.

É Aras quem vai decidir se o presidente será ou não denunciado à Justiça por crimes
Foto: Reuters / BBC News Brasil

O número de homenagens segue crescendo: na última sexta-feira (29), Bolsonaro decidiu agraciar o PGR com a medalha de Grande Oficial da Ordem de Mérito Naval. Também receberão a honraria os ministros da Educação, Abraham Weintraub; do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio; e da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge de Oliveira.

Enquanto isso, a antecessora de Aras no comando do Ministério Público, Raquel Dodge, só esteve com Michel Temer por duas vezes no período correspondente — de setembro de 2017 a maio de 2018.

Ao contrário de Aras, a ex-PGR não teve audiências privadas com Temer no período: os dois se encontraram apenas em eventos públicos. Em outubro de 2017, Temer homenageou Dodge com a Comenda da Ordem do Mérito Aeronáutico. Em fevereiro de 2018, Dodge foi ao Palácio do Planalto para uma cerimônia relacionada ao Documento Nacional de Identificação.

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Aras: não sou amigo de Bolsonaro

Na madrugada de terça-feira, Augusto Aras comentou sua relação com Jair Bolsonaro durante uma entrevista ao jornalista Pedro Bial, da TV Globo.

Na entrevista, Aras ressaltou que não é "amigo" de Bolsonaro — e que se mantém independente em relação ao Presidente da República. "Na verdade, não sou amigo do presidente. Não temos relações de amizade. Temos relações de respeito", disse.

Sobre a nota de Bolsonaro, na qual o presidente disse acreditar no arquivamento do inquérito, Aras disse se tratar de uma "declaração unilateral" de Bolsonaro. "O presidente esqueceu de combinar comigo", disse.

Aras também disse que Bolsonaro é livre para expressar suas opiniões — sem que elas o comprometam enquanto procurador. "Imagine se eu ou qualquer outra autoridade pode controlar o que diz o senhor presidente?"

Na entrevista, Aras também negou que tenha a intenção de ser indicado para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) — a possibilidade foi aventada por Bolsonaro em sua tradicional "live" da última quinta-feira (28). Depois, porém, o presidente recuou da ideia.

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Proximidade 'não é normal', diz procurador

A frequência com que Augusto Aras se encontra com Bolsonaro é notada pelos procuradores — e alguns se sentem desconfortáveis com a proximidade. Outros evitam críticas ao PGR e ressaltam que, mesmo no comando da instituição, ele segue tendo a chamada independência funcional.

"No âmbito macro, a gente tem começado a passar vergonha, né? Por que ele vai nas posses, ele senta como se fosse da equipe, vai fazer reunião (com integrantes do governo). E isso não é normal, do jeito que ele faz. Ele é vendido pelo Bolsonaro como alguém da equipe", diz um procurador ouvido pela BBC News Brasil, sob anonimato.

"Há um desconforto, uma insatisfação até, com a realidade que vive hoje o MPF, e que decorre de uma sucessão de acontecimentos. Não é uma coisa que começa hoje", diz este profissional, que é ativo na política interna do Ministério Público.

"Se você for puxar como foi o ingresso do Aras (no cargo de PGR), ele não participa da disputa (da lista tríplice da ANPR). E mais que isso, ele participa de um balcão de negociações sobre pautas. Na época da indicação do PGR, Bolsonaro falava 'não pode ser xiita no meio ambiente', 'não pode ser radical na questão indígena', 'não pode isso', 'não pode aquilo'", relembra ele.

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A "insatisfação" mencionada pelo procurador resultou num manifesto assinado por 655 dos cerca de 1.150 membros do MPF. No texto, os profissionais ressaltam a importância de manter a independência do órgão e defendem que o sistema de lista tríplice para a escolha do PGR seja incluído na Constituição.

"De fato existe esta queixa. Ele foi trazido de fora da lista tríplice, que é algo que a carreira sempre defendeu, algo que vem desde 2003, e que se imaginava que estivesse consolidado. E ele foi escolhido na frente de três pessoas muito bem votadas. Agora, apesar disso, é claro que ele tem toda a legitimidade constitucional (foi escolhido pelo Presidente da República como manda a Constituição)", diz outro procurador.

Outros procuradores ouvidos pela BBC News Brasil criticaram também a atuação de Aras no chamado "inquérito das fake news": a antecessora, Raquel Dodge, determinara o arquivamento do inquérito, que é considerado inconstitucional por muitos procuradores. Ao assumir o posto, Aras disse que a apuração poderia continuar, desde que passasse pelo crivo da PGR.

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